Crise aérea
O estopim do motim
Edleuzo, o sargento que parou o país, é um sujeito
afável e solidário com pobres e deficientes
Alexandre Oltramari
Ana Araújo |
SOB AMEAÇA O sargento Edleuzo: se for expulso, pode virar professor |
"O cerco se fechou." Foi com esse desabafo que o sargento Edleuzo Souza Cavalcante, 38 anos, explicou a uma amiga seu sumiço nos últimos dias. Ele não conta onde está hospedado, não atende o celular e tem chorado com freqüência, com receio de ser punido pelo comando da Aeronáutica. Não é para menos. Edleuzo Cavalcante é duas vezes estopim do motim que parou os aeroportos do país no dia 30 de março. Primeiro porque ele é o líder mais ativo na mobilização dos sargentos em todo o país. Nos últimos dias, vinha fazendo reuniões sigilosas em Brasília e trocava cerca de 250 e-mails por dia com sargentos de norte a sul, conforme apontou uma investigação da Aeronáutica. Segundo porque sua transferência de Brasília para Santa Maria, no interior gaúcho, decidida para puni-lo por sua agitação sindical, revoltou seus colegas e ajudou a fermentar o motim.
"O cerco se fechou", lamentava o sargento. Ele bem que tentou fugir dos holofotes. Em 18 de março, com a perna direita enfaixada depois de uma lesão numa partida de futebol, conseguiu uma licença médica. Manteve o empenho em articular os sargentos, mas deixou de aparecer no local de trabalho. No dia 30, horas antes do motim dos sargentos, tomou outra providência para ficar à sombra: deixou o cargo de diretor de mobilização da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo, a entidade que esteve à frente do protesto e que Edleuzo ajudou a fundar e expandir para outras capitais, chegando a inaugurar pessoalmente as filiais em Cuiabá e Manaus. Na semana passada, localizado por VEJA ao sair de seu carro, um Corsa Sedan prata, ele se esquivou. "Não posso falar nada. Ainda sou militar e militares não podem dar entrevistas", disse, com um tom amargo.
Há dezenove anos na Aeronáutica, Edleuzo Cavalcante integra a elite de sua categoria profissional. Além de controlador de vôo, ele é supervisor de equipe e instrutor. Controla vôos até 14.500 pés, ou 4.400 metros de altitude, uma faixa crítica em que os aviões se encontram perto dos aeroportos e voam mais próximos uns dos outros. Filho de um marceneiro e uma dona-de-casa que migraram do Piauí em um pau-de-arara numa viagem que levou duas semanas, Edleuzo é o único dos três filhos que está empregado. Ganha 2.600 reais e mora num imóvel funcional em Brasília, ao contrário do restante da família, que vive em Ceilândia, cidade pobre da periferia da capital. Casado há quatro anos com uma recepcionista de consultório médico, sem filhos, o sargento se diverte jogando futebol com os amigos e, vez por outra, sai para dançar forró com a esposa. Nunca viajou para o exterior. Tem noção rudimentar de inglês.
Seu consolo, agora que pode ter a carreira militar encerrada, é ter estudado pedagogia. Pode virar professor e manter a ajuda mensal à família. "O valor varia, mas ele nunca deixa de mandar alguma coisa", diz a mãe do sargento, Maria da Conceição, 60 anos. Atencioso com a família, Edleuzo também é gentil com a vizinhança pobre da casa dos pais. No Dia das Crianças, fecha a rua e faz festa para a criançada. Há quatro anos, é voluntário numa escola para deficientes físicos e mentais em Ceilândia. "Ele trabalha como porteiro, motorista, arrumador de palco e até DJ se for preciso", diz a diretora Maria das Graças Nunes. "E não tem nenhum caso de criança especial na família." Com os colegas, também é afável. Oferece churrasco aos novatos e, mesmo de folga, aparece no batente para cumprimentar os plantonistas em feriados como o Natal. Talvez tudo isso esteja no fim, pois, como diz o sargento, "o cerco se fechou".