Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 10, 2007

Cem dias desperdiçados



editorial
O Estado de S. Paulo
10/4/2007

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa os primeiros cem dias do segundo mandato sem uma só realização importante para exibir e sem haver avançado na execução de um único plano. Sem nada melhor para mostrar, ele usou seu programa semanal de rádio, ontem, para celebrar como grande vitória um feriado de Páscoa sem crise no tráfego aéreo. Chegou a agradecer aos controladores por não haverem estragado o feriadão dos viajantes, como se não houvessem apenas cumprido sua obrigação. Uma semana antes ele havia apoiado esses mesmos controladores, amotinados, só não deixando o País mergulhado numa crise militar porque o comandante da Aeronáutica foi mais sensato que o chefe supremo das Forças Armadas. Esse tropeço teria sido espantoso noutra circunstância. Mas foi apenas - para usar uma palavra da moda - emblemático, num governo marcado pelo imobilismo e pela incapacidade gerencial.

Tomar os primeiros cem dias como referência para um balanço inicial é até um gesto caridoso. O presidente deveria ter iniciado o segundo período, de fato, logo depois de confirmada sua reeleição em 29 de outubro. Naquele momento, ele já deveria ter um plano de governo razoavelmente definido. Demorou mais de 50 dias, até 22 de janeiro, para apresentar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma simples coleção de projetos, nem todos novos, mal costurados num pacote. Apenas três das nove medidas provisórias necessárias para a realização dos investimentos foram votadas até agora - e apenas numa das Casas do Congresso. O presidente conseguiu eleger para a presidência da Câmara dos Deputados um congressista de seu partido, depois de muita confusão entre os aliados. Mas não teve capacidade política para se valer da maioria parlamentar e pôr em votação as medidas legislativas de seu interesse.

Também isso não foi surpreendente. Apesar de reeleito com 60,83% dos votos válidos, o presidente julgou necessário, para poder governar, promover uma ampla distribuição de cargos a políticos aliados, loteando ministérios e um grande número de postos de confiança. O loteamento ainda não terminou. Os partidos da base governista continuam disputando secretarias, chefias e orçamentos, como se cada grupo tivesse o direito de constituir um conjunto de feudos na administração federal. Enquanto isso, não se governa.

Até a reforma do primeiro escalão permanecia incompleta, ontem, pois o presidente ainda não havia conseguido substituir o ministro da Defesa.

Suas principais façanhas, na área gerencial, haviam sido o afastamento do diretor de Política Econômica do Banco Central, considerado excessivamente ortodoxo pelo ministro da Fazenda, e a substituição do representante brasileiro na diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para o lugar do economista Eduardo Loyo, um nome respeitado em Washington, foi um professor, Paulo Nogueira Batista, mais conhecido por suas críticas virulentas ao FMI do que por atributos desejáveis para a ocupação do posto.

No meio da confusão, das barganhas políticas de cargos e da exibição diária de incapacidade gerencial, um raro acontecimento animador foi a apresentação de um plano educacional bem concebido, com espaço para fixação de metas, controle de resultados e vinculação da transferência de recursos ao desempenho dos agentes. É cedo para dizer se o Ministério da Educação terá apoio político e condições financeiras para a execução desse plano. Mas, por enquanto, esse é o indício mais forte de racionalidade e de clareza de propósitos numa atividade-fim do governo.

Fora disso, o balanço dos primeiros cem dias - ou, pior, dos quase seis meses desde a reeleição - é desalentador. A inflação continua baixa graças ao trabalho do Banco Central, combatido pela maior parte dos auxiliares do presidente Lula. Pode-se discutir se tem havido ou não excesso de conservadorismo na política de juros, mas não se pode acusar os condutores da política monetária de falta de seriedade e de empenho na execução de sua tarefa. Ter deixado essa área fora do loteamento político e razoavelmente protegida contras as pressões dos companheiros foi um dos poucos acertos do presidente Lula desde a sua reeleição. Nesse caso, seu instinto de sobrevivência política deve ter falado muito alto.

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