de dólares
Eis a questão: as obras de arte de Edemar Cid Ferreira
devem ir para museus ou para os credores?
Juliana Linhares
Evelson de Freitas/AE |
O ex-banqueiro Cid Ferreira: "Quero compartilhar" |
Um banqueiro quebra, deixa um rombo de 2,5 bilhões de reais na praça e 3.000 credores a ver navios. É condenado por lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e desvio de recursos – recursos esses que, segundo a Justiça, o banqueiro aplicou em grande parte na compra de obras de arte. Processo em fase final, surge a dúvida: com quem devem ficar as obras? Para o juiz Fausto de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, não há dúvidas: elas devem pertencer à sociedade. O juiz Sanctis foi quem, em dezembro do ano passado, condenou Edemar Cid Ferreira, o banqueiro em questão, a 21 anos de cadeia. No entender do magistrado, as obras foram compradas com dinheiro ilícito e, portanto, devem ir para a União e, em seguida, ser distribuídas pelos museus. Ocorre que a Justiça Estadual discorda da Justiça Federal. A 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo quer que as obras sejam entregues à massa falida do Banco Santos, que representa os credores de Edemar. Dessa forma, elas seriam leiloadas e serviriam para pagar ao menos parte das dívidas deixadas pelo fundador do Banco Santos. A decisão sobre o caminho que irá tomar a Cid Collection, como o ex-banqueiro batizou o seu acervo, virá do Superior Tribunal de Justiça e é aguardada para o mês que vem.
A coleção de Edemar, avaliada em 30 milhões de dólares, é de um ecletismo pouco visto. Com 11.000 peças, ela inclui desde esculturas e pinturas – modernas e contemporâneas – até peças arqueológicas, como um sarcófago egípcio e uma coleção de mapas antigos. Parte desse acervo está hoje provisoriamente abrigada em museus de São Paulo. Há peças que peritos consideram de autenticidade duvidosa, como um quadro de Di Cavalcanti e outro de Eliseu Visconti, e outras de comprovado e elevado valor, como uma tela de Anselm Kiefer, o único trabalho do neo-expressionista alemão existente no Brasil, avaliado em 500.000 dólares. Mas as verdadeiras jóias da Cid Collection não irão nem para os museus, como quer a Justiça Federal, nem para os credores, como pretende a Justiça Estadual, já que estão sumidas.
Autoridades que investigam o caso têm informações de que, na noite de 18 de dezembro de 2006, caminhões estacionaram na entrada da mansão do ex-banqueiro no bairro do Morumbi, em São Paulo, e deixaram o local carregando peças da coleção. Entre as 29 obras desaparecidas estão um quadro do americano Robert Rauschenberg, avaliado em 5 milhões de dólares, e um bronze do inglês Henry Moore, cotado em 2 milhões de dólares. A pedido do Ministério Público, investigadores chegaram a procurar empresas especializadas no transporte de obras de arte e a rastrear helicópteros que fizeram viagens naquele período. Não encontraram nada. A suspeita dos investigadores é que Edemar tenha escondido as obras em casas de amigos. O ex-banqueiro não só nega a manobra como afirma que jamais possuiu os trabalhos desaparecidos. Diz ele: "Nunca fizeram parte do meu acervo".
O sumiço das peças corrobora a imagem de fraudador que Edemar tem aos olhos da Justiça. Cinco meses depois da intervenção no Banco Santos, o Banco Central trouxe dos Estados Unidos técnicos para rastrear os arquivos existentes nos computadores do Santos. Eles descobriram que uma quantidade gigantesca de informações havia sido deletada. Além de e-mails e planilhas de contabilidade, os técnicos conseguiram recuperar uma lista completa das obras de Edemar, propositadamente apagada. Ao verem a lista, peritos que trabalhavam na análise do acervo constataram os desaparecimentos – e o fato de que as obras sumidas eram justamente as mais valiosas da coleção.
Nos últimos dez anos, Edemar havia se tornado promotor de grandes eventos culturais no Brasil. Presidente da Fundação Bienal de São Paulo entre 1993 e 1997, ele trouxe exposições importantes, como a Guerreiros de Xi'an e a retrospectiva Pablo Picasso. Também realizou a façanha de incluir o país no circuito internacional das artes. A mostra dos 500 anos do descobrimento do Brasil, que ele organizou, percorreu museus da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos. Em julho de 2006, Edemar foi excluído do Conselho Deliberativo da Fundação Bienal. Chegou a ser preso duas vezes, desde a liquidação do Banco Santos, em setembro de 2005. Na primeira – pela acusação de ocultar obras de arte e tentar obstruir a Justiça –, permaneceu três meses na cadeia. Hoje, aguarda o julgamento do seu pedido de recurso junto ao Tribunal Regional Federal em sua mansão de 80 milhões de reais.
Localizada no bairro do Morumbi, em São Paulo, a casa tem 4.100 metros quadrados e cinco andares, um deles com pé-direito de 9 metros. De acordo com pessoas próximas, o ex-banqueiro (que nasceu em família de classe média e começou a vida como bancário), embora oficialmente falido, mantém os hábitos de milionário: continua comprando obras de arte, gosta de fumar charutos na Ranieri Tabacaria, no bairro dos Jardins, e freqüenta restaurantes caros, como o português Antiquarius. Perguntado por VEJA sobre qual destino preferiria para o seu acervo, Edemar deu uma resposta filantrópica: "Não coleciono só para mim. Quero compartilhar. Desejo que esses bens permaneçam nos museus. Mas o meu desejo é o que menos importa". Nisso, ele tem toda a razão.
AS JÓIAS DA COROA Embora as obras mais valiosas do acervo de Edemar tenham sumido, algumas preciosidades estão à disposição da Justiça, como as mostradas neste quadro
|
AS DESAPARECIDAS De acordo com peritos que analisaram o acervo de Edemar, há cerca de trinta peças desaparecidas, entre elas uma tela de Rauschenberg, que vale 5 milhões de dólares. A Justiça suspeita que elas estejam escondidas na casa de amigos do ex-banqueiro
|
XANADU
A mansão de Edemar, decorada pelo americano Peter Marino, ocupa 4 100 metros quadrados e é enfeitada por obras de arte do teto aos jardins
Sobre a mesa de jantar, luminária do alemão INGO MAURER. Estrela do design contemporâneo, o artista veio ao Brasil especialmente para instalar a obra |
Nana, escultura da francesa NIKI DE SAINT PHALLE, ornamenta um dos jardins da mansão |