Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

O silêncio dos que não navegam


Artigo - RODRIGO BAGGIO
O Globo
5/4/2007

Quando o nosso planeta, pela primeira vez, foi chamado de aldeia global, o célebre autor desse conceito, Marshall McLuhan, tinha diante dos olhos apenas equipamentos analógicos e os primeiros modelos de computador. Não viveu o suficiente para conhecer as novas tecnologias e ver o quanto o mundo, de fato, tornou-se pequeno. Mas, profético, McLuhan já enxergava a máquina como extensão do corpo e apontava o mecanismo dessa simbiose. "Os homens criam as ferramentas e as ferramentas recriam os homens", dizia o professor canadense, observando que os instrumentos influenciam nossas idéias e comportamentos, mas, ainda que sofisticados, não são capazes, por si só, de criar consciência, consolidar aprendizagens ou melhorar as relações humanas.

Hoje, com os crescentes desafios à nossa volta, nunca foi tão urgente retomar as questões relacionadas ao papel da tecnologia dentro de um debate amplo e qualificado. Não se trata de disseminar o computador, mas de dar um sentido ao seu uso como meio e suporte para a inclusão social e o desenvolvimento sustentável. Esta, aliás, foi a proposta da recente Semana de Inclusão Digital (25 a 31 de março), em que se discutiu o cenário das tecnologias da informação e comunicação à luz da realidade trazida por estudos e indicadores: somos os campeões, sim, em horas navegadas na Internet, mas a maioria dos brasileiros desconhece o potencial da sociedade digital e de que modo ela pode proporcionar a todas as pessoas o exercício da cidadania plena.

Falta-nos não somente políticas públicas de inclusão digital e investimentos em infra-estrutura tecnológica, mas a adoção de um modelo de inclusão que propicie às comunidades de baixa renda habilidades de manejo crítico da tecnologia. Eis o pressuposto para a inserção dessas comunidades, com autonomia, na era do conhecimento, condição da qual nascerá a construção e a distribuição de riqueza de forma mais justa. Estamos distantes, ainda, de uma verdadeira cultura digital; o computador não está incorporado ao ambiente escolar, doméstico e empresarial brasileiro, e nem é utilizado para fins de reflexão e formação de uma inteligência coletiva. Somos mais consumidores do que produtores e difusores de conteúdo, num desperdício de aprendizados que contribuiriam para pensar os problemas do país.

Responsável pela organização da Semana da Inclusão Digital, o CDI leva para suas Escolas de Informática e Cidadania (EICs) justamente uma proposta pedagógica que faz da tecnologia aliada da transformação social. Seja em favela, presídio, comunidade indígena ou instituição, essas escolas espelham uma prática que une educação, cidadania e empreendedorismo, privilegiando a técnica conjugada à ação do homem. Beneficiam-se desde crianças a idosos, populações urbanas e rurais e portadores de necessidades especiais, de 19 estados brasileiros e de outros oito países. A tecnologia lhes abre uma porta para conhecer o meio em que vivem, enfrentar preconceitos e tomar decisões, fomentando um processo de descobertas, trocas e mobilização para mudanças.

Não estamos fadados, de jeito algum, a conviver eternamente com o dilema de milhões de excluídos digitais, uma vez que há exemplos de superação em algumas partes do mundo. Por isso, além de buscar o envolvimento da sociedade com a causa, a Semana da Inclusão Digital se prestou a apontar alternativas e a levantar propostas para a área, através de palestras, seminários, chats e feiras de empregabilidade - eventos que estiveram ao lado de oficinas, abertura de EICS, mostra de vídeos e gincanas digitais, entre outras programações, especificadas no site www.cdi.org.br.

Acreditamos ser possível adotar um novo relacionamento com o universo das tecnologias, capaz de promover a cidadania, ampliar oportunidades nesse campo e tornar nossas conquistas patrimônio de toda a nação. Mas, para chegarmos lá, o conhecimento deve ser visto e tratado como produto de excelência, estratégico para o desenvolvimento do país. E as ferramentas tecnológicas, por sua vez, usadas com responsabilidade, discernimento e sentido social.

RODRIGO BAGGIO é fundador e diretor executivo do CDI.

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