Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

Desordem no governo



editorial
O Estado de S. Paulo
5/4/2007

Desta vez o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não teve escolha. Não podia manter no posto o secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, depois de sua entrevista contra a política de juros do Banco Central (BC) e de suas críticas à valorização cambial, publicadas ontem no Estado. As declarações foram feitas um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na primeira reunião com o novo Ministério, haver proibido polêmicas públicas entre os membros do governo. A desobediência foi indisfarçável e não havia como atenuar sua gravidade. O ministro apenas tentou, diante da imprensa, desvincular os dois fatos - as palavras do secretário e sua exoneração. Segundo Mantega, ele havia pedido afastamento na segunda-feira e falado ao jornal, na terça, “como se já estivesse fora”. A explicação não serve. Oficialmente, ele ainda ocupava o posto.

Além disso, na mesma conversa com os jornalistas, o secretário Júlio Sérgio Gomes de Almeida negou a intenção de abandonar o governo. “Meu boné pertence ao ministro Guido Mantega”, afirmou. “Se ele deixar, fico até o fim dos tempos. Não estou demissionário.” Foi uma declaração inequívoca. Ele deixou a seu chefe, o ministro da Fazenda, a atribuição de garantir a obediência à determinação do presidente da República. A reportagem, no entanto, citou não só as opiniões do secretário de Política Econômica. Mencionou também avaliações de outra fonte - não identificada - envolvida nas discussões sobre juros e câmbio. O problema portanto, vai muito além do escorregão, intencional ou involuntário, do responsável por uma das funções mais importantes do governo federal. A exoneração de Júlio Sérgio Gomes de Almeida é apenas uma baixa num grupo envolvido num dos mais notórios conflitos internos do governo do presidente Lula.

O secretário de Política Econômica só caiu porque se expôs numa entrevista sem restrição, ao dar declarações sem pedir anonimato. Nada permite prever, neste momento, o fim da guerra entre o Ministério da Fazenda - entre outros - e o Banco Central chefiado por Henrique Meirelles. O próprio ministro Mantega tem falado publicamente sobre juros, dando palpites sobre a orientação do Comitê de Política Monetária (Copom).

Seu comportamento tem sido um evidente estímulo a seus comandados e também a outros ministros para se imiscuírem nas políticas de juros e de câmbio. O novo ministro da Previdência e ex-ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sempre se mostrou muito à vontade para falar sobre o assunto, assim como o novo ministro da Justiça, Tarso Genro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre tolerou as críticas ao Banco Central. Até a reunião ministerial de segunda-feira, nunca procurou conter os ministros nem o vice-presidente, José Alencar, um crítico persistente da política de juros.

Como o BC ainda é formalmente subordinado ao presidente da República, as decisões do Copom são de responsabilidade do Executivo. Talvez se possa falar de autonomia de fato, mas isso não altera formalmente a situação. O problema disciplinar deixaria de existir se o presidente Lula se dispusesse a apresentar ao Congresso, finalmente, um projeto de autonomia legal do Banco Central. Nesse caso, cada ministro poderia expor sua opinião livremente, sem comprometer a ordem administrativa. Hoje isso é impossível.

A indisciplina tornou-se escandalosa, neste episódio, porque o secretário de Política Econômica violou uma ordem formulada no dia anterior pelo presidente da República. Se a entrevista ocorresse dentro de dois meses, talvez não resultasse em demissão.

A boa articulação do governo jamais foi o forte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A desordem não se manifesta somente na troca de críticas entre ministros e altos funcionários. É visível, também, nos conflitos entre os Ministérios do Meio Ambiente, dos Transportes, de Ciência e Tecnologia, da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário.

Toda indisciplina, neste governo, é apenas o resultado previsível de um estilo de gestão adotado pelo presidente da República. Ele terá de ir muito além de recomendações como a da reunião ministerial de segunda-feira, se quiser enquadrar seus subordinados e fazê-los trabalhar em equipe. A demissão de um secretário não basta para consolidar um novo estilo.


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