O Globo |
17/4/2007 |
Os direitos humanos como precondição para o diálogo entre o Ocidente e o mundo islâmico, tema central da conferência da Academia da Latinidade, que reúne intelectuais de países de origem latina e do mundo árabe para tentar realizar o diálogo das duas culturas, provocou mais divergências que convergências até agora entre os intelectuais e acadêmicos aqui reunidos. A começar pela premissa de que a aceitação dos conceitos ocidentais é necessária para que haja o diálogo, e até mesmo a possibilidade de universalização desses conceitos e a necessidade de um diálogo. Coube ao professor emérito de História do Pensamento Islâmico da Sorbonne, Mohammed Arkoun, considerado hoje o maior estudioso do mundo islâmico, dar uma direção ao debate, fazendo uma análise histórica do Islã e mostrando os caminhos que ambos os lados podem seguir, estabelecendo o humanismo como o ponto de partida do debate. Ele criou uma disciplina a que chama de "Islamologia Aplicada" ("Islamologie Appliqué"), que define como uma proposta "de rigor científico inseparável do engajamento cidadão no espaço aberto da História solidária dos povos". Na sua palestra, preferiu falar de "humanismo" antes de "direitos humanos", embora tenha afirmado que é necessário encontrar direitos humanos "universalizáveis", isto é, conceitos que possam ser utilizados tanto pelo Ocidente quanto pelo mundo islâmico como ponto de partida para um diálogo. Ele destacou que, a partir de depoimentos históricos sobre a fé islâmica e o Corão, seu campo de estudo foi se alargando porque o Islã, "como religião e força histórica, obriga o pesquisador a ampliar seu campo de conhecimento para todas as culturas e a todos os caminhos históricos e cognitivos no mundo". Segundo ele, as sociedades que estão ligadas ao Islã se encontram diante de um "desafio excepcional que o grande vencido lança ao grande vencedor, à guisa de reparações das humilhações infligidas à humanidade do homem despossuído de si mesmo, proclamando a prioridade de seus valores". Mohammed Arkoun se disse convencido de que é a "capacidade de aceitar a ética de si mesmo como um outro" que faz do islamismo uma exceção no mundo. Mas ele vê o mundo islâmico em uma "constante tensão dialética" entre os governantes e os "jovens-bomba", que ele ligou à falta de esperança e de sonhos. Arkoun ressaltou que o Corão não é sempre pacífico, e citou a Surata 9, que diz textualmente: "É preciso matar os políticos". Nesse ponto, criticou os governantes que se perpetuam no poder, e também os acadêmicos, que estariam sendo incapazes de acompanhar a História imediata dos povos oprimidos e revelar o que está acontecendo, sendo superados pelo jornalismo. Seu "olhar antropológico" montou uma tríade que explicaria a situação atual: buscar entender a verdade, o sagrado e a violência. Seriam as três pontas da argumentação de Arkoun, que diz que é preciso compreender as circunstâncias, os locais e a época para entender como a História é construída e os mitos são criados. Ele diz, por exemplo, que o Islã é cada vez mais reduzido aos seus resíduos fantasiosos de um modelo de produção da História inaugurado em Medina entre 622-623, e é este Islã que resiste às tensões com o Ocidente. Depois dos atentados terroristas de 2001, que ele chama de "o acontecimento", Arkoun diz que a política escolhida pelo Ocidente para erradicar "o terrorismo internacional encarnado no Islã "fascista", no Eixo do Mal, nos Estados-bandidos" exacerbou "a polarização dialética de Jihad versus McWorld", numa referência à cadeia americana. Quem seguiu o conselho de Arkoun e tratou de compreender as circunstâncias e as especificidades locais para defender uma política de tolerância diante do mundo árabe foi o embaixador brasileiro na Turquia, Cesario Melantonio Neto. Depois de fazer uma análise histórica do mundo islâmico, desde o século IX, quando Bagdá era considerada a capital do mundo, até o fim do século XVIII, quando o mundo hegemônico islâmico teve fim, superado pelo Ocidente com a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito. A partir daí, segundo Melantonio, instalou-se no mundo islâmico um ressentimento, que o embaixador brasileiro caracteriza como "feridas que não foram curadas" pelo fato de o Islã ter se tornado de dominador em dominado. Esse sentimento, segundo ele, precisa ser entendido dentro de um espírito de tolerância pelo Ocidente, pois "somente dentro desse espírito de diálogo de culturas e de religiões se poderão utilizar as fronteiras para aproximar os homens, e não separá-los". A tese de que o mundo árabe acabará se encontrando com o Ocidente tendo como base a aceitação dos direitos humanos como valor universal, defendida pelo sociólogo francês Alain Touraine, encontra opositores dentro do próprio meio acadêmico europeu, mas também tem defensores entre os especialistas árabes. Para Touraine, a confrontação do Irã com os Estados Unidos e o mundo ocidental em torno do enriquecimento do urânio poderá levar a uma separação dos poderes do Estado e da religião naquele país árabe, paradoxalmente aproximando-o do Ocidente pela lógica dos confrontos, que são cada vez menos religiosos e mais geopolíticos ou econômicos. É através dessa lógica que os valores ocidentais acabarão sendo aceitos pelo mundo islâmico, mesmo que para contestá-los. (Continua amanhã) |
Entrevista:O Estado inteligente
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