Enquanto o presidente Lula trocava tapinhas nas costas e algumas farpas com seu colega George W. Bush, na inútil visita a Camp David, diplomatas americanos e sul-coreanos davam os últimos toques no mais importante acordo comercial concluído pelos Estados Unidos em 15 anos. Se aprovado pelo Congresso americano, esse pacto dará à Coréia do Sul uma enorme vantagem sobre a maior parte de seus competidores. Tornará ainda mais difícil para o Brasil a disputa de espaço no maior de todos os mercados - aquele mesmo desprezado pelos governos brasileiro e argentino, quando se uniram, em 2003 e 2004, para enterrar a Alca, a Área de Livre Comércio das Américas.
Os americanos concordaram, em princípio, em dar tratamento preferencial a produtos de filiais de empresas sul-coreanas na Coréia do Norte, se houver avanço nas negociações para suspensão do programa norte-coreano de armas nucleares.
Anunciado oficialmente no dia 2, esse é o mais importante pacto comercial assinado pelo Executivo americano desde o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), firmado com Canadá e México. Pode ser a etapa inicial de um projeto muito mais amplo, de formação de uma área de livre-comércio na região da Ásia-Pacífico, observou o economista Gary Hufbauer, professor e ex-secretário-assistente do Tesouro americano para comércio internacional. Se isso ocorrer, aumentará a integração comercial dos EUA com algumas das economias - desenvolvidas e em desenvolvimento - mais dinâmicas e mais competitivas do mundo, com prejuízos facilmente previsíveis para quem ficar fora do jogo.
O acordo entre Washington e Seul já é bastante ambicioso e importante para justificar as preocupações de todos os demais envolvidos no comércio internacional. Ficou estipulada a eliminação, no prazo de três anos, de cerca de 95% das tarifas. Os impostos de importação para os veículos com menos de 3 mil cilindradas deverão desaparecer imediatamente, com grande benefício para os exportadores sul-coreanos. Em contrapartida, a Coréia do Sul deverá extinguir barreiras não tarifárias e reduzir os encargos para 5% em três anos.
O governo coreano, um dos mais protecionistas em matéria de agricultura, terá 10 anos para eliminar a tarifa sobre a carne de porco e 15 anos para extinguir o imposto sobre a carne bovina, atualmente de 40%. Mas poderá manter proteção para o arroz.
Os americanos concordaram em eliminar de imediato as tarifas sobre têxteis e confecções, mas serão adotadas medidas para impedir a reexportação pela Coréia do Sul de produtos provenientes de terceiros países. Brasileiros enfrentam barreiras nos EUA e ficarão em maior desvantagem com esse acordo.
O tratado atende os americanos nos setores de serviços e investimentos e na defesa da propriedade intelectual. “Este acordo tem os compromissos de serviços financeiros mais fortes que já negociamos”, disse a representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Susan Schwab.
A Coréia já é o sétimo maior parceiro comercial dos Estados Unidos. No ano passado, os sul-coreanos exportaram para o mercado americano produtos no valor de US$ 45,8 bilhões e importaram o equivalente a US$ 32,5 bilhões. As vendas brasileiras para os Estados Unidos não passaram de US$ 24,4 bilhões e as importações, de US$ 14,7 bilhões. Em 2005, as exportações totais da Coréia chegaram a US$ 284 bilhões. Naquele ano, o Brasil faturou US$ 118,3 bilhões.
A negociação do acordo entre americanos e sul-coreanos durou dez meses. Durante todo esse tempo, o governo dos Estados Unidos declarou haver escolhido a Rodada Doha como prioridade número um. O governo brasileiro repetiu discurso semelhante. Mas a prática dos dois governos foi imensamente diferente. A rodada global continua emperrada, mas o governo americano acaba de dar mais um passo para a montagem de uma teia de acordos bilaterais e regionais com parceiros importantes. Enquanto isso, o Brasil ficou atolado no Mercosul em crise e sem nenhum acordo de livre-comércio com um parceiro de primeira classe.