Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 17, 2007

A cratera- Paulo Rabello de Castro




Folha de S. Paulo
17/1/2007

Sem licença metafórica, a maior cratera que nos engole a todos, todos os dias, é a assombradora tributação

A CRATERA que nos devora súbita e inapelavelmente é um filme de horror tornado realidade pela tragédia da última semana.
São Paulo amanheceu chorando, com a sensação irremovível de absoluta insegurança ("Também pode acontecer comigo!") típica do pavor coletivo, regado e cultivado por anos e anos de desesperança crescente nas instituições públicas, a começar pela cratera de segurança, caindo na vala da saúde, passando pelos grotões da educação pública, até cairmos no tedioso estancamento de uma economia que patina e derrapa entre paus, pedras e lama derramados morro abaixo sobre nossas cabeças. A cratera é produto da neo-anarquia que nos desgoverna.
Sem licença metafórica, a maior cratera que nos engole a todos, todos os dias, é a assombradora tributação.
Somos uma geração que não viu nada além de aumento de impostos, taxas e contribuições de toda natureza, alimentando a máquina pantagruélica do setor público.
É um fosso que cresce, como trinca tectônica, à média de um ponto percentual do PIB ao ano, há pelo menos 12 anos.
A chamada carga tributária, uma medida do peso dos impostos em relação ao que se produz anualmente no país (o Produto Interno Bruto ou PIB), indica que a inclinação de subida vem sendo dramática: de uma média de 26% do PIB até 1994, a carga de tributos no Brasil evoluiu para cerca de 38% do PIB no ano passado, ou seja, o Estado, nos seus três níveis de gastança, veio acrescentando uma carga adicional desmesurada de tributos, a cada exercício fiscal, de modo a dar saltos anuais de arrecadação, muito acima do ritmo do crescimento das atividades dos cidadãos que financiam os poderes públicos.
Mas que ritmo assustador é esse, afinal? Talvez por bloqueio psicológico, talvez por auto-engano, nunca paramos para perguntar quanto o Estado precisa sacar de cada um de nós para fazer sua própria arrecadação crescer tão rápido na participação que amealha do PIB nacional.
Mas tentemos, por uma vez, fazer essa conta. Em 2005, a carga tributária encostou em 37% do PIB. Considerando a produção nacional igual a 100, o que chamamos de governo agarrou para si 37 unidades daquele bolo de 100.
Em 2006, o tal PIB mal cresceu cerca de 2,5%, quer dizer, subiu de 100 para 102,5, descontada uma pequena inflação. Finalmente, a tributação avançou de 37% para 38% desse PIB, passando de 37 para 38,95 unidades de arrecadação.
Já podemos medir, então, o avanço real e efetivo da carga tributária: o PIB do Brasil avançou 2,5 unidades, enquanto a carga impositiva avançou 1,95 unidade. Comparando, para medir a carga, o avanço de um sobre o avanço do outro nos dá o seguinte resultado: 0,78 ou 78%. Essa é a efetiva carga tributária em 2006, aquela que os economistas chamam de carga "na margem", ou seja, a comparação do avanço das duas magnitudes.
É absolutamente relevante enunciar a carga tributária brasileira em 78%, não em 38%. Primeiro porque denuncia o que de fato sentimos: estamos todos, ou quase todos, metidos numa enorme cratera tributária. Só ela avança no país. Segundo: com uma carga de 78%, quem realizará investimentos?
Para ficar com 38% do PIB em 2006, o governo teve que comer 78% do avanço desse mesmo PIB, deixando míseros 22% com quem produziu mais. Quem avançará quando são confiscados 4/5 do avanço? Não há a menor chance de o investimento crescer significativamente, enquanto o governo morde e devora toda a margem de ganho e de lucros, sem os quais não haverá reinvestimentos.
Vêm agora os que estão no alto do buraco nos lançar cordas de resgate, como o anunciado e já adiado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que promete, entre outras bondades, selecionar quem pagará menos impostos, evidentemente à custa de empurrar mais gente e patrimônios para dentro da cratera.
Não há plano de resgate para os desesperados brasileiros, enquanto a regra principal do neo-anarquismo nacional prevalecer: o governo legislando só em interesse próprio, da sua máquina e dos seus políticos, insensível ao perigo que causa a todos com uma carga explosiva de tributos, cuja voracidade já minou as bases do progresso econômico do Brasil. Impedir que esse tatu gigante, encastelado no poder, cada vez menos representativo e legítimo, continue a cavar por debaixo de nossos pés é a única providência que nosso depauperado coletivo passivo ainda reza por ver acontecer.

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