O Globo |
3/4/2007 |
Bobagem isso de dizer que a decisão de Lula de impedir a prisão dos sargentos controladores de vôo amotinados representou a imposição do poder civil sobre o militar. Essa definição já fora feita muito antes, e podemos escolher a ocasião: ou 1995, quando foi criada a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos; ou 1999, quando foi instituído o Ministério da Defesa, ambos os fatos ocorridos em governos de Fernando Henrique Cardoso. O que essa crise política em que se transformou o apagão aéreo está mostrando é que nossos governantes não sabem lidar com a questão militar, 22 anos depois de a eleição de Tancredo Neves quebrar a série de presidentes militares e abrir o caminho para a redemocratização do país. O Ministério da Defesa levou todo o primeiro governo de Fernando Henrique sendo negociado, mas até agora não encontrou um ministro à altura de sua significação. Ao erro inicial de indicar como primeiro ocupante o ex-senador Elcio Alvarez, que teve que sair atingido por denúncias, seguiu-se outro, o de colocar um diplomata para chefiar os militares. Não que a gestão de José Viegas tenha tido problemas, mas o fato de pertencer a uma carreira de Estado, assim como os militares, os incomodava. Além do mais, o governo Lula começou politizando a questão militar, quando suspendeu logo no primeiro dia de governo a licitação da FAB para compra de 12 novos aviões de caça, um projeto de cerca de US$700 milhões em sua primeira fase, alegando que o Programa Fome Zero tinha prioridade. O diplomata José Viegas, hoje nosso embaixador na Espanha, politizou propositalmente sua saída do cargo, o que não foi característica de sua gestão, para mostrar que houvera indisciplina na nota oficial do Exército sobre supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog publicadas na imprensa, que virtualmente defendia métodos de órgãos de repressão política da ditadura, inclusive a tortura. Naquela ocasião, Lula não deu apoio a Viegas e contemporizou com a indisciplina de oficiais superiores. Hoje, seu ministro da Defesa contemporiza com a indisciplina de sargentos controladores de vôo, e o presidente Lula desautoriza o comando da Aeronáutica. As relações entre políticos e militares têm sido delicadas, e algumas cenas que beiram o ridículo acontecem na tentativa de mostrar naturalidade. Uma crise dos salários dos militares, superada com um aumento de 10%, valeu uma condecoração ao ministro do Planejamento, Guido Mantega. Outras vezes, fantasmas do passado repetem como farsa antigos confrontos. Um convite ao ex-guerrilheiro e deputado José Genoino para falar na ESG gerou inaceitável episódio protagonizado pelo deputado Jair Bolsonaro, que levou um militar que o prendera durante a Guerrilha do Araguaia para falar no Congresso. O episódio dos controladores de vôo teve no seu início uma crise entre o ministro da Defesa e os militares da Aeronáutica. O ministro Waldir Pires fez parte do governo João Goulart, derrubado pelos militares em 1964, período em que houve rebeliões de sargentos e marinheiros contra seus superiores hierárquicos. Pois Pires, 43 anos depois, ao defender a desmilitarização do controle de vôo e receber os sargentos-controladores, criou um constrangimento desnecessário para o comandante da Aeronáutica. O comportamento de Pires foi reforçado agora pela atitude de Lula, que foi obrigado a negociar com os controladores porque seu governo não teve a competência de, em seis meses, organizar uma alternativa que não nos deixasse sujeitos a uma chantagem. E provocou uma reação dos oficiais da Aeronáutica, que recusaram ceder os radares para o novo órgão de controle civil, que deve ser criado hoje. Parece claro que há uma dificuldade de encarar o reaparelhamento das Forças Armadas como uma necessidade do Estado brasileiro, e não uma militarização do país. Há uma concordância entre os estudiosos: os militares, hoje, se preocupam mais com esse reaparelhamento, ou com a defasagem salarial, do que com questões políticas. E os estudiosos também concordam que há muito tempo as Forças Armadas são negligenciadas pelos governos civis. A possibilidade de ocorrer um apagão aéreo, por exemplo, fora prevista em um relatório de 2003 do então ministro José Viegas, que alertou para a falta de investimentos na segurança de vôo, e a conseqüente sobrecarga no sistema de controle de tráfego aéreo. As demandas militares atingem não apenas a Aeronáutica. A necessidade de renovação de equipamentos existe também na Marinha e no Exército, para o que é classificado por especialistas de "recuperação operacional das Forças Armadas". O Chile e a Venezuela estão em plena fase de reequipamento militar, a Venezuela para enfrentar uma hipotética invasão dos Estados Unidos, e o Chile para enfrentar a Bolívia de Morales, que busca uma saída para o mar. A Colômbia já tem um vasto programa militar com os Estados Unidos. Nós não temos pendências com nossos vizinhos, e não sofremos ameaças de invasões externas, mesmo que existam setores que consideram a Amazônia sempre ameaçada. Na avaliação de especialistas, estamos em grande desvantagem com as novas tecnologias e equipamentos mais modernos, e corremos o risco, sim, de não estarmos preparados para sediar grandes competições esportivas, como o Pan, a Copa do Mundo ou as Olimpíadas, ou grandes eventos internacionais, por falta de uma logística de transportes e, no limite, da incapacidade de proteção do território nacional diante das ameaças do terrorismo internacional. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 03, 2007
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