Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

Esfolando os passageiros



editorial
O Estado de S. Paulo
5/4/2007

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade e em caráter terminativo - em plena crise do apagão aéreo -, a criação de uma contribuição no valor de R$ 3,00 a R$ 14,00 a ser cobrada, como adicional tarifário, na taxa de embarque dos vôos domésticos. Trata-se, pura e simplesmente, de uma tentativa de aumentar a carga tributária sem justificativas plausíveis - e justamente no momento em que os consumidores estão sendo submetidos diariamente a verdadeira tortura, obrigados a esperar durante horas por vôos rotineiramente atrasados.O adicional tarifário, previsto no projeto de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti, do PTB de Roraima, foi aprovado - como já havia ocorrido no Senado - sem maiores debates na CCJ, em sessão que contou com a presença de poucos participantes. O PPS, para evitar que a aprovação do projeto ocorra em caráter terminativo, está requerendo que o texto seja votado no plenário da Câmara dos Deputados. O projeto visa a extrair recursos para financiar o Programa de Estímulo à Malha de Integração Aérea Nacional. Trata-se de um nome pomposo para vestir uma idéia simples - a de tirar dinheiro dos passageiros para criar mais um fundo público, a ser administrado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O fundo destina-se a subsidiar rotas “economicamente inviáveis” das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.O mercado doméstico é hoje dominado por duas grandes companhias - a TAM e a Gol, que acaba de adquirir a Nova Varig. Mas dele participam um total de 36 companhias nacionais, que disputam um porcentual de 5% a 10% do mercado.

Algumas dessas companhias são bem conhecidas (caso da BRA, OceanAir, Pantanal, Rio-Sul), mas a maioria opera em escala reduzida e em regiões distantes, ligando, às vezes, capitais brasileiras às áreas de fronteira.Apenas na aparência o adicional tarifário votado na CCJ é pequeno. Está prevista a cobrança de R$ 3,00 a R$ 10,00 nas viagens de até 1,1 mil km e de R$ 4,00 a R$ 14,00 nos deslocamentos mais longos. A questão é que a tarifa incidirá sobre dezenas de milhões de embarques - o número de passageiros foi de 33,7 milhões, em 2005, segundo o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea). Se a menor das tarifas fosse aplicada sobre as viagens, já se teria um fundo capaz de acumular, a cada ano, um montante superior a R$ 100 milhões. E a tarifa, como prevê o projeto, será cobrada por 12 anos - ou mais, se prevalecer a regra de que os tributos tendem a ser perenizados.

Embora o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tenha declarado que não dará prioridade ao projeto, dois deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) o defenderam, invocando a política de universalização do transporte aéreo. O vice-líder do PT na Câmara, Maurício Rands, afirmou: “Há certas linhas que são antieconômicas. Com esse projeto, cria-se um fundo para equalizar tarifas e atingir lugares mais distantes.” Sérgio Barradas, também do PT, concordou: “As empresas acabam privilegiando rotas em regiões de maior fluxo e não investem em regiões como o Norte e o Nordeste. Isso permitirá que o dinheiro cobrado a mais nas tarifas seja usado para estimular a oferta de vôos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.”

Esses argumentos não se sustentam. O que o PT quer, na verdade, é aumentar a transferência de recursos do setor privado para o setor público, sem atinar para as conseqüências da sangria dos contribuintes. A aviação regional está em expansão e não precisa desse tipo de ajuda, que foi usado há meio século para sustentar rotas pioneiras de integração nacional.

Nichos de mercado podem e devem ser disputados, mas sem subsídios. Não há justificativa para onerar ainda mais os consumidores para favorecer pequenas empresas aéreas regionais. A viabilidade dessas empresas - e das rotas que operam - não pode depender de subsídios.Como o projeto trata, em resumo, de esfolar o consumidor, toda atenção é pouca até que se assegure sua rejeição.


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