Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 08, 2007

Mailson da Nóbrega Um outro lado do apagão aéreo


Não faltaram adjetivos para qualificar a dupla crise da semana passada, uma decorrente do já velho problema do controle aéreo e outra detonada pela desautorização de comandos da Aeronáutica. Falou-se em inoperância, displicência, inépcia, incompetência, improvisação, ausência de planejamento, falta de visão de futuro e por aí afora.

A gestão da crise não contou com um ministro detentor do pulso, da experiência e da habilidade de Pedro Parente, que enfrentou o apagão de energia em 2001. A pronta instalação de um grupo sob sua liderança resolveu problemas e gerou mudanças institucionais destinadas a reduzir o risco de sua repetição.

Além disso, é preciso realçar o papel desempenhado pelo atraso tecnológico a que foi relegada parte do sistema de controle aéreo. Uma explicação para tanto está na expansão dos gastos correntes e na sua principal conseqüência: a diminuição sistemática de investimentos federais em infra-estrutura, que hoje, como proporção do PIB, representam apenas um quarto de seu valor em 1987.

Tal descalabro decorre essencialmente das despesas ditas sociais criadas pela Constituição de 1988, as quais foram elevadas no governo FHC e mais ainda com Lula, via aumentos reais do salário mínimo. Dois em cada três benefícios previdenciários e transferências previstas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) são reajustados com base na variação do mínimo.

Como o mínimo mais do que dobrou em termos reais desde 1994, o impacto financeiro foi considerável. Se os benefícios e transferências fossem reajustados pela inflação, como sensatamente fazem os países que têm boa gestão das finanças públicas, o governo federal teria evitado gastos de R$ 50 bilhões, a preços de 2007. É o que mostra Fabio Giambiagi em seu recente e excelente livro (Brasil, raízes do atraso: paternalismo e produtividade, Editora Campus). Para comparar, o festejado PAC prevê que o Orçamento da União lhe destinará R$ 8,7 bilhões para investimentos em infra-estrutura em 2007.

Nos anos 1990, a expansão inadequada dos gastos correntes colocou o País em rota de calote. O correspondente déficit engendrou uma trajetória explosiva na relação dívida pública/PIB, que é o principal indicador de solvência do Tesouro. Por isso, a geração de superávits primários robustos foi um dos principais fatores que reverteram a crise de confiança do fim de 1998, que levaria à flutuação do câmbio.

Sem reformas estruturais para reduzir ou estancar os gastos previdenciários e assistenciais, superávits primários maiores foram obtidos à custa de elevação da carga tributária e do contingenciamento de dotações para investimentos. No caso do setor aéreo, a situação é mais grave. Seus gastos deveriam ficar isentos de cortes, pois são financiados com a receita da tarifa aeroportuária cobrada na emissão de passagens. Acontece que parte substancial da arrecadação foi utilizada para viabilizar aqueles superávits.

A elevação sistemática do valor real do mínimo e seus efeitos nesses gastos pode fazer sentido para muitos, inclusive para o atual ministro do Trabalho e seu antecessor, que deveriam estudar melhor o assunto e acostumar-se a prestar atenção nas contas, antes de cantar loas ao suposto papel do mínimo como fonte de justiça social.

Vários estudos mostram que os aumentos reais do mínimo têm efeito reduzido na redução de desigualdades sociais. Muito mais eficazes e relativamente mais baratos são os programas focalizados nos segmentos menos favorecidos, como o Bolsa-Família, que explicam muito da melhoria recente na distribuição de renda do País.

Parece exagero (mas não é) ligar a crise aérea aos aumentos reais do mínimo. Mesmo que se admita que esses aumentos têm impacto social favorável, está provado que seus benefícios são inferiores aos respectivos custos, incluídos os decorrentes de sua contribuição para os baixos níveis de crescimento da economia e do emprego.

Os efeitos da elevação do valor real do salário mínimo são, pois, muito graves. A carga tributária inibe o investimento e os ganhos de produtividade, principais motores do crescimento. A deterioração da infra-estrutura piora os custos sistêmicos que prejudicam a nossa competitividade e nos retiram conforto. Que o diga quem percorre estradas esburacadas e viaja de avião.


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