Baixou a guarda...
...levou golpe. Mercado pune a incerteza das
metas de inflação do Conselho Monetário Nacional
Giuliano Guandalini
Montagem sobre foto Michael Dalder/Reuters |
Essa doeu: soco de 5 bilhões de reais nos cofres do Tesouro |
Os mercados financeiros atuais são como ágeis lutadores de boxe. Eles tendem a restabelecer a verdade dos preços. Vivem a golpear agentes econômicos que, na ilusão de obter benefícios de curto prazo, exibem fragilidades. Foi o que ocorreu na semana passada com o Tesouro brasileiro. Reagindo à decisão do governo de tolerar uma inflação ligeiramente maior daqui para a frente, os investidores começaram a exigir mais dinheiro para rolar a enorme dívida pública federal. O knock-down começou há duas semanas, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu que a meta de inflação do país para os próximos dois anos será de 4,5%, e não de 4%, como se esperava. Foi uma tentativa de anabolizar, com um pouco mais de inflação, o crescimento da lenta economia brasileira. Não foi uma boa idéia. Investidores passaram a cobrar juros 0,5 ponto porcentual mais altos para rolar os títulos da dívida pública. Foi a forma que encontraram para preservar seus ganhos num ambiente em que seu principal devedor, o governo, se tornou menos confiável. Como a dívida pública é de aproximadamente 1 trilhão de reais, o custo desse aumento nos cofres públicos será de 5 bilhões de reais ao ano. Mas isso não é o pior. Com juros maiores, o país poderá crescer um pouco menos, num sinal de que a decisão marota do CMN pode produzir o resultado inverso do esperado.
O golpe arranhou um pouco a credibilidade da política econômica, até aqui tocada impecavelmente pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Comprovou-se infrutífera a promessa de Meirelles de perseguir sua própria meta de inflação, de 4%, mais baixa que a definida oficialmente. Foi uma tentativa bem-intencionada, porém confusa, de não levantar suspeitas no mercado credor. Na prática, Meirelles acabou criando uma meta de inflação paralela. Os investidores ficaram sem saber em quem confiar: se em Meirelles, que diz perseguir um inflação de 4%, ou na meta oficial, de 4,5%. Diante da incerteza, não tiveram dúvidas e passaram a exigir juros mais altos. O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e responsável pela introdução do sistema de metas em 1999, lembra que as relações de mercado exigem confiança. Diz Fraga: "A transparência do processo de tomada de decisões é a base do sistema de metas. A redução dessa transparência pode afetar a credibilidade que foi duramente conquistada ao longo dos últimos anos". Na avaliação de Alexandre Marinis, diretor da consultoria Mosaico Economia e Política, os sinais de perigo não se restringem à inflação. O governo, segundo ele, tem baixado a guarda e flexibilizado outras metas econômicas: fez um esforço fiscal menor, defendeu mais endividamento de estados e municípios e, agora, anunciou metas de inflação mais flexíveis.
A relação ganho-benefício dessas medidas ainda está para ser estabelecida. O ambiente externo altamente favorável, com excesso de dólares em busca de porto, por enquanto é uma garantia de que o controle de danos ainda pode ser feito. Mas um lutador tem de ter algo mais que sorte. Precisa manter a guarda erguida para vencer em qualquer circunstância.