Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 21, 2007

Abelhas somem no Hemisfério Norte

Ambiente
Um mistério à solta no ar

Abelhas desaparecem nos EUA e na Europa,
provocando prejuízos de bilhões de dólares
a agricultores


Marcelo Bortoloti



Nada mais organizado e aparentemente tranqüilo do que uma colméia. Por isso mesmo, o fenômeno parece ainda mais assombroso. As abelhas domesticadas da América do Norte e da Europa estão desaparecendo de uma hora para outra, sem nenhum motivo aparente. Enxames inteiros somem de repente, como por encanto, e seus criadores encontram a caixa usada para a criação apenas com a abelha rainha e pouquíssimas operárias à sua volta. Na rotina diária à procura de alimento, as abelhas se afastam até 3 quilômetros de sua colônia. Ocorre que não estão voltando para casa. Também não são encontradas mortas no solo próximo às colméias. Os cientistas acreditam que elas morram pelo caminho algum tempo depois, pois uma colônia não consegue sobreviver sem sua rainha. O sumiço das abelhas foi constatado pela primeira vez em novembro do ano passado, na Flórida. Desde então, espalhou-se por 24 estados americanos e chegou ao Canadá. O mesmo vem ocorrendo na França, na Inglaterra, na Espanha e na Suíça. É comum que os apicultores percam, todos os anos, entre 10% e 20% de suas abelhas nos meses mais frios. Agora, muitos já relataram o desaparecimento de 90% de toda a sua criação. O fenômeno foi batizado por cientistas americanos de "desordem de colapso de colônias", ou CCD, na sigla em inglês.

As razões ainda são um mistério. O que há são especulações. Uma das possibilidades é que estejam sucumbindo a algum parasita desconhecido. Há outras hipóteses: o uso indiscriminado de pesticidas nas plantações, lavouras transgênicas e até o momentoso aquecimento global estão na lista de possibilidades. Ainda não se conhece a exata dimensão do problema. Os apicultores canadenses, da região do Rio Niágara, na fronteira com os Estados Unidos, relatam que perderam 80% de suas colméias. Na Califórnia, as perdas de espécimes chegam a 60%. Na Suíça, algo como 40% das abelhas sumiram. O Departamento de Agricultura dos EUA, em associação com a Universidade da Pensilvânia, criou um grupo de estudo para identificar a causa do problema. Até agora, os cientistas não apresentaram nada de conclusivo. A espécie que está desaparecendo misteriosamente tem o nome científico de Apis mellifera, originária da Europa. Ela se disseminou pelo mundo graças à ação do homem, justamente por sua importância econômica. É a abelha que fabrica mel e é bastante comum também no Brasil. Só que aqui, além da européia, há outras 2 000 espécies de abelhas selvagens na natureza. Nos EUA, a Apis mellifera é praticamente a única espécie. São 2,4 milhões de colméias criadas comercialmente, o que resultou numa população de 120 bilhões de abelhas até o fim do ano passado – esses bilhões diminuíram sensivelmente, mas não há estimativas confiáveis sobre esse total hoje. O sumiço das abelhas provocaria um colapso na produção de mel, na agricultura e também na proliferação de plantas e flores na natureza. Em resumo, um grave desastre ambiental.

As abelhas ocupam papel fundamental na agricultura (veja o quadro), pois são responsáveis pela polinização (a fecundação das plantas). Anualmente, apicultores americanos alugam 2 milhões de colméias para polinização da lavoura, deslocando os enxames de um canto a outro do país de acordo com a época de floração de cada plantação. "O principal negócio dos apicultores atualmente é o trabalho de polinização. O mel já virou um subproduto", disse a VEJA o apicultor brasileiro Paulo Roberto de Oliveira, estabelecido na Flórida. A nova praga já inflacionou o preço de locação das colméias. No ano passado, o aluguel de cada caixa com 50 000 abelhas estava na faixa de 75 dólares. Depois do CCD, aumentou para 150 dólares. A previsão é que faltem abelhas para polinização neste ano nos EUA. Somente as lavouras de amêndoa da Califórnia, responsáveis por 80% da produção mundial, necessitam de 1,4 milhão de colméias. Alguns agricultores já estão importando colônias de abelhas encaixotadas da Austrália.

Pragas que atacam esses insetos não são novidade – o que é a extensão do problema. As pragas ocorrem com freqüência e se repetiram algumas vezes ao longo dos últimos vinte anos, em diversos países. "Em 1950 havia 5 milhões de colméias nos EUA. Esse número já caiu pela metade. E nesse mesmo tempo a área das plantações aumentou. Hoje, o país precisa muito mais de abelhas", diz o pesquisador David De Jong, formado pela Universidade Cornell. Em 1987, o ácaro Varroa acabou com milhares de colméias nos EUA, na Europa e no Brasil. A abelha é um dos insetos mais sensíveis da natureza e um dos primeiros a sentir qualquer tipo de alteração no meio ambiente. Em 1986, depois do acidente nuclear de Chernobyl, milhares de abelhas começaram a morrer nos países vizinhos da antiga União Soviética. Foi um dos principais indícios que levaram pesquisadores europeus a descobrir a gravidade do desastre, que o governo russo ainda escondia do mundo. No entanto, como se disse, nunca se viu um problema com a dimensão atual. Na semana passada, congressistas americanos ouviram um grupo de especialistas em apicultura para saber a extensão dos danos e as possíveis saídas. Nada de conclusivo foi dito. As especulações são muitas, mas os alarmistas de plantão devem se conter antes de acusar o aquecimento global. Por enquanto, não há nenhum indício de que, previdentes, as abelhas tenham detectado prenúncios do cataclismo climático e se mandado.

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