Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 17, 2007

Dora Kramer - Manual de sobrevivência




O Estado de S. Paulo
17/7/2007

Nenhum palavrório a respeito do “nunca antes neste país”, nenhuma escala de índices de popularidade diz, a respeito das condições de governabilidade do Brasil, o que diz o último relatório do Banco Mundial sobre Assuntos de Governança, divulgado na semana passada.

Está escrito ali: o País encontra-se em escala descendente no controle da corrupção, no respeito às instituições, na aplicação das leis e na eficiência de governo. Nada que a constatação cotidiana já não nos tenha informado e nada que seja também produção exclusiva do governo em curso.

O Bird começou a fazer essa medição há dez anos, levando em conta um universo de 212 países e a aplicação de 350 variáveis escolhidas por instituições internacionais de financiamento de projetos.

Essas instituições começaram a trabalhar com países de economias emergentes no intuito de ajudá-los a reduzir o grau de corrupção e melhorar os indicadores de governança, prioritários para a obtenção de recursos externos.

Por aqueles critérios, o Brasil já partiu de um nível insatisfatório. Em 1996, o índice de eficiência governamental, por exemplo, era de 47,4 numa escala de zero a 100. No item “força da lei”, que avalia a confiabilidade da polícia e da Justiça, o País ficava na metade do caminho, com 50 pontos.

Houve, de lá para cá, algumas variações positivas no período, mas, de acordo com o relatório, em 2006 o Brasil atingiu o seu pior patamar em relação aos principais indicadores.

No controle de corrupção, chegou a 59,1 em 2000 e caiu para 47,1 no ano passado; em matéria de eficiência de governo, passou de 60,7 em 2003 para 52,1 em 2006; no item “qualidade dos marcos regulatórios” no mesmo período o Brasil caiu de 62,9 para 54,1; e, no tocante à “força da lei”, os 50 pontos de dez anos atrás hoje são 41,4.

O governo brasileiro não deu atenção ao estudo e a única autoridade a se manifestar, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, tomou a medição como obra de inimigos e qualificou de “ridículo” o relatório.

A idéia do Banco Mundial não é se contrapor a este ou àquele governo. É simplesmente traçar um retrato mais claro e substancial sobre as condições de governabilidade de nações candidatas ao desenvolvimento e fornecer um mapa com alguns caminhos de acesso à porta de entrada.

Sendo assim, no lugar de desprezar, o ministro Hage contribuiria se levasse o governo a se interessar por uma pauta de providências sugeridas pelo Bird para a melhoria da governabilidade e redução da corrupção, “ingredientes essenciais para o crescimento econômico”.

São elas: divulgação do patrimônio e dos ganhos dos candidatos a cargos públicos e funcionários de todos os Poderes; divulgação das contribuições de pessoas físicas e jurídicas a campanhas eleitorais, bem como dos gastos de campanha; divulgação de todos os votos parlamentares; aplicação rigorosa de leis sobre conflitos de interesse nas atividades empresarial e política; divulgação da lista de empresas declaradas culpadas por pagamento de suborno em contratos públicos; respeito à liberdade de informação, com acesso fácil a informações de governo.

Liberdade dos meios de comunicação; transparência fiscal e financeira dos Orçamentos públicos em todos os níveis: federal, estaduais e municipais; divulgação da estrutura patrimonial e condições financeiras dos bancos; sistema de contratação de serviços e fornecedores via internet; diagnósticos periódicos sobre gestão de governo e controle da corrupção, bem como acompanhamento austero dos gastos públicos.

A chave, nesse esboço de manual de sobrevivência à ineficácia, à corrupção e ao enfraquecimento das instituições, é a transparência. Segundo a conclusão do Banco Mundial, não é um luxo exclusivo de países ricos nem culturalmente mais bem-aquinhoados.

É, antes, uma questão de compreensão da realidade, empenho, disposição de não se render ao pessimismo nem aos ditames do determinismo histórico e, sobretudo, de rejeição nacional - “os países devem ser os primeiros a se ocupar de melhorar as gestões de seus respectivos governos” - à disseminada e bem aceita filosofia do deixa estar para ver como é que fica.

Egomania

O presidente Luiz Inácio da Silva ia bem no programa Café com o Presidente, na avaliação sobre a vaia no Maracanã. “São dois momentos de reação humana”, dizia, conferindo ao episódio a devida naturalidade das ocorrências possíveis a um homem público quando diante de platéias entregues à espontaneidade própria de multidões.

Ia bem até tropeçar no ego ferido: “Isso (a vaia) não muda um milímetro do meu comportamento com o Rio de Janeiro.”

A frase, assim como o cancelamento da fala de abertura do Pan, traduz o inconformismo e a raiva de um presidente da República que se considera, além de intocável, dono da prerrogativa majestática de condicionar decisões de governo a sentimentos e ressentimentos de caráter pessoal.

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