Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

Merval Pereira - Ora, ora




O Globo
5/4/2007

O presidente Lula continua errático na relação com os controladores de vôo, assumindo sempre mais uma postura de líder sindical nas negociações, para ganhar tempo e manter sempre uma porta aberta para recuos ou avanços estratégicos, do que como presidente da República, que precisa ditar um rumo e os limites das negociações. Lula ora ameaça com prisão quem se amotinar novamente, ora diz que não é preciso prender ninguém. Em contrapartida, os controladores assumem seu papel do outro lado, ora deixando vazar que podem voltar a fazer greve, ora afirmando que na Páscoa não haverá problemas nos aeroportos.

A situação do ministro da Defesa, Waldir Pires, também oscila de acordo com as conveniências políticas. Ora Lula deixa escapar, em conversas com políticos aliados, que está procurando um substituto, ora diz de voz própria que não está pensando em mudar o ministro, ainda mais ontem, que recebeu o senador Antonio Carlos Magalhães, cujo grupo político Waldir Pires um dia derrotou na Bahia e a quem, pela mesma inapetência que demonstra no ministério, devolveu o poder pouco tempo depois.

Um dos pontos que mais evidencia o quanto assunto tão estratégico está sendo tratado de maneira apressada é a desmilitarização do controle do tráfego aéreo. Depois de anunciar a decisão de iniciar o processo foi que o governo descobriu que esse é um movimento que só pode ser feito muito paulatinamente, que exige um investimento em equipamentos que não está orçado, e que, segundo os especialistas, leva em média sete anos para ser concluído com êxito.

Lembrei então de uma reunião do Clube de Madri, que reúne ex-dirigentes mundiais comprometidos com a defesa da democracia, onde foi discutida a questão da segurança nas democracias modernas, incluindo aí as diversas agências de informação, as Forças Armadas e a polícia. Os especialistas reunidos na ocasião, coordenados pelo professor Alfred Stepan, da Universidade de Columbia, em Nova York, definiram a maneira como os governos lidam com os setores de segurança como uma das ameaças à democracia em nossos tempos.

Stepan, um brasilianista pioneiro que estudou os militares no período em que estiveram no poder no Brasil, disse na ocasião que há alguns anos achava-se que simplesmente colocando-se um civil à frente de um Ministério da Defesa a questão militar nas democracias estaria resolvida. Experiências malsucedidas mostraram que é preciso ir além, e democratizar a atividade desses setores. A questão é tão complexa que os especialistas sugeriam que a reforma do sistema de segurança fosse feita simultaneamente, garantindo que as questões sejam enfrentadas de maneira sistêmica.

Era recomendada uma coordenação entre as diversas agências, para dar à troca de informações maior agilidade, tanto nos conflitos internos quanto nas ameaças externas, como o terrorismo e o tráfico de drogas. Nessa visão ideal, burocratas civis têm que ter o controle do poder nas questões de segurança, e o Ministério da Defesa tem que ter civis na sua administração em todos os níveis, assim como civis devem controlar a gestão na polícia e nos serviços de inteligência.

Também o orçamento para todos os fins militares deveria ser transparente, e aprovado pelo Congresso, não podendo haver verbas secretas, nem cláusulas a que os parlamentares não tenham acesso. Os papéis, comandos e responsabilidades teriam que ser definidos na Constituição, para não dar margem a interpretações pessoais.

A reunião foi realizada no final de 2004, quando o ministro da Defesa, o diplomata José Viegas, se demitiu, depois de um confronto com o chefe do Exército, general Francisco Albuquerque, em torno de conceitos emitidos em nota oficial, defendendo a repressão no tempo da ditadura militar. Hoje, Viegas é embaixador na Espanha, e o general Albuquerque foi nomeado para o conselho da Petrobras.

A escolha do vice-presidente José de Alencar para acumular o cargo de ministro da Defesa foi considerada pelos especialistas em segurança um agrado do governo Lula aos militares, diante da evidente resistência dos militares a um comando civil. Os militares com isso se considerariam tratados como se tivessem uma situação acima das demais áreas do governo.

O vice-presidente, um empresário nacionalista, também era visto como o ideal para negociar com o governo investimentos para reequipamento das Forças Armadas, mas teve uma passagem apagada pelo ministério e acabou forçando a nomeação de um outro ministro, sendo substituído pelo atual, Waldir Pires.

A cada crise envolvendo o ministro da Defesa e as áreas militares, fica mais acentuada a certeza de que, apesar da importância política da decisão, o projeto de passar as Forças Armadas para o controle civil não foi executado plenamente até hoje, com as estruturas militares permanecendo no controle dos postos-chaves das três Forças, como no caso dos controladores de vôo.

E o governo continua não tendo um projeto para a efetiva implantação do Ministério da Defesa. Repetindo o erro inicial do governo Fernando Henrique de nomear um político para a função, o presidente Lula está permitindo que os militares continuem ditando o ritmo da transição, que não se completa nunca. E que regride a cada crise como a do apagão aéreo. A desmilitarização dos setores de segurança não pode ser vista como uma represália, mas como um avanço institucional do país.

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