Com a crise institucional decorrente do motim dos controladores de tráfego aéreo e a nova tentativa de chantagem feita ao governo pelos agentes da Polícia Federal, que ameaçaram realizar uma operação-padrão nos aeroportos no feriado de Páscoa, a urgente aprovação de uma lei que discipline as greves no poder público voltou a entrar na ordem do dia. Em 2006, ela foi debatida quando serventuários da Justiça, técnicos da Anvisa, auditores da Receita Federal e funcionários do INSS paralisaram serviços essenciais.
Em dezembro, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, chegou a afirmar que uma das primeiras iniciativas do presidente Lula, ao assumir o segundo mandato, seria enviar ao Congresso um projeto de lei disciplinando as greves do funcionalismo. Promessa semelhante, também não cumprida, fora feita no início do primeiro mandato pelo então chefe da Casa Civil, ministro José Dirceu.
A Constituição de 1988 concedeu o direito de greve aos servidores públicos, mas condicionou seu exercício à aprovação de uma lei regulamentar. Desde então, os governos que se sucederam não tiveram a coragem de tomar essa providência. O único a tentar foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, após uma longa paralisação no INSS e nas universidades federais, ele mandou para o Congresso um projeto que, entre outras medidas, proibia o pagamento dos dias parados e autorizava a demissão de servidores em casos de dano ao patrimônio público. Mas o projeto não andou porque a oposição, comandada pelo PT, reagiu contra ele e a base aliada não se esforçou para defendê-lo.
Desde 1988, o que se tem visto como decorrência dessa omissão legislativa é uma sucessão de greves irresponsáveis deflagradas pelo funcionalismo. Entre 2003 e 2004, as greves no setor público representaram 28,2 mil horas paradas. Em 2006, só no primeiro semestre foram 15 mil horas paradas. O que há de comum em todas essas paralisações de áreas tão distintas entre si, no poder público, é a confortável certeza de que, ao contrário do que ocorre na iniciativa privada, não há conseqüências para os grevistas, como desconto por falta e reposição de dias parados.
É por isso que não pode passar despercebida a inclusão na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), para a próxima semana, do julgamento de um mandado de injunção em que se pede que a instituição obrigue o Congresso a aprovar uma lei que acabe com a permissividade das greves na administração direta. O recurso foi impetrado há tempos pelos policiais civis do Espírito Santo e o julgamento estava suspenso por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. Até recentemente, a corte vinha adotando o entendimento de que a Justiça não pode obrigar o Legislativo a legislar. Mas, após a substituição de 6 dos 11 ministros do STF, essa posição poderá ser alterada.
A nova tendência foi delineada pelo ministro Gilmar Mendes, que emitiu seu voto no julgamento desse mandado de injunção em junho de 2006. Segundo ele, enquanto o Congresso não aprovar uma lei que discipline as greves no setor público, o funcionalismo, por “analogia”, estará sujeito às regras aplicadas aos trabalhadores da iniciativa privada, impostas pela Lei 7.793, em vigor desde 1989. Isso permitiria ao governo cortar o ponto de grevistas e descontar os dias parados. Não é o ideal, mas já seria um começo para se pôr fim à irresponsabilidade do funcionalismo. Pelo menos três outros ministros - Marco Aurélio, Eros Grau e Celso de Mello - revelaram que acompanharão o voto de Mendes.
Com isso, eles sinalizam que o instituto jurídico do mandado de injunção poderá deixar de ter mero caráter declaratório. Criado pela Constituição de 1988, o mandado de injunção permite ao STF determinar as regras a serem aplicadas quando “a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos constitucionais” (art. 5º, inciso LXXI). “Este tribunal não pode se abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do Legislativo, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Poder”, disse Mendes, em seu voto no recurso interposto pelos policiais capixabas.
No caos reinante pela incompetência do governo e pela omissão do Congresso em produzir uma legislação que discipline as greves no setor público, a iniciativa do STF não poderia vir em melhor hora.