Dora Kramer - Popularidade só não faz verão |
O Estado de S. Paulo |
3/4/2007 |
Inoperância, displicência e inépcia são três termos perfeitamente aplicáveis ao governo federal no trato da crise do setor aéreo. Traduzem parte da situação, mas não explicam tudo. A personalidade do presidente Luiz Inácio da Silva, seu modo de lidar com as questões, sejam elas sindicais, partidárias ou governamentais, é o pano de fundo desse cenário cuja única definição possível é de desgoverno. Lula precisou administrar poucas dificuldades em seus primeiros quatro anos. E todas enfrentou da mesma maneira: ausentando-se enquanto era possível, bravateando nos momentos mais delicados e transferindo ao alheio da responsabilidade quando não tinha mais outro jeito. No restante do tempo falava, falava, falava, de preferência mudando de assunto, fazendo muita piada, esbanjando simpatia, mostrando-se bastante hábil na arte de manipular a inibição do brasileiro (todos, dos mais desprovidos aos mais bem aquinhoados) diante de gente poderosa. A crise não cedeu e os controladores que já tinham aprendido a fazer o País de refém sem serem por isso importunados nem tampouco chamados a uma negociação objetiva resolveram na sexta-feira dar uma decisão: ou eram atendidos ou nada feito, não haveria mais transporte aéreo no Brasil. A ausência de gestão do problema configurou-se desde o início, assim como a quebra da hierarquia militar ficou patente desde o primeiro momento. Quando os controladores de vôo reagiram com greve à hipótese de virem a ser responsabilizados pelo acidente com o Boeing da Gol, o presidente Lula desautorizou o comando da Aeronáutica, nomeou os ministros da Defesa e do Trabalho seus interlocutores junto à “categoria”, deu ao problema a dimensão de negociação sindical e deixou o barco correr tentando, como sempre faz, vencer as partes pelo cansaço sem precisar se desgastar nem arbitrar coisa alguma. Portanto, o que aconteceu de sexta-feira para cá foi só a exacerbação de um problema desenhado há seis meses e agravado pela noção do presidente da República de que, para governar, basta estar bem posto nas pesquisas e ser um homem popular. Sendo amado pelo povo, tudo se resolve pela reverência geral à força dessa identificação e capacidade do personagem central de manejar essas emoções. Um exemplo mais remoto é a conduta de Lula no comando do PT. Nunca ajuizou divergências, sempre pairou acima delas deixando que as tendências se engalfinhassem para, no final, curvarem-se todas à necessidade eleitoral de suas repetidas candidaturas à Presidência da República. Quando arrumou um general de pulso para pôr ordem no aparelho, ganhou a eleição. Enfrentou alguns infortúnios desde então, mas a sorte lhe foi madrinha, a economia mundial não lhe impôs nenhum dissabor e quando precisou enfrentar crises, o fez à sua maneira habitual: calou, tergiversou, jogou seus homens ao mar para recolhê-los mais à frente tendo o cuidado de não mais abrigá-los na embarcação principal, condenou seu partido como se dele não fizesse parte, renovou as promessas ao País, falou, falou, mudou de assunto, fez muita piada, esbanjou simpatia e venceu a eleição. No meio do caminho para a reeleição, veio a crise aérea. De novo contou com a tolerância geral cobrando providências sem tomar ele mesmo nenhuma. Deixou que se firmasse a convicção de que a responsabilidade é da inaptidão do ministro da Defesa, Waldir Pires, mas o manteve no cargo a título de gentileza pessoal. Ganhou aí nas duas pontas: preservou a imagem de fidelidade aos sofredores e conservou no governo um bode expiatório à imagem e semelhança da necessidade. Nesse meio tempo, precisou fazer uma reforma no ministério. E como a fez? Do meio jeito: fugiu do assunto o quanto pôde e ficou no aguardo de que os desgastados ao fim e ao cabo se dobrassem à majestade do poder respaldado em alta popularidade. As coisas levadas assim podem dar certo por algum tempo, mas há um limite. Os escândalos de corrupção geram conseqüências porque têm sua dinâmica própria (o relatório da PF comprovando desvio de dinheiro público para as contas de Marcos Valério comprova), a montagem de ministério sem referência na competência específica também e uma crise monumental no sistema de aviação do mesmo modo acaba desabando nos ombros do responsável maior, eleito para dirimir e providenciar. E aqui não adianta Lula chamar os controladores de irresponsáveis nem pontuar a gravidade da situação só no discurso. É preciso agir e principalmente fazer escolhas. É difícil a solução? Muito. Mas vai ficando cada vez mais se o chefe foge de suas atribuições, se recusa a arbitrar soluções, espera do exercício do poder só os bônus e transfere sistematicamente ao alheio os ônus. Quando desautorizou o comando da Aeronáutica subtraiu de si a autoridade como comandante-em-chefe das Forças Armadas. E quando aceitou por seis meses a insubordinação continuada, descumpriu a Constituição. Parece incrível, mas Lula ainda não desencarnou do personagem. Continua líder da oposição.
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Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 03, 2007
DORA KRAMER Inoperância, displicência e inépcia no trato da crise do setor aéreo
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