Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

Dora Kramer - Estaca zero




O Estado de S. Paulo
5/4/2007

O governo diz que tem um plano B para se prevenir de novas investidas por parte dos controladores de vôo, mas, como gosta de dizer o presidente Luiz Inácio da Silva, “o dado concreto” é que não há solução à vista para a crise aérea.Por enquanto, o que se tem é apenas a promessa dos controladores de uma trégua no feriado desta semana. Greve explícita como a de sexta-feira, os sargentos também não têm mais moral nem força para fazer. Neste aspecto, o presidente da República fez o que deveria ser feito: repôs as coisas no lugar, recompôs a autoridade militar e parece ter entendido que o ato de governar pressupõe antes de tudo o respeito à lei. Até então, tal evidência não estava muito presente na mente de Lula como informa, por exemplo, a naturalidade com que ele aceita a sistemática e impune quebra da legalidade dos movimentos dos sem-terra.A salutar enquadrada dos comandos militares, sem politização da questão nem contestação à instituição Presidência da República, garantiu o ordenamento legal e, a despeito do estoque de insatisfações nas Forças Armadas, debelou o ambiente de crise aguda. Mas, daí a falar em normalidade do sistema de tráfego aéreo vai uma distância enorme. Não há tumulto, mas a situação é a mesma de quinta-feira passada. Antes do motim, havia apreensão, desinformação e incertezas. Este quadro por ora não foi alterado. A estaca voltou ao zero.

As questões que resultaram na série de sabotagens sistemáticas aos pousos e decolagens de aviões continuam em aberto. Se não há negociação possível - e não há, porque comandante militar não negocia com subordinado -, é de se perguntar o que exatamente o poder público pensa em fazer para evitar a repetição das ocorrências que marcaram os últimos seis meses de caos nos aeroportos.

A cobrança pela explicitação da solução - ou pelo menos de um plano de ação - não traduz uma posição de retrovisor. Que o governo errou, e errou feio ao menosprezar os efeitos de uma crise achando que o que não concerne aos mais pobres não é problema do governo Lula, até os aliados do presidente reconhecem.

A responsabilidade pelo passivo de inépcia está estabelecida, agora é olhar para a frente.

Mas olhar adiante não implica desconsiderar a realidade. Esta não autoriza minimamente a tranqüilidade dos passageiros, seja no que tange a horários de partidas e chegadas, seja em relação à segurança dos vôos.

A confiabilidade do sistema está solapada e nada, além de discursos e garantias de oratória, foi dito ou demonstrado para se pensar em recuperação.

Ao contrário: do passado, é preciso levar em conta as repetidas vezes em que o governo se disse no controle da situação. E do presente, a frase em portunhol de Mussum -“se quedem tranquilis” - mostra o mais triste: Lula continua fazendo piada com o infortúnio alheio.

De traições

O conceito de traição pressupõe o pré-requisito da confiança. Neste aspecto, os controladores de vôo têm mais razões que o presidente Lula para se considerarem traídos, pois firmaram um acordo avalizado por Lula e, ao presidente, jamais empenharam palavra alguma sobre suas intenções.

Há meses vinham sabotando a rotina dos vôos para deixar patente a crescente insatisfação.

Se é verdade, como se alega, que o governo o tempo todo tinha perfeita noção de suas ações, não desautorizou a Aeronáutica e seguiu um roteiro previamente estabelecido, aí incluído o recuo posterior, o acordo nunca foi para valer.

Se o objetivo era ganhar tempo, os negociadores de sexta-feira embromaram seus interlocutores de negociação. Pode até valer como tática para transpor o obstáculo na emergência, mas não vale como recíproca de confiança.

“Modus operandi”

Na próxima terça-feira, dia 10, sai uma pesquisa CNT/Sensus com o registro da opinião do público sobre a crise aérea.

Caso não sejam constatadas alterações na popularidade do presidente Lula, não faltará no governo quem diga que a repercussão negativa foi obra de preconceito e que, mais uma vez, a imprensa “perdeu”.

Se, ao contrário, os índices de aceitação tiverem oscilado para baixo, aí sim, o brasileiro pode nutrir esperanças de que o presidente, finalmente, levará o assunto a sério e agirá.

No sentido de providenciar a recuperação da popularidade que, à falta de credibilidade de desempenho e de confiabilidade ética e administrativa da coalizão partidária, sustenta o governo.

À galega

A alegação do presidente de que precisa “construir uma solução” para justificar a demissão do ministro da Defesa não está à altura do apreço que Lula diz nutrir por ele.

Já não há mais saída digna possível. O ministro foi exposto ao papel de bode expiatório (sem prejuízo da inestimável contribuição de seu desempenho para tal) de uma crise de ausência geral de gestão e continua na mesma posição.


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