DORA KRAMER, dora.kramer@grupoestado.com.br
Durante os últimos e caóticos seis meses, os controladores de vôo, seus comandantes civis e militares não demonstraram benevolência para com os milhões de passageiros subtraídos em sua liberdade de ir e vir. Não tiveram condescendência para com as famílias das 154 pessoas mortas no desastre de 29 de setembro de 2006 - antes, se preocuparam em tirar seus corpos fora, temerosos de serem responsabilizados pela queda do avião da Gol.
Não exibiram peso na consciência enquanto impunham prejuízos ao País, à economia, ao turismo, às vidas profissional e pessoal dos brasileiros. Agora, sob o risco de punição severa, alvos de um inquérito militar que pode lhes custar as carreiras e por conseqüência ameaçar a sobrevivência deles e de suas famílias, pedem clemência à sociedade.
Tal como todos os personagens da crise, só se deram conta do mal que fizeram quando o perigo lhes mordeu os calcanhares. Antes disso, mantiveram-se todos impávidos, cada qual cuidando de sua circunstância.
O governo, indiferente, prisioneiro da própria incompetência na gestão de crises e divergências internas. Os controladores, ocupados com o mau combate, gerando infortúnios em série a essa sociedade à qual agora pedem perdão.
O espírito de conciliação a posteriori manifestado na nota divulgada ontem pelos controladores militares não condiz com a ferocidade da luta em defesa de seus interesses e levada a termo a poder de cinismo e dissimulação.
As desculpas esfarrapadas se sucederam em menosprezo à inteligência e às prerrogativas alheias. Com a mesma desfaçatez que interditaram o tráfego aéreo na sexta-feira passada, apresentaram ao longo dos últimos meses repetidas justificativas de panes e falhas arquitetadas ao molde de sua guerra sindical.
Agora querem anistia prévia. E, para isso, não hesitaram em vestir peles de cordeiro e escrever a nota “à sociedade”.
Dizem: “Passado o grande trauma de 30 de março, os controladores de tráfego aéreo pedem forças para recuperar, junto à sociedade brasileira, sua confiança, seu prestígio e respeito. Reafirmamos nossa confiança, respeito ao governo federal e principalmente nas bases do militarismo: hierarquia e disciplina. Que o dia 30 de março seja lembrado como um dia de socorro dos controladores de tráfego aéreo e não como uma simples rebelião militar”.
Há equívocos em série nesta nota, sendo o principal deles o fato óbvio de que respeito e confiança não se pede, se conquista com atos. E neste quesito do gestual não há confiabilidade possível de ser recuperada antes que os controladores demonstrem merecê-la.
Em segundo lugar, não parecem perceber que à sociedade infelicita não a indisciplina em si (isso devem resolver com seus comandantes e com a lei), mas a ausência de espírito público dessa categoria, cuja detenção do monopólio de uma especialidade motivou seus integrantes a seqüestrarem a serenidade dos cidadãos.
Terceiro, se a eles parece superado o trauma, para quem morreu, quem se desesperou, quem se prejudicou, quem bateu, quem apanhou, quem perdeu a confiança na segurança dos vôos, o traumatismo deixou seqüelas.
Em quarto lugar, ao qualificar como “simples” uma rebelião militar, os controladores dão bem a medida da confiança e do respeito que alegam nutrir pela hierarquia e disciplina, para não dizer ao império da lei.
E, por último, o equívoco de origem: suas lágrimas não enganam ninguém. Se querem solidariedade no momento difícil, deveriam ter pensado nisso antes de obrigar um País inteiro a se pôr de joelhos às suas conveniências. Por mais justas que sejam não justificam a coação.
A concessão do crédito pedido implica antes de mais nada a quitação do débito em punições na forma da lei, fim das ameaças, sabotagens e completo restabelecimento dos direitos e garantias coletivas e individuais dos brasileiros feitos reféns da incúria do governo e da insensibilidade social dos controladores.
Queira o bom senso que esse pedido extemporâneo de perdão não tenha sido engendrado em acordo com os defensores governistas da anistia como estratégia de preparação à impunidade.
Empurra
O presidente Lula tem repetido aos políticos seus aliados que o brigadeiro Luiz Carlos Bueno, comandante da Aeronáutica até recentemente, ficou de resolver a crise aérea, mas não apresentou nenhuma solução.
Reverentes, os interlocutores abstiveram-se de expor a dúvida: e por que o presidente, vendo o tempo passar, não cobrou do subordinado providências?
Espetáculo
Em matéria de transporte, o Brasil está assim: sistema aéreo em pane, estradas em destruição, ferrovias inexistentes e portos caindo aos pedaços.
Crescer desse modo, quem há de?