Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 08, 2007

CELSO MING

Na loja de R$ 1,99

Nesta semana ou, quem sabe, na próxima, o dólar já possa ser encontrado nas lojas que só vendem mercadorias até R$ 1,99.

Nos primeiros quatro dias úteis de abril, as cotações perderam dois centavos. Nesse ritmo, se nada de novo acontecer, em mais alguns dias o cabo das tormentas dos R$ 2 por dólar terá sido contornado e a moeda americana seguirá seu curso.

Quando o recuo transpuser esses R$ 2, ficará redobrada a aflição geral, a mesma que tem previsto catástrofes a cada marca psicológica ultrapassada, desde que as cotações atingiram o pico dos R$ 4 por dólar, em outubro de 2002. As exportações não baquearam nem com o dólar a R$ 3,50, nem a R$ 3,00, nem a R$ 2,50 e é muito improvável que baquearão quando o dólar cair abaixo dos R$ 2,00. Afinal, “os setores se adaptam”, como disse há algumas semanas o então ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan.

Quem exigiu que o Banco Central redobrasse as compras de dólares para evitar o afundamento das cotações deve estar decepcionado. As reservas ultrapassaram agora os US$ 110 bilhões e, a cada pá de dólares acrescentada, aumenta a belezura da montanha e, com ela, a sensação de exuberância da economia brasileira.

Está claro que a formação de reservas está produzindo efeito contrário: vai atraindo ainda mais dólares (e não são operações especulativas), porque as reservas encouraçam a economia contra crises e lhe dão previsibilidade.

Quem vocifera que o Banco Central nada faz para evitar a derrubada não está entendendo nada. Não fossem as compras do Tesouro e do Banco Central, o dólar já estaria abaixo de R$ 1,50. Portanto, as operações de compra tiveram, sim, efeito importante.

Quem quer a imediata desvalorização do real apresenta um samba de apenas duas notas. A primeira é a de que os juros devessem ser cortados sem dó nem piedade. A outra é a de que é preciso impedir a entrada de capitais especulativos.

As duas propostas partem da premissa errada: a de que os juros altos estão favorecendo as operações com arbitragem (empréstimos externos a juros baixos para que os recursos, trocados por reais, sejam aplicados no mercado interno a juros mais altos). Como já foi dito aqui em outras oportunidades, as estatísticas não mostram entrada de dólares especulativos. As cotações estão caindo porque as exportações continuam mostrando serviço e porque as condições da economia brasileira atraem investidores.

Não é demais repetir: se os juros altos fossem tão decisivos assim para atrair capitais, a queda de 7 pontos porcentuais, de setembro de 2005 até agora, pelo menos algum efeito teria produzido. Não produziu.

É possível que uma eventual queda mais forte dos juros provocasse o mesmo efeito da formação de reservas: atraísse ainda mais capitais porque o observador externo tenderia a entender que as condições da economia melhoraram ainda mais.

A idéia de bloquear a entrada de capitais parte da premissa duvidosa de que a especulação seja explicação relevante para o deslizamento do dólar no câmbio interno.

Além disso, não é eficiente bloquear o afluxo de capitais numa economia cada vez mais informatizada. Mas, se ainda assim uma decisão nessa direção viesse a ser tomada, o risco para a credibilidade do Banco Central seria enorme, para um efeito prático provavelmente irrelevante.

E-mail: celso.ming@grupoestado.com.br

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