Está para nascer o governo que receba de braços abertos uma investigação parlamentar de iniciativa da oposição. E não poderia ser mais gasta a alegação dos governantes em defesa dos investigados em potencial. Os inquéritos propostos, repete-se à exaustão, são indesejáveis não porque possam expor à luz do sol umas tantas quantas coisas pesadas que, por isso mesmo, convém ao Executivo sejam conservadas na penumbra, mas porque o desvendamento dos fatos, com a barulheira que inevitavelmente acompanha essa conflituosa exumação, é um breve contra a governança - ou por distrair a alta administração pública, que de outro modo estaria mergulhada sem cessar nos seus afazeres, ou por paralisar o processo legislativo.
Mas, agora, esse último argumento, de que o governo Lula acaba de lançar mão na sua batalha decerto perdida para impedir a decolagem da CPI do Apagão Aéreo, é especialmente risível. Dizem os planaltinos que um Congresso voltado para o que seria a apuração exaustiva da maior crise já experimentada pela aviação comercial brasileira - em clima de confronto entre situação e oposição - causaria grave dano ao interesse nacional, pois os políticos deixariam de votar as medidas provisórias e projetos de lei que compõem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “A prioridade do governo é o PAC”, diz o presidente Lula, “e a oposição quer construir uma pauta para ela, que é essa CPI, para desviar o foco do crescimento.” E exortou: “Precisamos reagir.”
À parte o fato de que o governismo já reagiu, com a despudorada e bem-sucedida operação abafa na Câmara dos Deputados - que obrigou os adversários, como último e legítimo recurso, a bater às portas do Supremo Tribunal Federal para fazer valer o direito das minorias -, não dá para levar a sério as palavras do presidente. Afinal, o que mantém o PAC atado ao papel não é a pauta oposicionista, mas o notório desempenho gerencial do lulismo, testado e reprovado em 4 anos e 100 dias de infecundos mandatos, antes de alçar a sua incompetência a alturas sem precedentes, até para os seus deploráveis padrões, precisamente no trato do descalabro aeronáutico que se arrasta desde outubro passado.
O que devia tirar o sono do presidente, se não padecesse de laborfobia, é o apagão administrativo que ele pilota e não o hipotético apagão legislativo decorrente da instalação da CPI. A parte que cabe à oposição no travamento do PAC, no âmbito legislativo, é café pequeno perto da abulia governamental, da patológica relutância de Lula a se enfronhar nas questões cuja solução exige, inescapavelmente, a palavra final do titular do Executivo e, enfim, do pensamento mágico que o possui, segundo o qual os problemas se resolvem por si mesmos. Eis por que, conforme noticiou anteontem o Estado, até na Casa Civil, chefiada pela ministra Dilma Rousseff, já se admite que cerca de 10% das 50 obras de infra-estrutura que integram o PAC estão fadadas a perecer por inanição.
Enquanto o Planalto não consegue sair da fase de “aprendizado e da percepção dos erros” - para repetir as espantosas palavras do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, no ano 5 da era Lula -, o blablablá sobre a perversão oposicionista de querer desviar o foco do crescimento ofende a inteligência do público. O foco do qual o governo quer desviar as atenções, sabotando a CPI do Apagão, do mesmo modo como sabotou, afinal em vão, a CPI dos Bingos, em 2004, não incide nem sobre as condições de trabalho ou o grau de preparo dos controladores de vôo, nem sobre a obsolescência dos equipamentos do sistema, nem mesmo sobre os investimentos de que o setor está à míngua. O medo do Planalto é que a investigação abra a caixa de Pandora que é a estatal dos aeroportos - a Infraero.
A demissão - somente agora - de quatro altos funcionários da empresa não esconde o fato de estar ela imersa numa infinidade de indícios de grossas fraudes, que assoberbam o Tribunal de Contas da União. Não que no passado a Infraero exalasse olor de santidade, mas equivale a um jumbo a cota de seus presumíveis escândalos desde que foi açambarcada pelo dispositivo petista, na gestão do político pernambucano Carlos Wilson, que hoje abrilhanta a bancada federal do PT. Se for por aí, a CPI não será a do Apagão Aéreo, mas - pior - da corrupção em terra.