Onacionalismo extremado, a xenofobia e o racismo andam sempre de mãos dadas.
Cito Le Pen por estar em plena atividade, num país como a França.
É um sujeito execrável. Fundador da Frente Nacional em 1972, foi candidato, desde então, em todas as eleições para presidente, com a exceção do pleito de 1981. Em 2002, para espanto do mundo, disputou o segundo turno com Chirac.
Sua carreira foi toda feita em cima do ódio ao imigrante e do anti-semitismo.
Ao se lançar candidato este ano, Le Pen afirmou que a imigração é “a causa essencial do empobrecimento generalizado” e prometeu implantar uma política de “preferência nacional”, caso seja eleito: “Reservaremos as ajudas sociais e as pensões sociais só para franceses”. Não, o ódio dele não é apenas contra os árabes, mas também contra os que vêm do leste europeu, de países que apenas recentemente entraram para a União Européia.
Coisa triste. Graças a Deus, ainda não temos um Le Pen brasileiro. E acredito que jamais teremos. Para cá vieram imigrantes de várias nacionalidades: aqui se estabeleceram, trabalharam, criaram os filhos. Filhos brasileiros.
Brasileiríssimos. Mas artigos como o de Nei Lopes, de sexta-feira passada, contribuem muito fortemente para a criação de um ambiente que estimula o surgimento de gente como Le Pen. Poucas vezes um artigo me fez tão mal.
“Sem mais delongas, este artigo quer dizer que o Brasil continua não apenas o ‘berço’, mas o ‘berço dourado’ dos imigrantes e seus descendentes, através das gerações. É aqui que eles crescem, estudam, progridem, tornam-se empresários bem-sucedidos, políticos, ministros, presidentes, professores universitários etc., gozando as benesses do que este país tem de melhor.” Como é que é? Agora querem nos condenar a ser imigrantes a vida inteira? Não aceito. E, tenho certeza, não aceita a totalidade dos descendentes de imigrantes. Somos brasileiros, integralmente brasileiros e não reconhecemos em ninguém o direito de apontar o dedo para nós, a partir de uma ideologia que, cada vez mais, pretende nos dividir em “etnias”, “raças”, “nacionalidades”. Nada disso. Nunca conheci um imigrante ingrato em relação ao país. Mas as benesses que os imigrantes receberam foram principalmente a acolhida de um povo cuja marca é esta: uma propensão à mistura, uma cegueira às distinções culturais, uma vontade de trocar valores.
Aqui, os imigrantes trabalharam duro, dez, doze, dezesseis horas por dia.
Meu pai começou botando um caixote de maçãs na cabeça, comprado com dinheiro emprestado, e saindo pelas ruas do centro, recitando as palavras que aprendeu com dificuldade: “Maçã, doce e baratinha”. Alguns imigrantes não conseguiram nada: fugiram da miséria em seus países e encontraram a miséria aqui. Acreditar que só existem histórias de sucesso é superestimar a capacidade alheia e menosprezar a própria. Outros conseguiram sobreviver, na dignidade de uma classe média sufocada. Outros tantos enriqueceram.
Mas não houve um deles sequer que não deixasse aqui uma descendência brasileira, brasileiríssima em todos os sentidos.
Lopes, condescendente, fala do direito constitucional dos imigrantes ter times de futebol, clubes, templos, associações e restaurantes típicos, talvez, sei lá, influenciado pelo Oktober Fest. E parece querer reivindicar o mesmo para o que ele chama de “negritude”.
O que ele deseja? Que o Brasil seja uma federação de nacionalidades? Mas, nela, quem seriam os brasileiros? Lopes ignora que 90% dos filhos de imigrantes mal conhecem a língua de seus antepassados e muito menos os costumes? Ignora que somos um povo miscigenado, em que 87% temos uma ancestralidade genômica africana maior do que 10%, algo sem paralelo no mundo? Ignora que há negros com ancestralidade genômica preponderantemente européia e brancos com ancestralidade genômica preponderantemente africana? Somos brasileiros. Somos misturados. No meu livro “Não somos racistas”, temi que políticas de preferência racial dessem no horror do ódio racial. Artigos como o de Lopes me fazem perguntar: estaremos chegando perto? Curioso é que na mesma página havia o artigo de um aliado de Lopes, Timothy Mulholland, reitor da UnB. Na visão de Lopes, ele também seria um usurpador como os outros imigrantes? Nada é simples. Timothy defende, corretamente, o direito de imigrantes africanos de estudar naquela universidade.
Lopes rejeita essa ajuda? Nada é simples. O trágico é que, na defesa da política da UnB, Timothy não se baseia na nossa tradição de acolher generosamente os que vêm de fora, mas apela para ofensas aos que, por serem antiracistas viscerais, opõem-se às políticas de preferência racial. E diz besteira.
Afirma que “os negros são facilmente reconhecidos para fins do Censo”, querendo com isso dizer que é normal o odioso tribunal racial que a UnB pôs em prática: um grupo analisa fotos para identificar quem tem “o nariz achatado, o cabelo pixaim e a pele escura”.
Mas o Censo não identifica ninguém: é o entrevistado, à revelia do entrevistador, quem declara a sua própria cor.
Ele, o defensor de um tribunal racial, ainda tem a cara-de-pau de dizer que são os opositores de políticas de preferência racial que se ombreiam com os cientistas de Hitler! Há mais: ele afirma que há uma concentração “massiva” de negros nas favelas, quando o Censo de 2000 atesta que as cores ali são divididas: 59,7% de negros e pardos e 40,3% de brancos. E, por fim, ele repele, a priori, que o monstruoso ataque aos estudantes africanos tenha sido motivado por rixas pessoais, alegando que era racismo. Pode ser. Mas que não se omita que o principal acusado se diz ele próprio negro.
É preciso serenidade. Temos de respirar fundo e repetir a eles: somos todos iguais, somos todos brasileiros, não alimentem ódios que aqui não existem.
Entrevista:O Estado inteligente
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