A reunião de cúpula energética tem a pauta errada.
Ela discutirá o Banco do Sul, o etanol e um gasoduto delirante; assuntos impostos por Hugo Chávez. O Brasil está na defensiva, tendo que dar uma resposta sobre uma instituição financeira de utilidade e propósito duvidosos e ainda defender o etanol. O Brasil deveria estar exigindo garantia de respeito aos contratos e pensando um projeto para o século XXI.
Chávez é previsível. Primeiro, ele ataca, tempos antes de um encontro. Na véspera, ameniza o tom das críticas para que o outro lado se sinta vitorioso. Mas aí ele já conseguiu o que queria: dar a pauta da reunião.
Foi o que fez agora com o ataque ao etanol; como se o maior vilão dos tempos do aquecimento global não fosse o combustível fóssil, do qual a sua economia e seu poder dependem tão profundamente, e, sim, o substituto renovável. É o petróleo que está na berlinda no mundo de hoje.
Outro truque chavista é a política do fato consumado.
Ele se articulou com o presidente da Argentina e lançou o Banco do Sul. Os pequenos países aderiram; é claro. Ainda mais porque a promessa é de empréstimos sem condicionalidades, ou seja, um convite ao calote. Aí o Brasil se sente compelido a aceitar. A única coisa sensata a fazer é dizer não a um projeto que já nasceu torto e na hora errada.
O que o Brasil deveria fazer numa reunião de cúpula da região sobre energia? Lembrar que somos o maior consumidor de energia da região, o maior comprador do gás da Bolívia, grandes importadores de petróleo da Venezuela e do Equador e possível mercado para o gás da Venezuela.
Deveríamos lembrar a todos que a energia é a grande liga da integração da América do Sul, mas que qualquer projeto depende de garantia aos clientes, respeito aos contratos e segurança de abastecimento, tudo que tem estado em falta nos últimos tempos.
A Venezuela, o Equador e a Bolívia têm mudado contratos à sua revelia, e a Bolívia não é mais um fornecedor confiável de gás. Esta semana mesmo começa com a ameaça de interrupção do fornecimento do gás da Bolívia por causa de uma briga paroquial entre dois municípios. Portanto, ou a região se torna um fornecedor confiável, uma área segura para investimentos das empresas brasileiras, ou não haverá projeto de integração energética que vá adiante, por mais que sonhemos com uma América do Sul unida e próspera.
O Banco do Sul é um despropósito.
Por que deveríamos pôr uma quantia ainda não definida de dinheiro num projeto de mal disfarçado objetivo populista? A idéia de confrontar os gêmeos FMI/Banco Mundial caducou. Para que levá-los tão a sério se eles já perderam o poder que um dia tiveram? Se o Brasil e a Argentina já pré-pagaram o que deviam ao Fundo, a Venezuela e o Equador estão pré-pagando agora? As instituições que um dia foram poderosas e arrogantes hoje estão em apuros para pagar as próprias contas. A última reunião acabou girando em torno de questões de alcova. Hoje são eles que precisam dos devedores, e não o contrário. A manutenção do discurso de Chávez anti-FMI, a ameaça de Rafael Correa de expulsar o Banco Mundial são manobras para manipular o simbólico.
O economista Correa sabe bem disso.
Os defensores do projeto dizem que é para financiar a integração da América do Sul. Para isso existe o BID. E o BNDES tem financiado vários projetos. Se Hugo Chávez acha que a região deve ter um banco que não exija as garantias de praxe aos seus tomadores, que faça a instituição com seus critérios e, principalmente, seu dinheiro. O Brasil não deve entrar numa aventura bancária.
A estratégia escolhida pelo Brasil foi admitir entrar, para não parecer do contra, e, uma vez dentro, mudar o projeto. Não vai funcionar. Porque o que Chávez quer não é uma instituição bancária independente e com critérios neutros e técnicos; quer mais um instrumento de poder.
O pior da reunião que começa hoje na Venezuela é que ela ignora totalmente o que é central na questão energética agora: como adaptar a produção de energia ao esforço contra o aquecimento global. Mesmo na sua nova versão, o gasoduto “del Sur”, inventado por Chávez, atravessa a Amazônia, o que é inconcebível nos tempos atuais, quando os países deveriam estar reunidos para discutir como melhor proteger a maior e mais diversa floresta tropical do planeta.
O etanol pode até ir para a berlinda, mas pelos motivos certos. Discutir se a expansão da plantação de cana será feita com o cuidado de evitar o avanço da pecuária e da soja para a Amazônia é sensato e pertinente.
Atacar a produção brasileira de álcool em nome dos interesses do combustível fóssil é, para dizer o mínimo, fora de moda.
A atitude adequada do Brasil nesta reunião seria se esforçar para mudar a pauta.
Primeiro, a exigência de um marco regulatório nas relações energéticas na região; segundo, a necessidade de preparação da América do Sul para entender, atenuar e prevenir os efeitos do aquecimento global. O Brasil deveria usar sua liderança para defender uma agenda do século XXI e mudar essa estranha conversa que só poderia ser considerada progressista nos anos 70 do século passado.
Entrevista:O Estado inteligente
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