O Estado de S. Paulo |
10/4/2007 |
Início do 2º mandato carrega uma espécie de herança maldita do primeiro A certa altura da campanha eleitoral do ano passado, o presidente Luiz Inácio da Silva, já praticamente reeleito, anunciou o desejo de ser comparado consigo mesmo no segundo mandato, abandonando o cotejo permanente com a gestão de Fernando Henrique Cardoso.Usando o novo critério, pode-se dizer que o início do segundo mandato de Lula transportou do primeiro uma espécie de herança maldita, para usar expressão notabilizada na época em que o paralelo com o antecessor presidia todas as ações do então novo governo. Nesse legado de Lula I para Lula II destacam-se a inoperância administrativa e a fisiologia na política. Outra característica de continuidade é a tendência de achar que a publicidade substitui o ato de governar, para ser desmentido em seguida pelos fatos.A data cabalística dos cem dias não serve para julgamentos definitivos de governos. É usada para marcar a primeira impressão deixada pelo novo governante e, no caso de reeleição, serve como indicador do grau de renovação ou de repetição que se pode esperar do governo reeleito. Lula optou por não tentar se reinventar. Saiu-se eleitoralmente ainda melhor que da primeira vez e talvez por isso tenha firmado convicção de que seu esquema de atuação, sendo vitorioso, merecia continuidade.Aprofundou a linha personalista, prestou mais atenção ao desempenho pessoal que aos resultados do conjunto. Nessa primeira fase, os pífios e os maus resultados acabaram por roubar a cena do personagem, cuja dificuldade de transformar discursos em ações ficou muito mais patente nos primeiros meses do segundo mandato do que nos quatro anos do primeiro.Lá atrás, Lula ainda contava com a vantagem da boa-vontade geral. Era uma quase acachapante unanimidade e, por isso, suas falhas objetivas não foram submetidas a crivo rigoroso. Se não fossem as denúncias de corrupção, por exemplo, não se teria instalado a decepção em boa parte de seu eleitorado. Ninguém levou muito a sério o vazio de decisões das diversas reuniões ministeriais. Eram verdadeiros espetáculos da eficácia presumida: em cada uma delas estabeleciam-se metas que não eram sequer abordadas nas próximas. O presidente Lula dispunha de anteparos poderosos no primeiro mandato, todos eles derrubados pelos escândalos. Ele chegou ao início do segundo mandato pleno de popularidade, de apoios no Congresso, mas desprovido de plano de atuação, sem estratégia de governo e desguarnecido na linha de frente.Quis fazer tudo sozinho, a começar pela articulação política e, a partir dela, a montagem do ministério. Suas deficiências ganharam destaque.A reforma levou quatro meses e o presidente não tinha a quem atribuir a responsabilidade. Ficou claro que iniciava o segundo período perigosamente exposto a um julgamento muito mais contundente.A crise aérea escreveu a história principal dos primeiros cem dias. Lula não percebeu que a coisa era com ele e optou por se preservar, mantendo a crise 'longe de palácio'. A atitude do presidente ante o primeiro episódio do apagão deu o tom da sinfonia. Terminada a eleição, fez uma reunião no Palácio do Planalto, distribuiu determinações pelos jornais e foi de férias para a praia.De volta, tomou posse, lançou o Programa de Aceleração do Crescimento e, baseado em pesquisas de opinião, avaliou que o País só pensava naquilo. Deixou de lado o problema da aviação, acreditou que o problema era atinente aos que andavam de avião e que a repercussão sobre seus índices de popularidade não seria dramática. Foi fazendo a reforma ministerial ao seu jeito de negociador de sindicato, esticando a corda das expectativas fisiológicas, semeando divergências internas, sustentado na opinião dos áulicos que lhe atribuíam por isso habilidades políticas de Maquiavel.Tanto desconsiderou a hierarquia e a formalidade ao longo de todo o governo que, no momento em que a presença desses atributos era absolutamente indispensável, criou uma crise militar.Agora de novo cedeu à informalidade, ao agradecer aos controladores de vôo por terem sido 'responsáveis' durante a Semana Santa, ignorando o fato de que são réus em inquérito do Ministério Público Militar.Rendeu-se de vez aos eflúvios da fisiologia ao aceitar convite para tratar da montagem do segundo escalão em jantar com 150 pemedebistas, entregando a administração pública aos critérios da camaradagem. O presidente não usa a imensa maioria no Congresso para tirar o PAC do papel. Não dá conseqüência ao recentemente combinado com governadores de todo o País; não exibe o menor sinal de empenho na resolução do problema da criminalidade, ao qual imprimiu não faz muito o caráter de 'terrorismo'; não torna efetiva a disposição de 'dialogar' com a oposição, autorizando a impressão de que se trata de mais um factóide; não governa no sentido estrito do termo e já começa a perder seu capital simbólico. Por enquanto, está dando empate. Mas, nessa toada, Lula acaba devedor na comparação consigo mesmo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 10, 2007
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