Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 15, 2007

DORA KRAMER Campeões de tiro no pé

Depois que o PT fez sua transposição nas águas do poder, a oposição no Brasil ficou assim: quanto mais puder ajudar o governo, melhor.

Entregou ao presidente Luiz Inácio da Silva a bandeira da estabilidade econômica, assistiu impassível à demonização das privatizações, ajudou o PT a eleger o presidente da Câmara e agora se prepara para abrir para Lula não um atalho, mas uma verdadeira avenida na qual ele, se quiser, poderá transitar em direção ao terceiro mandato.

Tucanos e pefelistas levantaram a lebre e o governo, com a autoridade de quem sempre foi contra, adotou a proposta de revogação do instituto da reeleição e vai começar a discuti-la em sua coalizão daqui a uma semana.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, inventor, avalista e beneficiário primeiro do direito a um segundo mandato, é contra. Quase voto vencido dentro do PSDB, FH alerta que, uma vez decretado o fim da reeleição, Lula poderá argumentar que foi extinta a regra pela qual foi eleito - para uma só renovação - e, portanto, o jogo está zerado: poderia concorrer sob a égide da nova norma.

Quando abriu a discussão sobre o fim da reeleição, o PSDB - com apoio do DEM (ex-PFL) - já havia feito a si o favor de reconhecer em praça pública que aquela luta de 1996 para aprovar no ano seguinte a alteração constitucional dando a Fernando Henrique o direito à reeleição era puramente casuística.

A alegação teórica da época - aperfeiçoamento democrático, equiparação à condição de países mais desenvolvidos, concessão de tempo à realização de projetos de governo - cai por terra na admissão de que o que se queria mesmo era a prorrogação relativamente segura do poder por mais um período.

Como foi eleita depois disso para a Presidência a oposição, e como para o projeto de arranjo interno das candidaturas tucanas para 2010 a reeleição tornou-se um estorvo, aposte-se na revogação da regra.

Com isso, se consolida o caráter interesseiramente provisório das relações político-institucionais brasileiras, confirma-se à sociedade que tudo não passou de um golpe de mão e se oferece ao adversário político mais um argumento para mostrar ao eleitorado que o que essa gente diz não se escreve.

Sendo assim, devolver-lhe o poder, mesmo para quê?

Em matéria de tiro no pé, trata-se de uma verdadeira obra de arte. O governo entra no debate a cavaleiro, coerente com o passado e ainda podendo assumir a paternidade de medida pretensamente moralizadora, pois, como alega a oposição, a reeleição não 'deu certo' porque permite o uso abusivo da máquina administrativa pelo governante-candidato.

Como se o abuso dos instrumentos de Estado por parte dos políticos no Brasil tivesse sido inaugurado em 1997, junto com a aprovação da emenda da reeleição.

O avesso

O governo diz que a CPI do Apagão Aéreo não é conveniente porque paralisa o Congresso.

Na verdade, governos têm horror a essas investigações pela razão oposta: CPI mobiliza em excesso o Parlamento. Para o gosto do Executivo, Legislativo bom é Legislativo inerte.

Rio 360 graus

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, na campanha eleitoral falava com segurança total sobre seus planos de combate à criminalidade. Hoje, simplesmente não sabe o que fazer, roda sobre o mesmo círculo, como denota o recurso inútil, por inexeqüível, do apelo às Forças Armadas.

Tal providência não responde a questões básicas: as Forças Armadas resolverão a corrupção na polícia? Eliminarão a infecção generalizada das relações incestuosas entre marginalidade e poder público? Resolverão as falhas da Justiça? Inibirão de maneira consistente a ousadia da bandidagem que matou 40 policiais da posse de Cabral para cá em flagrante desafio à autoridade do governador?

Não é função dos militares, assim como não é atributo deles o policiamento de rua. No máximo serão usados como instrumento de propaganda para regozijo (fugaz) da 'inteligência' zona sul que não vê as coisas como elas são, mas como suas ilusões festivas gostariam que elas fossem.

Crime e protesto

O Palácio do Planalto e os Ministérios da Justiça, da Reforma Agrária e das Cidades assistem mudos e impávidos à escalada de violação à lei nas invasões conjugadas de sem-terra e sem-teto País afora.

O silêncio no governo federal, entretanto, não é absoluto. A secretária nacional de Habitação, Inês da Silva Magalhães, se manifestou com firmeza. A favor das invasões.

'É legítimo esse tipo de manifestação que chama atenção para o diálogo e o atendimento.' Ela compara invasões de propriedades privadas aos atos de ambientalistas do Greenpeace, numa clara confusão entre crime e protesto.

Esse tipo de estrabismo cívico no cidadão comum é sinal de alienação; em representante do Estado, ou é ignorância ou é má-fé.

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