Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 05, 2007

CRISE FEITA EM CASA por Villas-Bôas Corrêa



O maior presidente da história do país desta vez acertou na mosca: a crise do apagão, que transbordou para grave problema de indisciplina militar que atinge o alto comando da Aeronáutica foi preparada, com o corte da carne, dos legumes e das batatas picadas para a fritura na cozinha do Palácio do Planalto, merecendo a estrela costurada na flâmula da herança abençoada dos quatro anos do primeiro mandato e dos três meses do bis.

A peteca quente das desculpas não sai da roda do presidente e dos vários ministros envolvidos na megaencrenca, que promete fornecer pano para as mangas.

O Ministério da Defesa foi criado no governo do antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e nunca justificou o esforço e o tempo consumidos nas longas e cuidadosas articulações preliminares. Como afirmação do poder civil, francamente dispensável. Jogada política questionável com a troca de três ministros militares por um paisano. Até aqui, nas muitas experiências, com pífios resultados.

Não é por aí que brotou e cresceu a crise, com os seus componentes perversos da tortura imposta a milhares de passageiros na espera sem fim do embarque nos vôos marcados com antecedência, a barafunda da desinformação e a carga de compromissos perdidos, noites insones, crianças, velhos, doentes submetidos ao descaso da desordem oficializada.

No rebate político, um prato cheio para a oposição. Além da queda de pernas para o ar da provável instalação da CPI do Apagão, com as borbulhas da água fervente, o tranco da inversão das posições no debate parlamentar, com a oposição passando à ofensiva e o governo acuado no canto das explicações.

Mas explicar o quê, se o governo não diz coisa com coisa. E a pilha do inexplicável fura o teto. Há mais de seis meses que a bola murcha rola nos tapetes macios do Planalto. O governo sabia que o sistema de controle aéreo nos aeroportos necessitava de cuidados urgentes, com a modernização do sofisticado equipamento, o descontentamento dos operadores civis e o desconforto dos militares.

Em mais de meio ano, nada foi feito no trajeto da irresponsabilidade e do jogo de empurra. Ninguém sai bem do episódio. No caso de Lula, apenas subiu à tona na crista das ondas da ressaca, os cacoetes do seu singular modelo de governar o país, repassando para os assessores papéis, processos e problemas, para ficar com a palavra final no discurso adornado por metáforas e imagens repolhudas. Vinha dando certo pelas linhas tortas dos remendos de emergência, com o retorno em dose dobrada, como na operação tapa-buraco da rede rodoviária em pandarecos, na reta final da campanha.

O esquema tem mais furos do que viatura policial. Ninguém sai ileso. Não se entende a passividade dos militares da Aeronáutica diante da gravidade das deficiências do controle aéreo, embora nada o que estranhar na tradicional omissão do ministro da Defesa, Waldir Pires.

A correria para apagar o incêndio não chega à borra que arde no fundo do tacho. E todas as soluções propostas, como o recuo presidencial com a decisão de apoiar o inquérito policial-militar para apurar a rebelião, como cobertor curto, cobrem a cabeça, mas deixam as pernas de fora.

Pois a crise é de governo. Do presidente em ziguezague para agradar a todos; do líder sindical que acha "grave e uma irresponsabilidade de pessoas que têm funções especiais e delicadas" a greve dos controladores de vôo.

Por aí, a coerência pede socorro. E quem é punido por irresponsável com o sofrimento de idosos, doentes, mulheres grávidas que passam a noite nas filas imensas à porta dos hospitais públicos ou dos postos de saúde para não serem atendidas e voltarem no dia seguinte?

Cesta básica engana a fome de milhões. Mas milhões continuam na fila de espera no sereno da madrugada.

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