Os atentados montados na Inglaterra por uma célula
de médicos mostram a dificuldade de detectar a
tempo as conspirações dos fanáticos de Alá
Denise Dweck
Reuters | Simon Dawson/AP |
ASSASSINOS E MÁRTIRES |
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Os primeiros homens-bomba do Oriente Médio deram origem a um estereótipo equivocado do terrorista islâmico. Ele foi inicialmente descrito como um jovem pobre, solitário e pouco instruído. O martírio seria sua forma de alcançar algum grau de prestígio social, ainda que póstumo, em sua comunidade. Esse perfil partia do pressuposto de que só alguém sem perspectivas sociais seria capaz de acabar com a própria vida num atentado. O ataque contra o aeroporto de Glasgow, na Escócia, no sábado 30, e os atentados frustrados com dois carros-bomba no dia anterior, em Londres, mostram uma dinâmica psicológica mais fugidia. Os oito presos pela polícia britânica por envolvimento na conspiração terrorista têm alto nível educacional e desfrutavam um bom padrão de vida – as oportunidades profissionais eram cortesia da Inglaterra, país cujos cidadãos pretendiam massacrar. Seis deles eram empregados do serviço inglês de saúde pública.
Os terroristas presos têm algumas características em comum: são jovens, muçulmanos fanáticos e, com exceção de um engenheiro, seguiam carreira médica. O iraquiano Bilal Abdullah, de 27 anos, passageiro do Jeep Cherokee jogado em chamas contra o terminal do aeroporto, é especialista no tratamento de diabetes e médico de um hospital público em Paisley, na Escócia. O motorista do Jeep, Kafeel Ahmed, 28 anos, detém um título de doutorado em design e tecnologia aeronáutica. Com o corpo em chamas, ele saiu do carro gritando "Alá, Alá", antes de ser imobilizado pela polícia. Na sexta-feira passada, ele permanecia internado em um hospital escocês com queimaduras em 90% do corpo.
Não se sabe ainda se os envolvidos nos atentados formavam uma célula terrorista da Al Qaeda infiltrada especialmente na Inglaterra para preparar seus ataques sem despertar suspeitas. Ou se já viviam no país quando resolveram seguir esse caminho. O fato é que, em lugar de se dedicarem a salvar vidas, os médicos tramavam uma matança. A falta de um perfil psicológico preciso dos homens dispostos a matar em nome de Alá torna o combate ao terrorismo na Inglaterra uma tarefa ainda mais complexa. Depois dos atentados que mataram 52 pessoas em Londres, em 2005, o choque foi descobrir que os terroristas eram jovens muçulmanos criados na Inglaterra, em um ambiente de tolerância religiosa e de uma sociedade politicamente correta.
A presença de diplomas universitários na guerra santa islâmica não chega a surpreender. Mohamed Atta, líder dos atentados de 11 de setembro de 2001, acabara de concluir pós-graduação em planejamento urbano numa universidade alemã. A participação de engenheiros e médicos no terrorismo islâmico é alta. O número 2 da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, é médico. Ele já disse considerar vantajoso recrutar militantes nessas duas carreiras. Não apenas por mostrarem habilidade no planejamento de atentados complexos como pela facilidade com que são aceitos nos países do Primeiro Mundo. "O fato de serem inteligentes ou bem-sucedidos não os impede de se sentirem motivados pelo mesmo tipo de ressentimento de outros fanáticos islâmicos", disse a VEJA o especialista em terrorismo Bill Durodié, da Universidade Cranfield, na Inglaterra. O terrorismo islâmico alimenta-se de uma salada de idéias. A mais significativa é o sentimento de que eles são as vítimas de uma conspiração ocidental para mantê-los pobres e destruir o Islã. Misturam-se a essa convicção totalmente descolada da realidade elementos inerentes ao islamismo – como a crença na superioridade absoluta de sua religião. Como observou o colunista Thomas Friedman, do New York Times, as justificativas para os atentados são cada vez mais confusas e ilógicas: no 11 de Setembro, a desculpa era a presença militar americana na Arábia Saudita. No ataque de 2005 em Londres, a razão era a perda de identidade da juventude muçulmana inglesa. A conspiração dos médicos nem sequer veio acompanhada de uma reivindicação ou manifesto. A falta de racionalidade do fanatismo islâmico só o torna mais perigoso. O que negociar com homens que querem apenas matar e morrer?