Desafogar logo Congonhas, adequar a operação
das companhias aéreas à infra-estrutura existente
e construir um terceiro aeroporto em São Paulo – sem
tudo isso, a bagunça não tem hora para acabar
Fábio Portela
Alberto Takaoka/AE |
A espera no Aeroporto de Cumbica: até o aquecimento global virou desculpa para maltratar os passageiros |
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O caos nos aeroportos brasileiros é uma turbulência sem fim. Na semana passada, com o início das férias, vôos atrasaram mais de doze horas, pessoas dormiram nos saguões dos aeroportos enquanto esperavam para embarcar e as autoridades – bem, as autoridades continuam as mesmas. Há nove meses, o Ministério da Defesa, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Infraero procuram um culpado pela crise. Primeiro, depositaram o problema na conta dos controladores do tráfego aéreo – que, de fato, atrasaram vôos deliberadamente. Depois, na das companhias aéreas – que, de fato, vendem passagens além da capacidade de seus aviões. Mas não há como negar que o governo também tem sua parcela de culpa. A Infraero preteriu obras importantes, como a reforma da pista de Congonhas, em favor de outras irrelevantes. A Anac, por sua vez, jamais regulou o mercado adequadamente e deixou as companhias operar da forma que lhes é mais lucrativa, sem levar em conta os limites de infra-estrutura.
Na sua posição defensiva de não assumir responsabilidades pela bagunça, quando os viajantes se amontoaram nos saguões dos aeroportos no último fim de semana, o governo apontou um novo culpado: o aquecimento global. Sim, é isso que você leu. O calor teria provocado "nevoeiros atípicos", que prejudicaram os pousos e as decolagens. A verdade, no entanto, é que nevoeiros sempre ocorreram neste período do ano. Eles só passaram a parar o país porque todo o sistema aéreo nacional entrou em colapso. Foi "para o espaço", na cândida expressão do presidente da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira.
O cerne da crise aérea está no Aeroporto de Congonhas. Encravado na cidade de São Paulo, é destino ou partida de, pelo menos, 18% dos passageiros do país. Recebe mais de 600 vôos por dia, o que significa, em média, uma operação de pouso ou decolagem a cada dois minutos. Quando Cumbica, o aeroporto de Guarulhos, foi inaugurado, na década de 80, Congonhas ficou só com vôos para Rio, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte. Depois que Cumbica chegou ao seu limite, no entanto, Congonhas voltou a ser usado para outros destinos. Em 1990, passou a ocupar o posto de o aeroporto mais movimentado do país. Nos últimos anos, a situação se agravou porque a TAM e a Gol o transformaram no principal centro de suas operações. Congonhas abriga a maior parte das conexões feitas no país.
Tiago Queiroz/AE |
Aeroporto de Congonhas: pode chamá-lo de sucursal do inferno |
Esse modelo permitiu que as companhias aumentassem a ocupação dos assentos de seus jatos. Hoje, esse índice chega a 72%. Há vinte anos, ficava em torno de 55%. Com mais assentos ocupados, elas baixaram os preços e conquistaram clientes que viajavam de ônibus. Neste ano, 13% dos bilhetes foram vendidos para as classes C e D. Os lucros das empresas cresceram, os mais pobres agora voam – mas Congonhas entrou em colapso. O excedente de passageiros no aeroporto supera em 50% a sua capacidade. Resultado: quando um único avião atrasa, todo o aeroporto é afetado e o estrago é compartilhado pelos outros aeroportos do país. Na semana passada, em Congonhas, 13% dos vôos atrasaram mais de uma hora e 9% foram cancelados. O efeito cascata foi imediato. Há mais problemas. No pátio do aeroporto paulista, só cabem 25 aviões. Quando esse limite é atingido, nenhum pode pousar. Os aviões voam em círculos esperando uma vaguinha e, com isso, atrasam seu pouso, demoram para decolar outra vez e causam problemas no resto do Brasil. Os jatinhos também congestionam o aeroporto. Aviões particulares que transportam, em média, dois passageiros respondem por 22% dos vôos de Congonhas. Enquanto eles usarem suas pistas, o aeroporto permanecerá atravancado.
Falta avião? Falta. No seu afã de lucro a qualquer preço, as companhias deixaram de comprar jatos a um ritmo compatível com o crescimento do tráfego aéreo. Somada, a frota das três grandes empresas – TAM, Gol e Varig – diminuiu nos últimos anos. Em 2005, tinham 205 aviões. Hoje, têm 189. Apesar disso, transportam milhões de passageiros a mais do que em 2005. Para tentarem contornar a conta que não fecha, elas começaram a usar aviões maiores, com mais assentos – e que voam por mais tempo diário. Há quatro anos, uma aeronave voava sete horas por dia. Hoje, voa catorze. O nó é que, com menos tempo entre as decolagens, qualquer atraso provoca uma reação gigantesca. Se um jato atrasa de manhã, todos os outros vôos que ele fará no dia são afetados. Em muitos casos, o avião leva mais de 24 horas para conseguir recuperar o tempo perdido. "Para atender à demanda atual, seria necessário que a frota brasileira contasse com outros 72 aviões, 40% a mais do que o número atual", reconhece José Carlos Pereira, o cândido da Infraero.
Diomico/Ag. Globo |
Marta Suplicy, que só viaja de jatinho: assim dá para relaxar e gozar |
Por falar em Infraero, a autarquia deveria zelar pelos serviços prestados nos principais aeroportos brasileiros. Mas ela preferiu fazer obras cosméticas em aeroportos marginais do país. Já embelezou o de Palmas e climatizou o de Cuiabá. Agora, dá um trato no de Boa Vista e no de Macapá. Em Congonhas, a obra começou pelos terminais de passageiros e deixou as pistas para depois. As deficiências de infra-estrutura e a falta de aviões se somaram à rebelião dos controladores de vôo. Eles sabotaram o tráfego aéreo nacional depois que quatro de seus pares foram indiciados pela queda do vôo 1907 da Gol, em setembro do ano passado. Apesar da atitude indesculpável, o fato é que eles trabalhavam em condições de risco. Pela legislação internacional, cada dupla de controladores deveria monitorar catorze vôos de cada vez. No Brasil, era comum que orientasse 22. Depois do indiciamento, ninguém aceitou mais trabalhar acima do patamar internacional. Por isso, nos horários de pico, eles restringem o número de vôos autorizados. Antes da crise, o brigadeiro Paulo Vilarinho, então chefe do Controle do Espaço Aéreo, identificou um déficit de 400 controladores e alertou sobre o risco que isso causava para a segurança do sistema. Foi ignorado.
A crise só terminará quando for eliminado o gargalo de São Paulo. Para começar, é necessário adequar a operação das companhias aéreas à infra-estrutura existente, mesmo que isso signifique diminuir os lucros. Como eles andam exorbitantes, o impacto não deve ser desastroso. As companhias precisam conformar-se à necessidade urgente de desviar parte de suas conexões para Viracopos, em Campinas, e o Galeão, no Rio de Janeiro. Retirar os aviões pequenos de Congonhas é imperativo. "Com os novos equipamentos disponíveis no mercado, já é possível pensar em transferi-los para o Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista", diz o consultor Mário Luiz Mello Santos, um dos maiores especialistas do país em aeroportos. No campo das medidas estruturais, a Infraero teria de construir rapidamente o terceiro terminal de Cumbica. Com a nova ala, ele poderia receber mais 12 milhões de passageiros por ano. Além disso, São Paulo precisa de um terceiro aeroporto duas vezes maior que o de Cumbica. Parece exagero, mas não é. No país, o número de viajantes sobe, em média, 12% ao ano e dobra a cada seis. Se o governo continuar tratando a crise com o "relaxa e goza" aconselhado pela ministra Marta Suplicy (uma ministra do Turismo que só viaja de jatinho e não pode pisar num aeroporto brasileiro, sob pena de ser agredida fisicamente), o caos atual será só um aperitivo.
Fotos Antônio Milena/AE, Cesar Rodrigues/Folha Imagem, Sérgio Castro/AE, Fabio Motta/AE |
Fotos Antônio Milena/AE, Cesar Rodrigues/Folha Imagem, Sérgio Castro/AE, Fabio Motta/AE |