Creio que enfrento uma dificuldade não partilhada pela maioria dos outros colunistas: não tenho botões com que conversar, porque trabalho sem camisa (sorry, periferia). Me tranco aqui na acolhedora cafua que chamo de escritório e envergo o traje básico de Itaparica, ou seja bermudas (com cueca; faço parte da corrente cuequista, que suspeito minoritária na ilha) e sandálias. Deve ser a hora de conversar com os botões, logo antes de escolher o assunto a ser abordado e o que escrever sobre ele. Mas, como nunca acertei, a não ser nas redações, a escrever de camisa, tenho que enfrentar a grave falta de botões, pois, que eu saiba, ninguém conversa com zíperes.
Gostaria de ter botões que me ajudassem a escolher entre tantos assuntos que se oferecem tão fartamente. Como, por exemplo, a quadrilha de idosos acima de 70 anos, que agora rouba bolsas e celulares na rua - certamente por iniciativa de alguma ONG empenhada na inclusão da terceira idade na assaltância e na roubância, onde já se encontra tão significativa porção de nosso povo e de nossos dirigentes. Será que não aceitam menores de 70? Bem, investigarei a questão e, se for o caso, abordá-la-ei em futuras crônicas, talvez com o título genérico de 'Botando os óculos para enxergar o assaltado' - claro que não vou perder essa adrenalina, ainda mais que não dá cadeia, nada dá cadeia aqui.
Também gostei de ver o jogo de cintura do nosso presidente, bem como seu desprendimento e diria mesmo sua candura e espírito cristão. Antes, já tinha ido visitar o dr. Antônio Carlos no hospital. É evidente que o dr. Antônio Carlos ficou sensibilizado com o gesto, tanto assim que o retribuiu, em evento fartamente documentado pela imprensa e pela televisão. Achei bonito aquele encontro de homens públicos superando divergências e tenho certeza de que o sorrisinho estampado no rosto de dr. Antônio Carlos, ao sair da visita, não tinha nada a ver com o efeito que aquilo estava tendo na Bahia, onde o governador atual é do PT (esqueci o nome dele agora, idade é o diabo) e onde o dr. Antônio Carlos estava sendo tido pelos apressados como uma liderança esgotada. Mas longe de mim sugerir que o risinho e o comentário eram porque toda a Bahia tinha acabado de ver que o PT ganhou a eleição mas não ganhou a Bahia e o dr. ACM perdeu a eleição, mas não perdeu a Bahia, cala-te boca.
Não, não, são altas questões políticas sobre as quais receio opinar. Prefiro ficar com coisas menos complexas, tais como o senso de prioridade do governo, sempre se manifestando com brilhantismo. O governo já tem a TVE, uma tal tevê da Radiobrás e as tevês da Câmara, do Senado e do Judiciário, tudo à nossa custa. Agora, sob a égide de um comentarista político cujo nome também não lembro agora (só que não é esquecimento por causa da idade, acho que é traumático mesmo) que foi demitido de uma emissora e se vingará fundando a sua própria, vem nova estação do governo aí. Já não era sem tempo. Com tanto dinheiro sobrando para tanta coisa, era de admirar que não houvessem pensado nisso antes.
Para que servirá? Estou seguro de que, no papel, vai ser melhor do que a PBS, tevê pública americana de altíssimo nível. Mas isso durará pouco, ao se descobrir que o Ibope não está bom, pois o nível de programação a que o povo se acostumou continua a ter como meta o regresso à era neolítica com efeitos especiais. Aí a programação vai ter que mudar. Sim, e a autonomia da direção da emissora será praticamente total, embora não se possa evitar as naturais ingerências de pessoas influentes ou de amigos dessas pessoas.
Mas, antes de a nova tevê passar a apresentar um recital de piano semanal da filha do ministro Sicrano, ou as receitas da mulher do ministro Beltrano, bem como os poemas em prosa do ministro Fulano, tenho já pelo menos algumas sugestões, uma das quais o Como-é-o-nome-dele, comentarista político isento e agora empregado do governo nessa área, pode aproveitar imediatamente. Estou seguro de que um programa intitulado Conheça Seu Ministro teria audiência garantida, pelo menos nos 30 segundos iniciais de cada um, que seriam mais do que suficientes para revelar ao público quem é o ministro e desfiar seu currículo. O resto de cada um das dezenas de programas seria assistido somente pela família do ministro, mas já é algum coisa, nesse mundo feroz da luta por audiência.
Mas o que deverá fazer sucesso mesmo, se eles não tiverem preconceitos bobos, será, com absoluta certeza, O Domingão do Lulão, que durará o dia inteiro, numa série infindável de atrações, a começar pela pelada presidencial, narrada com absoluta isenção pelo ex-comentarista político. E as Pegadinhas do Inácio, com as besteiras proferidas na semana anterior? O difícil ia ser selecionar, dada a quantidade disponível. Já o Show do Milhão não ia colar, não somente porque todo mundo lá já tem milhão como ninguém sabe nada, viu nada ou ouviu nada.
Enfim, mais um tento do maior governo do mundo desde os faraós do Japão antigo. Podem até fazer o BBA, Big Brother Alvorada, acompanhando a hora em que o presidente acorda invocado e telefona para Bush para dar-lhe um esbregue até seus momentos de oração pelo Brasil e o tempo dedicado a ler e despachar diligentemente. Enfim, nada mais necessário para este país do que uma nova estação de TV governamental, iniciativa de grande peso para o nosso desenvolvimento. Só não vão poder fazer o BBB - Big Brother Brasília -, porque isso ia mostrar o que de fato acontece em nossa venturosa capital. E, como se sabe, TV do governo não é para mostrar verdade nenhuma e muito menos indecência.