Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 06, 2007

É perigoso voar no Brasil

Crise aérea
O jogo sujo que assusta
os pilotos

Sabotar vôos com informações falsas. Essa é a nova
tática dos controladores para aumentar o caos


Gabriela Carelli e Leoleli Camargo

Otavio Dias de Oliveira
"Os controladores de vôo estão mentindo para os pilotos como forma de protesto. Isso é muito perigoso. Com essas atitudes, não há condições de segurança. Nós, pilotos, só saímos do chão hoje para não perder o emprego."
Frase de um comandante de aeronave na quarta-feira passada


VEJA TAMBÉM
Exclusivo on-line
Perguntas e Respostas:
Caos Aéreo

Até a colisão do Boeing da Gol com o jato Legacy, em setembro do ano passado, os brasileiros acreditavam contar com um sistema de segurança aérea de Primeiro Mundo. Depois do acidente, essa crença se revelou uma ilusão coletiva alimentada por um misto de desinformação e propaganda oficial enganosa. Os céus brasileiros, descobriu-se, são tão inseguros quanto os africanos. Ou seja, em matéria de vigilância e prevenção de acidentes, o Brasil não ombreia nem com o Terceiro Mundo. Situa-se no Quarto. Controladores mal preparados operam equipamentos ultrapassados, os aviões ficam expostos a zonas cegas de radar e a comunicação por rádio é deficiente. Como se não bastasse tudo isso, um ingrediente explosivo se juntou à lista de problemas que comprometem a segurança dos vôos no Brasil. Os controladores de vôo, os mesmos que se amotinaram há uma semana e paralisaram o país, passaram a lançar mão da sabotagem como forma de demonstrar insatisfação com suas condições de trabalho. Segundo uma dezena de pilotos ouvidos por VEJA, os controladores mentem a eles nas comunicações por rádio. Dois exemplos ocorridos na semana passada:

• Um avião ia de Belo Horizonte para São Paulo. O piloto recebeu a informação de que, por causa do excesso de tráfego aéreo, não poderia pousar no Aeroporto de Congonhas nas duas horas seguintes. O avião foi redirecionado para a posição AAQ, onde deveria sobrevoar a região de Araraquara. Menos de dez minutos depois, o comandante recebeu uma outra informação, afirmando que Congonhas estava livre para pouso. Em terra, descobriu que o desvio por duas horas nunca fora necessário.

• Um vôo vindo do exterior com destino ao Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, foi interceptado pelos controladores. Determinou-se ao piloto que sobrevoasse São Paulo até segunda ordem. Usando os equipamentos de bordo, o piloto descobriu que não havia tráfego sobre o aeroporto que justificasse a manobra e decidiu, por conta própria, continuar o vôo. Pousou, tranqüilamente, após receber permissão da torre do aeroporto.

"Os controladores de vôo estão mentindo para os pilotos, só para piorar o caos aéreo. Além de fazer as companhias desperdiçar combustível, isso eleva nosso stress a níveis insuportáveis", diz um ex-comandante da Varig que hoje atua em outra companhia. O Sindicato Nacional dos Aeronautas, sediado no Rio de Janeiro, recebeu queixas de vários de seus associados relatando casos em que os controladores transmitiram informações falsas à cabine de comando. Na quinta-feira passada, o sindicato emitiu uma nota recomendando aos pilotos "serenidade e habilidade gerencial" diante desse novo desdobramento da crise aérea. "Estamos pedindo aos pilotos que formalizem as acusações, para que possamos averiguá-las e saber quem são os responsáveis pelos dados falseados", diz a presidente do sindicato, Graziella Baggio. Os pilotos observam que a ordem para retardar muito o pouso de um avião representa, por si só, um perigo. "As longas jornadas, somadas a uma tripulação tensa e a passageiros nervosos, se transformam num novo fator de risco nos vôos", diz um comandante de uma grande companhia.

Divulgação/A Crônica/AE
DESPREPARO E TRANSGRESSÃO
Controladores militares amotinados: o que parecia ser o ápice do abuso deu lugar a métodos ainda mais condenáveis

O descomprometimento e a irresponsabilidade dos controladores aéreos vêm num crescendo desde que o Boeing da Gol despencou na Amazônia. Primeiro, para eximir-se de participação na tragédia, eles tiveram uma reação corporativa: esforçaram-se para jogar toda a culpa nos pilotos americanos do Legacy. Em seguida, estimulados por líderes sindicais adeptos do marxismo mais rasteiro que se pode imaginar, entraram nesse vácuo para reivindicar melhores salários e a desmilitarização daqueles profissionais pertencentes aos quadros da Aeronáutica. A fim de pressionar Brasília, iniciaram as operações-padrão e os apagões que tornaram as viagens de avião no Brasil um inferno. Na semana passada, às voltas com um governo titubeante, cruzaram os braços. O motim ocorrido entre os 2.100 controladores militares, que paralisou também seus 400 colegas civis, parecia ser o ápice do abuso. Mas não. Obrigados a voltar ao trabalho, passaram a enganar os pilotos que estão no ar, colocando em perigo a vida da tripulação e dos passageiros. É preciso que fique claro: o fato de ganharem mal não justifica por nenhum ângulo tais atitudes. Esse tipo de sabotagem contra os vôos é uma transgressão muito mais grave do que as que eles já cometiam. Cada informação falsa repassada a um avião deveria ser interpretada como uma tentativa de homicídio.

Os pilotos estrangeiros também estão passando maus pedaços nos céus do Brasil. Seu temor pela segurança dos vôos foi explicitado pela publicação de um boletim de segurança da Federação Internacional dos Pilotos (Ifalpa). O documento menciona os principais riscos do setor aéreo brasileiro e as precauções a serem tomadas. "O boletim da federação é a única arma que os pilotos estrangeiros têm hoje para se prevenir contra as falhas constantes no sistema aéreo brasileiro", disse a VEJA Bill Voss, presidente da Flight Safety Foundation, outra instituição que monitora as condições de segurança do tráfego aéreo no mundo. No boletim, a Ifalpa deixa claro que os controladores brasileiros não são confiáveis: não falam inglês e – veja só – já pregavam mentiras antes de a crise começar, ao afirmar a pilotos de linhas internacionais que o avião estava sendo monitorado por radar (veja quadro ao lado). "Atualmente, o grau de confiança da comunidade internacional no espaço aéreo brasileiro é mínimo", diz Voss.

Sebastiaão Moreira/AE
TRAGÉDIA ANUNCIADA
Destroços do Boeing da Gol: o acidente deixou expostos os riscos de voar no Brasil e o descaso do governo com o setor aéreo

Os depoimentos dos pilotos confirmam o diagnóstico da Ifalpa. Nos Estados Unidos, segundo um piloto acostumado a voar no exterior, o percurso de San Juan de Porto Rico a Orlando, de 1.200 milhas, é monitorado por oito controladores, cada um responsável por uma pequena área do trajeto. No Brasil, a mesma extensão, que corresponde a um vôo de São Paulo a Fortaleza, é coberta por no máximo dois controladores. "Nos últimos tempos a situação piorou tanto que é preciso implorar para um desses dois controladores atendê-lo. Eles têm muita má vontade", diz o piloto. Um comandante italiano que chegou ao Brasil na semana passada atesta que o controle do tráfego aéreo no Brasil, atualmente, é comparável ao das regiões mais atrasadas da África. Mas, segundo ele, voar na África é mais seguro, pela simples razão de que há menos aviões voando simultaneamente. "No Brasil, a comunicação por rádio é incrivelmente falha. Entre outras situações, já fiquei esperando meia hora no pátio, com o avião pronto para decolar, sem receber nenhuma satisfação do controle aéreo", relata.

Um testemunho dramático sobre as dificuldades de voar no Brasil foi dado a VEJA pelo mexicano Miguel Marín, da Federação Internacional de Pilotos, que tem entre suas rotas a América do Sul. Diz ele: "No espaço aéreo de outros países, é comum solicitar uma mudança de rota para evitar uma tempestade. No Brasil, do jeito que as coisas estão, alguns pilotos preferem atravessar a tormenta. Pode ser menos inseguro do que receber instruções duvidosas ou não receber instrução alguma. É espantoso: os controladores brasileiros muitas vezes desprezam os chamados". Não é só espantoso. É absurdo e inadmissível.

PREGAÇÃO ANACRÔNICA
Imagens do site mantido pelo sindicato dos controladores civis: cartilha marxista do tempo em que Lula pisava no chão da fábrica

O MEDO DOS PILOTOS ESTRANGEIROS

Um boletim recente emitido pela Federação Internacional dos Pilotos a seus associados alerta: voar nos céus brasileiros é um perigo. Algumas das advertências do documento com relação ao controle de tráfego aéreo brasileiro:

• Há áreas no espaço aéreo brasileiro que não são cobertas por radar. Às vezes o controlador de vôo comunica ao piloto que seu vôo está sendo acompanhado pelo radar, mas na verdade o avião está num desses buracos negros

• As mudanças no plano de vôo nem sempre são transmitidas para todo o sistema de controle de tráfego aéreo. Isso pode resultar em setores com partes de dois planos de vôo, o original e o reformulado

• Alguns controladores falam com boa pronúncia certas palavras em inglês, o que dá a impressão de que dominam o idioma. Isso nem sempre é verdade. Esse engano pode causar confusão quando o plano de vôo muda

• Ao trocar de altitude durante um vôo sobre o Brasil, o piloto deve prevenir-se acendendo todas as luzes externas do avião

• O piloto deve manter-se atualizado, através da companhia aérea em que trabalha, dos riscos de voar sobre o Brasil

Arquivo do blog