Mailson da Nóbrega *
Numa cena inédita, em clima de comício, Lula anunciou a um monte de prefeitos, reunidos em Brasília, que dera 'ordens' à sua base aliada no Congresso para aprovar o aumento de um ponto de porcentagem no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Tal qual em uma campanha eleitoral, o presidente foi ovacionado. A decisão é no mínimo discutível. A festa afetará o potencial de crescimento e o bolso dos contribuintes.
O 'mérito' da medida, como tudo que cheira a populismo, foi reivindicado por líderes da situação e da oposição. No Brasil, aumento de gasto público federal, particularmente em favor dos Estados e municípios, costuma ter aplauso geral no Congresso. Foi com esse espírito que a Assembléia Constituinte, autora do maior desastre fiscal da história, transferiu montanhas de dinheiro para essas esferas de governo.
Mesmos argumentos de 1988 vieram à tona. 'O povo mora no município; o município provê os principais serviços aos cidadãos' e por aí afora. Assim, nada mais justo que transferir a eles gorda parte da receita do Imposto de Renda e do IPI. Ocorre que cabem à União os custos da Previdência, Judiciário, das Forças Armadas, da infra-estrutura e assim por diante, que também interessam aos cidadãos.
Ao contrário do que imaginam governadores, prefeitos e outros políticos, a centralização de receitas na União tem pouco a ver com aumento do poder de gastos. É conseqüência direta da elevação de despesas provocada pela Constituição e por atos posteriores, como reajustes sistemáticos do salário mínimo acima da inflação.
Decisões como essas causaram o aumento e a piora da qualidade da carta tributária, a redução dos investimentos da União (hoje um quarto do que eram em 1987, como proporção do PIB), a elevação do endividamento público e outros. Governadores, prefeitos, funcionários públicos e aposentados foram os grandes vencedores na Constituinte. Os perdedores foram os contribuintes, os pobres e o potencial de crescimento.
A decisão de Lula deve ter sido movida pela dificuldade de enfrentar a pressão dos alcaides, de avaliar suas conseqüências e de dizer não à turma. Mais fácil era ceder e posar de benfeitor, acusando outros de tratarem mal os prefeitos.
O governo federal, com base em dados do Ministério da Fazenda, sempre se opôs a transferências, pois não se fazem acompanhar da assunção de encargos pelos beneficiários. A resistência se foi. Ou a Fazenda não avaliou bem a situação ou foi atropelada por decisão pessoal do presidente, do que se conclui que o risco é a má herança fiscal que Lula deixará para os sucessores e não uma guinada na política monetária. Dada a dificuldade de compensar a bondade com cortes de gastos correntes (que também vêm sendo elevados) e o compromisso de manter o superávit primário, haverá aumento da carga tributária e/ou redução de investimentos.
Alguém dirá que novas transferências (R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões) não representam muito ou as comparará aos juros pagos pelo Tesouro. Sucede que a desastrosa alta dessas transferências tem sido feita assim, aos poucos, desde 1975. Nesse período, o porcentual do FPM quase quintuplicou, passando de 5% para 23,5% da arrecadação do IR e do IPI. Os juros são basicamente o efeito desse tipo de aumento de gastos permanentes, que tornaram o Orçamento rígido e o Brasil um dos grandes riscos fiscais do mundo.
A forma como Lula decidiu sobre a elevação do FPM aumentou os incentivos para prefeitos (e mais tarde governadores) continuarem a pressão para extrair mais dinheiro da União. Eles são insaciáveis. O líder dos prefeitos deixou isso claro ao afirmar que o aumento é apenas o começo. Um outro incentivo perverso é inibir o esforço para aumentar a arrecadação própria. Para que? Basta organizar marchas a Brasília.
Pela experiência dos últimos anos, a bolada a ser distribuída aos municípios será, na maioria, desperdiçada mediante elevação de gastos de pessoal e outros, afora aplicações ainda menos nobres. O aumento mantém outro incentivo perverso, o da criação de municípios que se justificam só pela expectativa de receber recursos do FPM. Mais desperdício. A ampliação da rigidez orçamentária fará mal ao Brasil. E se fica perguntando por que o País cresce pouco.