O Globo |
11/4/2007 |
Ao anunciar que desistiu de aprovar agora a reforma tributária, na mesma ocasião em que aceitou a reivindicação dos prefeitos brasileiros de aumentar em 1% o repasse do Fundo de Participação dos Municípios, injetando cerca de R$1,5 bilhão nos municípios, o presidente Lula mostra que seu governo caminha no sentido contrário da tendência internacional da boa gestão federativa, que é dar mais autonomia aos governos locais. Em vez de realizar uma reforma tributária que aumente a capacidade de gerar recursos dos estados e municípios, o presidente continua querendo centralizar a arrecadação dos impostos, e fazer benesses quando o interesse político convier. Junto com a decisão de recomeçar do zero a discussão da reforma tributária, o governo anunciou prioridade para a aprovação da prorrogação da CPMF e da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até o fim do segundo mandato de Lula, em 2010. Com a decisão, a agenda do governo federal passou à frente da dos estados, como temia o governador de Minas, Aécio Neves, que insinuou um boicote às votações das medidas provisórias do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) caso isso acontecesse. Os estados têm reivindicações específicas, como uma revisão da Lei Kandir para compensá-los mais adequadamente pelos incentivos às exportações, ou as novas despesas que o Fundeb imporá com a educação. Atendendo ao principal pedido dos prefeitos, o governo federal pode estar debilitando a capacidade política dos governadores de boicotar as votações no Congresso, mas não fazer a reforma tributária, colocando como prioridade a aprovação de uma contribuição que não é repartida com estados e municípios como a CPMF, acentua sua tendência centralizadora. O papel das cidades tem sido crescentemente importante no desenvolvimento das nações, e é assunto prioritário entre os estudiosos. O economista José Roberto Afonso, do BNDES, acaba de participar de um seminário em Valença, na Espanha onde foram relatados casos de bem sucedidas intervenções urbanas, desde a reforma geral de Shangai, Londres e Nova York, até projetos específicos como os do Parque das Nações em Lisboa e de uma praça de diversões em Melbourne. José Roberto Afonso falou sobre o financiamento das cidades, ressaltando que, com a globalização, a urbanização e a revolução tecnológica da informação, novos desafios foram impostos, com as disparidades regionais sendo acentuadas. Com isso, as relações intergovernamentais tiveram que ser redesenhadas, com crescente poder para os governos locais e os cidadãos. Os governos locais estão assumindo cada vez mais o papel de fornecedores de serviços públicos. Também o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), juntamente com o Instituto Fernando Henrique Cardoso, promove amanhã e depois na Associação Comercial do Rio um seminário cujo título resume as preocupações dos organizadores: "A reinvenção do futuro das grandes metrópoles e a nova agenda de desenvolvimento econômico e social da América Latina". O seminário parte do princípio de que a agenda de reformas institucionais precisa incluir a reinvenção do futuro das grandes metrópoles, o que só poderá ser feito com a utilização de novas políticas públicas, fora das fronteiras estatais convencionais. Nesse novo espaço público, emergiram como novos atores os governos locais, a sociedade civil e o setor privado, que precisam ser levados em conta mais que antes. Também o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitória, trata do assunto no recente livro "Qualicidades", cuja tese principal é que o pacto federativo precisa ser revisto para que o município ganhe mais autonomia. No projeto Qualicidades, analisando o dinamismo das cidades em três dimensões - populacional, PIB e crescimento - , foram definidas cerca de 250 cidades que têm autodinamismo, apresentando crescimento combinado dessas três dimensões. Essas 250 cidades brasileiras, que representam 80% da população brasileira, são as capitais dos estados, as que sediam uma atividade industrial importante, ou algum tipo de atividade extrativa ou uma atividade econômica importante, os balneários e as cidades turísticas, e têm uma característica em comum: cresceram muito num período muito curto, e esse crescimento foi desordenado. Na análise de Vellozo Lucas, "o poder local não estava preparado para esse crescimento, não tinha resolutividade". Segundo ele, "esse é o grande drama do pacto federativo brasileiro, porque o bom prefeito é o mais amigo do governador, o bom governador é o mais amigo do presidente. Há a idéia de trocar subserviência por cargos e verbas". Como ficou patente na marcha dos prefeitos de ontem, "o poder local do Brasil é delegado do poder central, ao contrário, por exemplo, dos Estados Unidos, onde o poder central é que tem delegação das colônias que, por sua vez, têm delegação das cidades. É assim que funciona também na Europa, onde há cidades de cinco mil anos em países com pouco mais de cem anos, como a França e a Itália". No Brasil, o poder local é delegado, e essa, para o ex-prefeito de Vitória, "é uma questão da institucionalidade brasileira e também da cultura. Em determinadas circunstâncias pode-se subverter essa lógica e fazer a diferente, mas com a delimitação da institucionalidade. Então, não é só a institucionalidade e não é só a cultura, mas são as duas coisas", que precisam mudar, define Vellozo Lucas. Sua tese central é que "o enfrentamento dos grandes problemas do Brasil, do desenvolvimento do país, das questões sociais", tudo tem que ser visto pela ótica das cidades. "E, se vistos pela ótica da cidade e do poder local, conseguiremos desatar esses nós". |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, abril 11, 2007
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