Para que o Mercosul se aprofunde e se amplie num bloco de toda a América do Sul, é preciso entender as chances do momento. Embaixadores, parlamentares e especialistas de Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, numa reunião no Rio, concluíram que a integração é irrevogável, mas não há um consenso a respeito de que caminho andar.
Num momento em que a Europa comemora o resultado feliz do seu meio século de esforço, é inevitável pensar que chance tem a América do Sul. Quem sabe, a partir do Mercosul, um dia a região possa repetir o projeto de livre trânsito de pessoas, trabalhadores, capital e moeda, como é a união no velho continente.
O processo de integração foi amplamente discutido dias atrás no seminário preparatório para a “II Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional — O Brasil e o mundo que vem por aí”. Uruguai e Paraguai mostraram não estar nada satisfeitos com o papel que lhes cabe. Têm pleitos semelhantes. Sentem-se pequenos demais e deixados de lado pelas maiores economias da região, sobretudo Brasil e Argentina.
— Quando o presidente Lula não foi à reunião no Uruguai, isso foi assunto em todos os jornais. Quando vimos em fotos de jornal que ele tinha ido descansar na praia, falei: se o problema era praia, podíamos levá-lo a Punta — comentou o senador uruguaio Alberto Couriel.
Os jornais uruguaios, na época, interpretaram a decisão de Lula como uma forma de escapar do papel de negociador no conflito das papeleiras entre Uruguai e Argentina. Há vários problemas. A batalha das papeleiras é só um deles.
O professor Helio Jaguaribe vê Hugo Chávez como uma “liderança vigorosa, mas retoricamente virulenta e com efeitos negativos”.
Há uma preocupação de que a retórica de Chávez acabe prejudicando os demais países, enquanto ele mesmo faz negócios em abundância com os Estados Unidos, seu principal cliente do petróleo.
— O que temos que saber é se queremos ser independentes no mundo ou do mundo — perguntou o senador paraguaio Carlos Mateo Balmelli, que é pré-candidato à presidência.
Ele teme que as idéias chavistas afastem ainda mais os EUA, um parceiro fundamental para os países latino-americanos.
Além desses, há outros medos comuns.
O crescimento da China afeta as manufaturas da região, pela competição, desleal muitas vezes, e aprofunda o papel de fornecedor apenas de matérias-primas.
Sem qualquer preconceito contra a commodity, há muito valor que a região poderia agregar aos seus produtos.
Um dos problemas é a falta de um projeto que indique os passos a serem dados na construção institucional do bloco. Um desses passos tem que ser a redução das assimetrias dos países. O senador uruguaio defendeu com entusiasmo maior participação do seu país no processo produtivo.
Ele acha que o Uruguai poderia, por exemplo, a partir da produção de pequenas peças, fazer parte do acordo automotivo entre Brasil e Argentina.
O senador Mateo Balmelli, do Paraguai, deixou uma pergunta no ar: — Afinal, o Brasil lidera ou exerce hegemonia? Atualmente, a maior parte da riqueza paraguaia vem de Itaipu, que foi construída pelos brasileiros, ou da soja, que é plantada também por agricultores brasileiros. Como dito numa recente reportagem da “Economist”, para os paraguaios, imperialistas são principalmente os brasileiros, e não os americanos.
Esta mesma visão, a de que somos os gringos da vez, apareceu nos problemas da Petrobras na Bolívia.
O discurso ideológico caduco que voltou a ser brandido na região — no qual cabem palavras antigas, como imperialismo, encampação, estatização — faz com que a primeira vítima acabem sendo as empresas brasileiras.
No encontro, Moira Paz Estenssoro, da Corporação Andina de Fomento, alertou que os projetos da região têm que incluir a questão ambiental. É mais que isso: o assunto tem que estar no centro do projeto.
A professora Maria Susana Arrosa Soares, da UFRGS, acha que o que mais falta foi o que sedimentou a vitória européia: — O que falta é uma utopia latino-americana, como houve a utopia da paz para a criação da União Européia.
Ainda não se tem uma imagem futura do que é ser latino-americano.
Os novos tempos, de aquecimento global, poderiam ser o fator de união de toda a América do Sul. Primeiro, através de uma política comum em torno do uso e da proteção da diversidade da maior floresta tropical do planeta que está em oito países, ainda que 62% dela em território brasileiro.
Segundo, a região tem várias fontes de energia num mundo que caminha para preços de energia cada vez mais altos. Mas essa chance está sendo desper diçada, como tantas outras.
É perdida na recriação da figura do caudilho latinoamericano, na retórica chavista, nos erros das novas lideranças, como Rafael Corrêa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, e na recriação do ambiente de incerteza para os investidores.
O Mercosul poderia ser, sim, a semente de um grande bloco.
Mas, para isso, seria preciso que líderes dos países percebessem as chances abertas na América Latina.
Entrevista:O Estado inteligente
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