Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 30, 2006

Vem aí mais imposto ou menos investimento Maílson da Nóbrega

BLOG NOBLAT



A Constituição de 1988 e depois dela os aumentos do valor real do salário mínimo inverteram a lógica da despesa pública no Brasil. Nos países normais, primeiro se arrecada para depois gastar. Aqui, primeiro se cria a despesa para depois aumentar a carga tributária. A voracidade não é tributária, mas da despesa obrigatória, que compromete o futuro.


Lula continuou a marcha da insensatez no salário mínimo e agora apoiou uma nova reivindicação de prefeitos, qual seja, aumentar em um ponto percentual a participação dos municípios na receita da União. Como de vezes anteriores, não haverá a correspondente transferência de responsabilidades.


O ministro Tarso Genro afirmou que a medida atende o interesse público, fortalece a Federação, ajuda a democracia e quejandos. Nada a ver. Os ganhadores serão os insaciáveis prefeitos, que se acostumaram a comparecer aos magotes a Brasília para arrancar dinheiro do governo federal, como se a grana nascesse em árvore.


O ministro precisa informar-se melhor. A medida aumentará os gastos municipais. Vai piorar a situação orçamentária. Acrescentará novas dificuldades ao crescimento. Como não dá para compensar a perda com corte de gastos federais, a benevolência desaguará em aumento de carga tributária ou redução do investimento. Esta tem sido a tragédia fiscal desde 1988.


Quem reclama da carga tributária não protestou, provavelmente por não perceber o problema. A luta, inglória, tem cabido desde 1988 aos ministros da Fazenda. Palocci conseguiu segurar a atual onda por um tempo. Com sua saída, a dupla Tarso Genro-Dilma Roussef fez a alegria dos prefeitos.


Até 1974, cabia aos Estados e Municípios 12% da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI. Subiu para 22% em 1978, 26% em 1979, 30% em 1983, 34% em 2005 e 44% em 1988, quando se destinou mais 3% para fundos regionais de desenvolvimento. Do IPI, os Estados abocanharam mais 10% para compensá-los por incentivos (?) às exportações. Para piorar, 18% da receita daqueles impostos devem ser aplicados em educação. Assim, de cada real arrecadado de IR, a União fica com 43 centavos; no IPI, são 32 centavos. Esses dois impostos, os de melhor qualidade, foram praticamente destruídos.


Viramos uma das federações mais descentralizadas do mundo, o que teria sido bom se tivesse havido uma realocação do gastos para os governos subnacionais. Aconteceu o contrário. Ao tempo em que despia o Tesouro Nacional de recursos, a cidadã ampliou substancialmente as despesas da União. Essa "festa cívica" contribuiu, juntamente com as elevações do salário mínimo, para triplicar os gastos previdenciários como proporção do PIB, o que gerou um rombo anual de mais de 5% do PIB, equivalente a dez vezes os investimentos federais em 2005.


A União foi forçada a criar tributos não partilháveis com os governos subnacionais e a aumentar as alíquotas dos existentes. Se utilizasse o IR para cobrir as novas despesas, teria que cobrar quase o dobro. No IPI, seria preciso arrecadar o triplo. Diminuiu, assim, o interesse no IR e no IP e aumentou o esforço para cobrar Pis, Cofins, CPMF, Cide. Como proporção do PIB, o IPI é um quarto do que era em 1987. Enquanto isso, a alíquota da Cofins foi multiplicada por seis e agora subiu mais ao passar a ser cobrada sobre o valor adicionado. A carga tributária se tornou caótica, saltou de 22% para 38% do PIB e se transformou em entrave ao crescimento.


É preciso evitar que a tragédia se amplie, deixando de dar aumentos reais ao salário mínimo ou eliminando sua vinculação ao piso previdenciário. É preciso barrar as investidas dos prefeitos para churrasquear ainda mais a União. E mobilizar a sociedade em prol de um profundo ajuste fiscal. O governo Lula fez exatamente o contrário, inibindo o potencial de crescimento do País. É uma pena que Alckmin tenha prometido o mesmo aos prefeitos.


Os prefeitos são um bem organizado grupo de pressão. Eles e os governadores contribuíram para o aumento dos gastos correntes a partir de 1988 e para a redução dos investimentos. A nova investida não é de interesse público (ao contrário do que diz o ministro Genro). A nova bolada tem tudo para ser gasta com funcionalismo e em obras de pouca utilidade. E ainda há quem pense que o Brasil cresce pouco por causa da política econômica. O problema é estrutural e pode piorar.


Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br

Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos honestos

PRIMEIRA LEITURA

Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos honestos
Por Rui Nogueira

Posso estar chovendo no molhado. Admito até que todos os eleitores já se considerem devidamente esclarecidos sobre três assuntos que estão correndo a internet de maneira insistente. Mas não vou me furtar a tentar contribuir para esse debate.

As caixas de correio eletrônico estão entupidas com uma mensagem que convida os eleitores a protestar, em outubro próximo, contra "tudo isso que aí está". Não gosto muito, ou não gosto mesmo nada dessa  generalização descritiva do momento político, mas vamos adiante porque o protesto é livre e na democracia é proibido proibir. O que  propõem os e-mails que proliferam em ritmo de spam eletrônico? Que os eleitores usem as urnas para votar nulo ou branco.

Alguns e-mails vêm acompanhados de raciocínios aparentemente fundamentados na legislação eleitoral, dando conta de que, se a maioria dos brasileiros votarem nulo, não apenas a eleição será anulada, como os candidatos concorrentes, "esses que aí estão", ficarão proibidos de se apresentar para a nova eleição convocada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essas mensagens atribuem o mesmo poder purificador ao voto em branco.

Um e-mail oferece como remédio para os males eleitorais a opção radical e explícita: "Não escolha nenhum, mas nenhum mesmo dos políticos já eleitos. Não reeleja nenhum deles, escolha políticos novos e sem os vícios dos que já lá estão".

Outra mensagem eletrônica, com um argumento também muito usado nas inserções partidárias que ocupam os horários especiais do rádio e da televisão, pode ser resumida na frase proclamada por uma eleitora que abrilhantou o programa que o Partido Verde (PV) levou ao ar na quinta-feira passada. Convida os eleitores a escolher apenas "pessoas honestas".

Lá vai minha colher torta de contribuição para esse debate:

Votos brancos e nulos: é um direito que assiste qualquer eleitor, mas, indiscutivelmente, votos brancos e nulos são, essencialmente, votos de fuga à responsabilidade democrática. Você não decide, mas esteja certo que alguém decidirá por você! Além do mais, na eleição proporcional (deputados), o voto nulo não conta para ninguém, é nulo mesmo, mas os votos em branco contam para os mais votados. Na eleição para presidente, prefeito e governador (cargos majoritários), votos nulos e brancos não contam para ninguém, são inválidos, mas é balela essa história de que, em uma segunda eleição, se a primeira for anulada, os candidatos da primeira não podem concorrer. Um candidato, especificamente, só fica proibido de concorrer se cometer um delito específico, que leve à anulação da eleição. Eleição anulada pela decisão majoritária do eleitor não veda a participação desses candidatos. E é sonho de uma noite de verão, pois a maioria não foge à responsabilidade democrática.

Reeleição de políticos: A recusa pura e simples em dar o voto a políticos que buscam a reeleição é forma gratuita de criminalizar a política. É, a meu ver, outra forma de lavar as mãos e, como dizem alguns eleitores sinceros nos e-mails comentados, uma maneira de "não perder muito tempo julgando os que aí estão". Chuto um exemplo abertamente: não reeleger um deputado como Cezar Schirmer (PMDB-RS) faz mal à democracia, rouba-lhe alicerces importantes para sustentar os novos valores que chegam ao Parlamento. O último presidente que convocou os eleitores a votar só "em políticos novos" ficou dois anos no Planalto. É salutar renovar, sim, mas o artificialismo com que é rejeitada a reeleição dos bons pode trazer mais prejuízos do que dividendos à democracia. É um argumento sustentado por quem já não gosta muito de política, não gosta de discutir política e se agarra facilmente ao primeiro simplismo que aparece pela frente. É um conforto, uma fórmula.

Políticos honestos: A recomendação para só escolher políticos honestos é o tipo do argumento que resolve o supérfluo, mas não atende ao essencial. É claro que ser honesto não é atributo supérfluo. O que estou dizendo é que  ser honesto é base dada e óbvia para escolhas de políticos, de médicos, de professores, de motoristas, de fiscais, de jornalistas, de garis, de tudo. Fazer profissão de fé na escolha de políticos honestos é uma pirueta mental que não tira o eleitor do lugar. Da mesma maneira que não resolve a vida de ninguém a opção pelo atendimento de um médico incompetente, porém honesto. Fora da escolha tautológica dos políticos honestos, os eleitores devem se perguntar: que políticas eu quero para o meu país, a minha cidade, o meu bairro, a minha família? Que políticos, obviamente honestos, defendem as minhas políticas? Do contrário, se as políticas públicas não forem os parâmetros, e as escolhas se reduzirem à eleição de honestos porque são honestos, recomendo ao eleitor que vote apenas se as freiras carmelitas forem candidatas a santas beatificadas pelo papa.

[ruinogueira@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 30 de abril de 2006.


AUGUSTO NUNES SETE DIAS 30 DE ABRIL JB





CLÓVIS ROSSI Cadê os empregos?

FOLHA
 SÃO PAULO - Todo mundo, em época eleitoral e até fora dela, fala de emprego/desemprego. Pena que a grande maioria só fale, posto que os principais partidos não têm estudos consistentes que examinem a questão sem simplismos ou slogans.
Imaginar, por exemplo, que crescimento apenas resolve todos os problemas é uma grande tolice. Convido o leitor a examinar dados de um setor de ponta, o eletroeletrônico, no qual os empregos são de qualidade acima da média e, portanto, os mais cobiçados.
O recém-lançado anuário da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) cobre o período 1998/2005. Em todos os itens, menos um, há números muito positivos. O faturamento, por exemplo, passou de R$ 37,4 bilhões em 1998 para R$ 92,8 bilhões em 2005, quase três vezes portanto.
Aí, entra-se no único item que caiu, justamente o emprego. Eram 142,8 mil empregados em 1998, passaram a apenas 133,1 mil em 2005. Ou, visto de outra forma, o faturamento cresce uns 150%, mas o número de empregados que gera tal faturamento cai pouco menos de 7%.
Triste, mas é da regra do jogo. O capitalismo de fato demonstrou ser superior ao comunismo, mas a vitória não o transforma em entidade de benemerência. Nele, ganha mais o capitalista que o trabalhador.
Muito bem. Passemos adiante. O número de abril da "Revista da Indústria", editada pela Confederação Nacional da Indústria, informa que, para o período presidencial a iniciar-se em 2007, será necessário criar 15 milhões de empregos.
No período que se encerra agora em dezembro, terão sido criados cerca de 4 milhões, quando seriam necessários, segundo o próprio candidato Lula, 10 milhões (no governo anterior, criou-se menos ainda).
Alguém aí ouviu alguma análise sobre a complexidade do problema emprego/desemprego/inclusão de parte dos partidos ou candidatos? Pobre Brasil.

@ - crossi@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE "Igual a mim"

FOLHA

  BRASÍLIA - Vira e mexe, alguém pergunta e se pergunta como é que pode o PT e o governo terem sido tão profundamente atingidos por "mensalão", cueca, Land Rover, Telemar e, apesar de tudo isso, Lula estar firme feito uma rocha com seus 40% de intenções de voto para a reeleição.
Um fenômeno. Mas olhar em volta pode trazer a resposta que se procura dentro do Brasil. Hugo Chávez enfrentou e enfrenta banqueiros, empresários, imprensa, igreja, universidades e boa parte da classe média da Venezuela, mas já ganhou três eleições. Evo Morales é o primeiro presidente de origem indígena eleito e empossado na Bolívia. Ollanta Humala, também de origem indígena, chegou em primeiro lugar na eleição presidencial do Peru e é favorito para o segundo turno.
O que eles têm em comum e de especial? A identidade com a maioria dos seus povos, reforçada pelo carisma pessoal e pelo discurso nacionalista, populista, antiimperialista.
É assim que, num estalar de dedos, Hugo Chávez leva milhares, milhões até, às ruas de Caracas e de todo o país a seu favor. É assim que Evo Morales vai ganhando popularidade e ampliando a confiança interna, enquanto se esvai a externa. E é assim que as denúncias, por mais consistentes, não colam em Lula e ele lidera as pesquisas. Lula não é indígena nem radicaliza no discurso. Mas tem a cara da maioria dos brasileiros.
Se há um traço comum na América Latina é a desigualdade social, com brancos, escolarizados e globalizados de um lado e mestiços, ignorantes, pobres e excluídos, de outro. Eram aqueles que faziam presidentes. São estes que começam a fazer.
Faça chuva, faça sol, pergunte-se a porteiros, peões e domésticas urbanos ou a lavradores e esfomeados rurais em quem votam no Brasil. A resposta costuma ser: "Em Lula". No Nordeste, ele está uns 40 pontos na frente do paulista Alckmin. O lema colou: "Todos roubam, mas um é diferente. É como a gente, igual a mim".

@ - elianec@uol.com.br

JANIO DE FREITAS Nos aposentos do príncipe

FOLHA

A frase pode ser vista como efeito de desconhecimento, o que me pareceria uma conclusão exagerada. Não seria de todo irreal debitá-la à perda de senso que é a megalomania do sucesso. Mas também é possível atribuí-la a impulsos paranóicos. Haverá quem a tome por leviandade demagógica, não faltará quem nela identifique apenas um deboche. Faça a seu escolha. Eis a frase, servida como complemento à advertência "tudo o que eu quero na vida é fazer comparação":
"Não queria comparar o meu governo com o governo passado, porque isso seria como um Corinthians e Íbis. Queria comparar o nosso governo com toda a República, com o mundo todo, para ver se em algum momento na história houve um governo com tanta participação dos trabalhadores".
A comparação que Lula faz todos os dias lhe parece, agora, covardia. E é. Se não perdeu de todo o senso e as medidas, e quer mesmo fazer comparações, tem duas bem à mão. Não precisa ir "a toda a República, ao mundo todo". Compare o seu governo aos frutos sociais, econômicos e institucionais dos governos de José Sarney e Itamar Franco. O primeiro foi o mais acusado de ineficiência nos últimos 40 anos, ou desde João Goulart. O outro durou apenas dois anos e teve de improvisar-se, nas urgências do pós-impeachment. Apesar disso, é com eles que Lula pode fazer a comparação esclarecedora.
Não é recomendável que a faça em público. O lugar apropriado é o recôndito dos palácios, um daqueles aposentos onde Fernando Henrique gostava de levar conhecidos para mostrar o que chamava de "os aposentos do príncipe", os seus. A finalidade da comparação não seria submeter a castigo público, como punição para a persistência em iludir platéias. Seria apenas, digamos, ortopédica: fazer o presidente da República pôr os pés no chão, como primeiro passo em direção às responsabilidades que dele o país tem esperado.
Espera que não inclui, é claro, os favorecidos com os juros lulistas, os que ganham fortunas diárias com os títulos da crescente dívida feita pelo governo Lula, os especuladores das Bolsas e os agraciados (a maioria deles ainda irrevelada) pela original política que compôs a "base governista" com a inspiração de Marcos Valério.

Mais um
A enxurrada de denúncias que desaba sobre o governo Rosinha/Garotinho contém, de fato, muita manipulação interessada ou proveniente do conhecido despreparo do jornalismo brasileiro, mas também há muitos indícios de improbidades merecedoras de investigação. Só se pode esperar investigação séria, porém, se nesse sentido houver empenho do Ministério Público. A Assembléia Legislativa fluminense já é palco para exploração política das denúncias, sobretudo por parte do PT, mas não tem estatura para ir além disso, também ela atingida por evidências desmoralizantes.
Anthony Garotinho e o governo Rosinha exibem enorme aturdimento, quase paralisados diante do poder de fogo dos seus inimigos nos meios de comunicação do Rio. Ainda não há sinais claros do possível efeito eleitoral das denúncias, considerando-se que Garotinho inquieta Lula e o PT muito mais do que Geraldo Alckmin, mas os primeiros sinais não tardam. Virão do PMDB, com a escolha do dia da convenção. Quanto mais cedo, pior para Garotinho (a menos que haja novas denúncias). E melhor para Lula ou para Itamar Franco.

LUÍS NASSIF Adolf Berle Jr. e a diplomacia do dólar

FOLHA

Os EUA passaram a se tornar a grande potência mundial quando substituíram a diplomacia das canhoneiras pela do dólar, a política infame de colonização da França e da Inglaterra pré-Segunda Guerra pela de estimuladores do desenvolvimento de seus vizinhos.
Nem sempre a política teve continuidade. Mas, neste momento de abusos de empresas brasileiras em países vizinhos, talvez valesse a pena inspirar-se na ação de Adolf Berle Jr., embaixador americano no Brasil no período Vargas-Dutra.
Em 1937, o então presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt, foi convencido de que o melhor caminho para o fortalecimento dos Estados Unidos seria contribuir para o desenvolvimento do continente, provendo recursos sem procurar interferir nas políticas locais.
Dois grupos participam dessas formulações. Um deles composto pelo subsecretário de Estado, o influente Sumner Welles, o diretor da União Pan-Americana Leo Rowe e o secretário-assistente Adolf Berle. O outro, por grandes empresários, liderados por Nelson Rockefeller, e pelo cientista social Beardsley Ruml. Berle foi escolhido para comandar a operação latino-americana, e sua indicação tinha um significado especial: ele ajudara enormemente a obter a cooperação dos empresários para o New Deal.
Figura singular, Berle era filho de um ministro e missionário leigo que trabalhou com os sioux. Tinha a idéia fixa de que as reformas de que os EUA precisavam dependiam da regeneração dos empresários, de seu compromisso com as reformas sociais.
No dia 28 de junho de 1937, Roosevelt transformou as idéias em programa de governo, o Pan-Americanismo, que, conforme a definição do cientista político Gerson Moura, iria se basear em "uma realidade fundada nos ideais comuns de organização republicana, na aceitação da democracia como um ideal, na defesa da liberdade e da dignidade do indivíduo, na crença na solução pacífica da disputa e na adesão aos princípios de soberania nacional".
O que interessa, no caso, é o papel fundamental de Berle na construção do parque brasileiro de refinarias. Berle sabia que o crescimento brasileiro sustentado dependia de uma solução para a questão dos combustíveis. Tinha vivos, na memória, os desastres ocorridos no México, na Venezuela e na Bolívia, devido a concessões quase monopolistas à indústria de petróleo americana.
O primeiro presidente do Conselho Nacional do Petróleo, general Horta Barbosa, defendia um parque de refino com capital privado nacional. Seu sucessor, coronel João Carlos Barreto, mudou o rumo da política e chegou a ser cínico, quando o advogado João Pedro Gouvêa Vieira foi denunciar que estava sendo alvo de uma proposta da Gulf Oil de se tornar seu testa-de-ferro por US$ 5 milhões:
"Isso apenas prova que você é honesto até o limite de US$ 5 milhões", conforme o próprio João Pedro me contou cerca de 14 anos atrás.
A Standard Oil fez pressão sobre o governo americano para que atuasse para reverter a política brasileira. Depois de ter registrado lucros gigantescos no Brasil, manifestava seu "receio" de que, refinando petróleo com capital nacional, o Brasil acabasse pagando um preço muito alto pelo produto. "Sua preocupação de que o Brasil pague um preço alto demais -a brasileiros- para refinar petróleo, no Brasil, parece-me simplesmente engraçada", comentou Berle, conforme registrou o historiador Stanley Hilton no livro "O Embaixador e o Presidente".
Em meados de 1945, Berle sugeriu ao Departamento do Estado a criação de uma comissão bilateral, Brasil-EUA, incumbida de vigiar as atividades de companhias estrangeiras, a fim de assegurar que, nas palavras dele, "o povo [brasileiro] receba os benefícios dos recursos". Com essa visão, apoiou o projeto do CNP de estabelecer refinarias, com capital nacional.
Acabou passando para a história como conspirador, após um controvertido discurso proferido em 29 de setembro de 1945, no Sindicato dos Jornalistas, quando defendeu claramente as eleições presidenciais marcadas para dezembro, criticou os conspiradores udenistas e advertiu os queremistas e os partidários do movimento Constituinte-com-Getúlio.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

A invasão dos bárbaros RUBENS RICUPERO

FOLHA

"O s bárbaros não vêm mais do Cáucaso ou das estepes da Ásia; eles moram agora nos bairros operários de nossas grandes cidades." Assim estigmatizava em 1831 o oficialista "Journal des Débats" a revolta dos "canuts", os tecelões de seda de Lyon. O crime dos trabalhadores era pedir salário mínimo acima dos miseráveis 18 tostões que lhes pagavam por 15 horas de trabalho. Michelet comentou que a classe operária passava a ser vista como o inimigo do interior, e sua ascensão, como a invasão dos bárbaros.
Será muito diferente a sensação das classes média e alta da América Latina ao verem que as massas já não "conhecem seu lugar" e querem ocupar o antes reservado às elites? A desigualdade gera a diferença, e esta, a estranheza. Quanto mais diferentes forem os do alto e do baixo da pirâmide, mais difícil é que se considerem membros de repúblicas que invoquem como lema a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Se na França de 130 anos atrás essa distância era abismal, como se vê em "Os Miseráveis", o que dizer do "continente da desigualdade"? Que impressão podem causar a eleição de um índio aymará na Bolívia, os movimentos indígenas que ocupam estradas e edifícios públicos no Equador, no Peru, as ações violentas dos "piqueteros" argentinos, as invasões do MST, as demonstrações de força dos camisas vermelhas de Chávez, as multidões mexicanas que vão à praça pública para apoiar López Obrador?
Basta olhar essas cenas na TV para dar-se conta de que não são "gente como uno", conforme diriam as aristocratas argentinas. Não é apenas a roupa barata, a aparência de desalinho, o estilo, a voz, o modo de falar ou andar. A cor dos rostos é outra, mais puxada ao cobre ou ao ébano, e, às vezes, os chapéus das mulheres, as crianças amarradas às costas, os ponchos coloridos, tudo trai uma cultura diversa, que se expressa em espanhol balbuciante, em quéchua ou aymará.
Na Europa do século 19, ao menos falavam todos a mesma língua e eram de cor igual. Aqui, as diferenças são muito maiores. Além disso, na Revolução Industrial européia, a economia foi aos poucos absorvendo o excesso de mão-de-obra, ajudada pela imigração para a América. Criaram-se condições para adoçar as leis trabalhistas. A situação material e social só melhorou de forma gradual. O tempo necessário para conter a impaciência das massas foi assegurado por um misto de repressão impiedosa e de leis que limitavam enormemente o direito de voto. Muitos países europeus somente chegaram ao sufrágio universal em fins do século 19, e alguns apenas na véspera da Guerra de 1914.
O que é sem precedentes na América Latina é a súbita irrupção da democracia de massas e do irrestrito sufrágio universal em momento no qual a economia gera poucos empregos produtivos e a emigração encontra barreiras crescentes. Não admira que, em país após país, os periféricos começam a organizar-se e eleger indivíduos que até podem ser populistas, oportunistas, demagogos, mas não deixam de ter o que falta aos partidos tradicionais: a capacidade de se comunicar com as massas excluídas, de emprestar-lhes voz e voto.
A chegada dos bárbaros inaugura período de desestabilização e medo, provavelmente longo. Pouco antes da sangrenta revolução de 1848, Ozanam, o mais lúcido intelectual católico democrata, fundador das conferências vicentinas, propôs num artigo: "Passemos aos bárbaros". Lembrava que, no fim do Império Romano, bispos e até papas preferiam as virtudes dos bárbaros à corrupção e amolecimento dos romanos da decadência. Não tiveram medo, foram aos bárbaros, converteram-nos e deram novo vigor ao cristianismo.
Ozanam não foi ouvido. As barricadas desencadearam o terror dos burgueses, que preferiram a ditadura de Napoleão 3º. Quase 20 anos depois, a seara foi novamente de sangue: em maio de 1871, as barricadas estavam de volta. Paris ardeu, e o Sena corria entre duas muralhas de fogo. Pereceram 20 mil "communards", 10 mil foram deportados, e os bárbaros, pacificados.
E nós, como reagiremos aos nossos bárbaros?

FERREIRA GULLAR O feitiço do Bruxo

FOLHA

Uma rápida escaramuça encrespou o meio literário quando alguém afirmou que o romance "Dom Casmurro", de Machado de Assis, não era lá essa obra-prima que se diz que é. Ao ler alguma coisa a respeito, perguntei-me se não poderia essa crítica ter algum fundamento -e fui conferir.
Fazia quase 20 anos que não relia o romance e, muito embora minha opinião sobre ele fosse a consagrada, alimentava, machadianamente, a hipótese de vê-la desmentida. Não é que eu tenha restrições ao Bruxo do Cosme Velho, mas é que, a exemplo dele, não gosto de mistificações, a verdade deve ser dita, ainda que doa um pouco. Assim, investido de total isenção, iniciei a minha releitura e, logo no primeiro parágrafo, já estava de novo enfeitiçado por sua irreverência bem-humorada. Depois de contar como ganhara o apelido de dom Casmurro, que decidira usar como título do livro, alude à hipótese de que o autor do apelido venha a julgar-se também autor do livro, e arremata: "Há livros que apenas terão isso de seus autores; alguns, nem tanto".
Como não pretendo meter-me em polêmicas alheias nem fazer uma reavaliação crítica do famoso romance, vou tentar dividir com você, leitor, as alegrias que a dita releitura me proporcionou. Mesmo que já tenha lido o romance -o que é bem provável-, não deixará de reler com prazer trechos como este:
"Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da rua de Mata-cavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857".
Como o leitor bem sabe, Bentinho, já então velho e casmurro, imaginou preencher sua solidão escrevendo talvez sobre jurisprudência, filosofia e política, mas logo desistiu e pensou em escrever uma "História dos Subúrbios", de que abriu mão por lhe faltarem documentos e datas. Restou-lhe, então, escrever sobre sua própria vida, o que implicaria contar a história de um amor nascido na adolescência, quando conheceu a menina Capitu e os dois se apaixonaram; um puro amor de crianças, que começou no quintal da casa e se alimentou dos sorrisos e olhares da menina que, segundo o agregado da família, José Dias, tinha "uns olhos de cigana, oblíqua e dissimulada".
Mas a Bentinho era difícil encontrar a definição para aqueles olhos: "Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá a idéia daquela feição nova. Traziam um não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me, tragar-me".
E, de fato, tragou-o. Tanto que tudo fez para se livrar do seminário e se entregar definitivamente à paixão de sua vida. Os ciúmes que ela lhe despertava desvaneceram-se quando os dois juraram que haveriam de se casar e viver juntos o resto de sua vida. Casaram-se e lhes nasceu um filho a que deram o nome de Ezequiel, em homenagem a Ezequiel Escobar, o melhor amigo do casal. Só que, à medida que o menino crescia, mais se parecia com o amigo e não com o pai. Bem, todo mundo já conhece essa história e, se a relembro aqui, é por ser ela a matéria amarga com que Machado inocula seu pessimismo.
"Dom Casmurro" é um livro triste que nos faz rir de nossa própria fragilidade e nos encanta por sua qualidade literária. Se é verdade que toda a obra de Machado está marcada pelo ceticismo e pela ironia, neste romance, o desencanto parece atingir seu ápice. A traição de Capitu não é uma traição qualquer: ela trai o puro amor de sua vida, a que jurara fidelidade. Aqui, o ceticismo de Machado revela-se implacável e irremissível. Que Marcela traia Brás Cubas, é compreensível; que Virgília traia Lobo Neves, é corriqueiro, mas, ao levar Capitu a trair Bentinho, Machado nos deixa em total desamparo. Não obstante, depois de tudo, nenhuma mulher levou Bentinho a esquecer Capitu, segundo ele, "a primeira amada" de seu coração. E por que? "Talvez porque nenhuma tinha olhos de ressaca e de cigana oblíqua e dissimulada." À pergunta de se a Capitu que o traiu já estava na menina da rua de Mata-cavalos, responde que sim, estava, como a fruta na casca. E conclui o livro com estas palavras ressentidas, mas desabusadas: "A minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve. Vamos à "História dos Subúrbios".
A releitura de "Dom Casmurro" levou-me a reler "Memórias Póstumas de Brás Cubas", não menos amargas, mas das quais tiro para o leitor uma frase que o faça rir: "E eu, atraído pelo chocalho de lata que minha mãe agitava diante de mim, lá ia para a frente, cai aqui, cai acolá; e andava, provavelmente andava mal, mas andava, e fiquei andando".
Pessimismos à parte, poucos escritores alcançaram, como Machado, tanta graça e mestria na arte de escrever.

Portas abertas aos ‘companheiros’ no governo

O GLOBO


Ilimar Franco

BRASÍLIA. A chegada ao poder de um militante do movimento sindical, o presidente Lula, abriu as portas do governo federal e de empresas estatais aos sindicalistas. Metalúrgicos, bancários, professores, médicos e funcionários públicos abandonaram piquetes e greves e assumiram cargos de primeiro e segundo escalão do governo petista. Foi o caso dos ex-ministros Antonio Palocci, Agnelo Queiroz, Miguel Rossetto, Olívio Dutra, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner e também do ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra. Todos chegaram com Lula ao poder. E não estão mais.

As portas também foram abertas aos sindicalistas no INSS. A carreira no movimento sindical, conforme edital de 23 de janeiro deste ano, passou a ter peso três na prova de títulos (de 20 pontos) para os 102 cargos de gerência-executiva. A alteração foi introduzida em 2003 pela diretora de Recursos Humanos do INSS, Lúcia Carvalho, que justificou a decisão afirmando que uma pessoa com um caminhão de diplomas às vezes não corresponde às necessidades gerenciais. Em 2003 a experiência sindical tinha peso um.

Sérgio Rosa, o mais poderoso depois de Lula e Marinho

Muitos sindicalistas continuam no governo ou em órgãos da administração pública: o assessor especial Luiz Gushiken, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho; o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci; o presidente do SESI, Jair Meneguelli; o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto; o integrante do Conselho de Administração de Itaipu João Vacari; e o presidente do Conselho de Administração da Petros, Wilson Santarosa, responsável ainda pela área de patrocínios da Petrobras, que tem orçamento anual de R$ 300 milhões.

Depois de Lula e de Marinho, o ex-sindicalista mais poderoso atualmente é o presidente da Previ, Sérgio Rosa, que já compunha a diretoria da entidade desde o governo passado como representante eleito dos funcionários do Banco do Brasil. Outro ex-sindicalista poderoso é Maurício França Rubens, diretor da Petros, o fundo de pensão dos empregados da Petrobras.

O Ministério do Trabalho tradicionalmente é ocupado por sindicalistas, sobretudo diretorias das Delegacias Regionais do Trabalho e da Fundacentro. Mas no governo Lula eles também estão na administração centralizada. Também vieram do movimento sindical o secretário de Relações do Trabalho, Mario dos Santos Barbosa (Metalúrgicos do ABC); o secretário-executivo, Marco Antonio de Oliveira, que foi coordenador do Departamento de Estudos Socioeconômicos e Políticos da Central Única dos Trabalhadores (Desep/CUT); o secretário de Políticas Públicas de Emprego, Remígio Todeschini (executiva nacional da CUT); e o chefe de Gabinete, Osvaldo Bargas (Sindicato dos Metalúrgicos e CUT).

Na Petrobras, sindicalistas ocupam ainda cargos de assessoria da presidência. A direção da estatal não fala do assunto, mas seus integrantes consideram que experiência sindical não é sinônimo de competência administrativa. Para que essas nomeações saíssem houve muita pressão. Petroleiros petistas enviaram documento ao então presidente do PT, José Dirceu, em novembro de 2002, pedindo nomeações políticas. "Todos os cargos estratégicos do país e da Petrobras deverão ser ocupados, pelo PT e secundariamente pelos aliados de primeira hora", diz o texto da época.

Culturobrás DANIELPIZA

Culturobrás

Sinopse

Uma das leituras mais interessantes da semana foi a pesquisa feita pela Universidade de Oxford em seis países sobre aposentadoria: Brasil, México, Estados Unidos, China, Índia e Reino Unido. O brasileiro é quem menos poupa e quem mais associa aposentadoria a tempo livre para descansar e ter vida sexual mais ativa. (Aqui caberia uma pergunta: será porque, ao contrário do que apregoa, sua vida sexual é insatisfatória? Mas este é tema para outro dia.) E o mais destoante: 52% dos entrevistados no Brasil dizem que é o governo que deve bancar a aposentadoria; na China são 34% e nos Estados Unidos, 16%. Em outras palavras, a maioria dos brasileiros quer se aposentar antes dos 60 anos para não fazer nada e às custas do governo. O futuro ideal é uma sinecura.

Essa cultura estatizante, que está sempre à espera das benesses do Estado-Mãe, é um grande fator de atraso do Brasil. Primeiro, porque impede reformas de verdade em sistemas como o previdenciário e o tributário. Temos visto na Europa - como nos protestos estudantis na França e na cisão política da Itália - a dificuldade gerada pela falta de dinamismo econômico num mundo novo de tecnologia e competição. Pois o Brasil, que gasta 10% do PIB em previdência (o dobro dos EUA), sofre dos males do Velho Mundo sem ser Velho Mundo. Ao mesmo tempo, vive a instabilidade social e financeira dos países em desenvolvimento, "emergentes". O segundo motivo é a série de valores distorcidos, a ética frouxa que cresce como capim em torno da noção de Estado como esteio.

Machado de Assis escreveu que o brasileiro tem "a bossa da ilegalidade", o gosto por driblar as regras em benefício próprio. Para muita gente, é legal ser ilegal. Isso pode ser explicado em parte pelo fato de que o Estado tem sido quase sempre ausente onde não deveria ser, como na péssima qualidade de saúde e educação; em outra parte, porque tem criado quase sempre um número excessivo e confuso de leis, que tolhem a liberdade civil e produtiva; ainda assim, não se explica tudo. Afinal, no México e na China tal contradição também ocorre, mas nem por isso seus habitantes anseiam tanto pelo seio estatal. No ambiente cultural brasileiro, mama logo se converte em mamata. Como digo há muito tempo, é esse - e não "socialismo" - o problema do PT, que critica as oligarquias e, na realidade, age igual a elas.

Não poderia ter havido melhor símbolo disso tudo que a imagem de Lula com as mãos sujas - de petróleo - na festa de "auto-suficiência" da Petrobras. A propaganda, para começo de conversa, é falsa. O Brasil não é auto-suficiente: a Petrobras continua a importar óleo leve; não tem como acompanhar um eventual ritmo maior de crescimento do PIB; e não consegue baixar os preços, sob desculpa de que são internacionalizados (desculpa que, por exemplo, não vale na Venezuela). Houve uso eleitoral do festejo, em que o diretor da estatal falou mais sobre o governo FHC do que sobre desafios da atualidade. Ninguém garante que, ao menos parcialmente privatizada, a Petrobras hoje não tivesse tido um ganho de competitividade como o da Vale e o da Embraer; além disso, ela foi, sim, beneficiada pela liberalização da distribuição no governo anterior, quando deu o salto de produção mais significativo. "Mais óleo, menos monopólio", pedia Monteiro Lobato, e até hoje continua a não ser ouvido.

O arquiinimigo de Lobato, Getúlio Vargas, é o maior ídolo do presidente Lula. Como se lê no livro recém-lançado de Boris Fausto sobre ele na coleção Perfis Brasileiros (Companhia das Letras) - ou, antes ainda, no livro Getúlio, Pai dos Pobres?, de Robert Levine -, vem dele a idéia de que o Estado é quem puxa e conduz o desenvolvimento, à frente do mercado. Seu fascismo suave (na forma, não para quem o sofreu na carne) tem antecedente no "despotismo açucarado" de Dom Pedro II (para usar a expressão de José Bonifácio), o que nenhum dos autores nota; mas marcou a mentalidade moderna do Brasil porque deu empuxo à industrialização nacional, assim como ao samba e ao futebol. Desde então não há governo neste país que não aumente a carga sobre os vagões da sociedade.

Tal cultura getulista é, para dar outro exemplo, o conceito tácito que rege movimentos como o protesto para que o governo encampe a Varig. Estando Lula impedido pelas circunstâncias do ano eleitoral, José Dirceu foi convocado para expressar essa idéia em verbo. Não importa que o setor de aviação esteja em transformação aguda, principalmente depois do 11/9, e que empresas como a Varig estejam despreparadas para uma gestão eficiente e limpa, com quantidade absurda de funcionários, pensões e desperdícios; o importante é salvá-la com dinheiro público - aquele que, sendo de todos, passa a ser de quem pegar primeiro, de quem for mais "esperto". Muitos espertos e poucos expertos, eis a fórmula da culturobrás que ainda manda no País.

CADERNOS DO CINEMA (1)

As seqüências com o esquilo e a noz em A Era do Gelo 2, especialmente a de abertura, são grandes momentos cômicos do cinema. Harold Lloyd, digamos, assinaria.

CADERNOS DO CINEMA (2)

Vi em DVD dois filmes que não tinha tido tempo de ver no cinema. Marcas da Violência, de David Cronenberg, demonstra mais uma vez a dificuldade de alguns cineastas de entrar em zonas sombrias sem ser esquemáticos; não se vai além da verificação de que o protagonista tem dupla personalidade sem nenhum conflito de ordem interior. O Mercador de Veneza, de Michael Radford, tenta ser um Shakespeare "light" e só se salva por alguns momentos de Al Pacino, especialmente no monólogo em que Shylock critica o anti-semitismo.

LÁGRIMAS

Para Muriel Spark, a ficcionista escocesa, cujas novelas combinam sofisticação e leveza de uma forma única, em que não se perde a noção trágica da vida. Meus livros preferidos são The Only Problem e Loitering with Intent.

Para Miguel Reale, criador da Teoria Tridimensional do Direito. Era muito idealista e conservador, mas ele sim - ao contrário desses professores de filosofia que como tais se intitulam - podia ser chamado de filósofo.

Para Guilherme de Brito, autor da letra musicada por Nelson Cavaquinho que diz: "Tire seu sorriso do caminho/ Que eu quero passar com a minha dor." Quem escreveu versos assim não deve mais nada aos semelhantes.

MEA CULPA

Quando citei Fiesp entre as obras de Paulo Mendes da Rocha, me referi ao trabalho que ele fez no térreo do edifício, para a Galeria do Sesi. Essa adaptação e a da Pinacoteca demonstram como respeitar as características de um espaço e ao mesmo tempo transformá-lo, unindo beleza e função.

RODAPÉ (1)

Tenho lido tantos livros sobre Stálin quanto Saddam Hussein lia - pelos motivos opostos, é claro. Ainda não terminei o de Simon Sebag Montefiore, um catatau de mais de 800 páginas, repleto de informações novas, beneficiado como foi pela abertura dos arquivos do regime soviético. Ninguém antes tinha mostrado com tantos detalhes a rotina do ditador, sua relação com a esposa e os filhos, a apropriação do patrimônio público para uso pessoal e principalmente as rodas com os companheiros, em que despachava vodcas adentro e expurgos afora. Mas ainda acho que a biografia escrita por Dmitri Volkogonov tem uma visão mais abrangente e incisiva da arquitetura do terror stalinista.

RODAPÉ (2)

Sobre Beckett, leio no Times de Londres que foi lançado o volume Beckett Remembering/ Remembering Beckett (Bloomsbury), com entrevistas dele e recordações sobre ele, e que sua irritação com os críticos que viam coisas demais em suas obras era enorme. Ele chamava isso de "herrdoktoring", a leitura academicista que lhe dava muito mais importância do que tinha; e comentou da seguinte forma uma montagem de Esperando Godot em 1971: "Eu só queria que eles parassem de me fazer dizer mais do que eu digo."

POR QUE NÃO ME UFANO

Os gastos do governo federal aumentaram 14,5% no primeiro trimestre deste ano eleitoral. Das despesas com o gabinete e as residências de Lula até as liberações de verbas e o custeio da máquina, passando pelos cartões de crédito do primeiro escalão e pelas criações de cargos e mais cargos, esse é um governo que só economiza nos investimentos importantes.

UM BRINDE

Faltei na semana passada porque nasceu meu filho, Bernardo, que teve a sorte de herdar os traços da mãe. Que seja forte como um urso e leve como o outono.

Petróleo - a história roubada

OESP

Suely Caldas*

Setenta anos separam a obsessão de Monteiro Lobato em descobrir petróleo no Brasil e o marco histórico da auto-suficiência na produção, comemorado pelo governo Lula em ato festivo, em 21 de abril, e em campanha publicitária na televisão. Ao longo desses 70 anos, três momentos foram particularmente decisivos para o País finalmente decretar o fim da dependência externa: 1) Em 1932, Monteiro Lobato criou a Companhia Petróleos do Brasil, que fracassou em todas as tentativas de encontrar óleo, mas teve o inegável mérito de lançar e difundir pelo País afora a idéia de que o extermínio da miséria e da pobreza dependia fundamentalmente do domínio na produção de combustíveis; 2) em 1954, o ex-presidente Getúlio Vargas sancionou a Lei 2.004, que criou a Petrobrás; 3) em 1974 foi descoberto o primeiro campo de óleo na Bacia de Campos, iniciando uma série de descobertas de reservas gigantes nessa bacia, essenciais para a conquista da auto-suficiência e que garantem, hoje, 85% da produção do País. Pois os três momentos mais representativos da história do petróleo no Brasil foram ignorados pelo presidente Lula e pelo presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, na festa comemorativa realizada no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Os dois escolheram o discurso político-eleitoreiro-ufanista de glórias à gestão Lula, amesquinhando o acontecimento histórico, tornando-o chulo, pequeno e medíocre. A começar pela mesa de autoridades, para a qual Lula convidou o inexpressivo senador Bispo Marcelo Crivella (PRB-RJ), candidato a governador do Rio de Janeiro, pelo único motivo de agradar e atrair um aliado para sua própria candidatura à Presidência. A apropriação política da auto-suficiência a serviço do PT e da candidatura Lula, ignorando a longa história de sua construção, foi muito além do Bispo Crivella. A lista de convidados, preparada pelo Palácio do Planalto para servir ao objetivo eleitoreiro do presidente, privilegiou sindicalistas e executivos de empresas que negociam com a Petrobrás, estes prontos para agradar a quem a dirige no momento, seja lá quem for. Ao final de seu apoteótico discurso de auto-elogios, em que fugiu do assunto alvo para falar de Fundef e outros feitos, Lula foi aplaudido por uma claque de 60 a 70 pessoas, aos gritos de "um, dois, três, Lula outra vez". Levar claque para satisfazer o próprio ego e fingir apoio popular já virou marca nas aparições públicas de Lula, mas neste caso ele extrapolou, tornou pequeno e insignificante um acontecimento sério e caro para os brasileiros, que merecia ser tratado sem partidarismo, com grandeza e dimensão histórica. Os funcionários da Petrobrás foram a grande ausência notada na festa. Presentes só diretores e alguns poucos escalados para trabalhar no evento. Até 2003 eram eleitores do PT, mas há hoje um enorme descontentamento dos funcionários com o uso político da empresa, amplificado agora com a campanha da auto-suficiência. Os anúncios na TV mencionam apenas os três últimos anos de gestão, como se tudo fosse obra de Lula e de mais ninguém. Ignoram que o ex-presidente Geisel foi fundamental porque acreditou e bancou o investimento na Bacia de Campos, que nos últimos quatro anos de FHC a produção cresceu 496 mil barris/dia e na gestão Lula, só 252 mil barris/dia. "Para quem trabalha aqui há 10, 20, 30 anos, é chocante assistir a essa usurpação política da história, o desaparecimento do esforço das pessoas que há anos trabalham duro pela auto-suficiência", desabafa um deles. Na véspera da festa, sem avisar a imprensa para não desviar o foco dos três anos de Lula, a diretoria realizou um almoço com os ex-presidentes vivos da Petrobrás. Nem todos. O último da gestão FHC, Francisco Gros, não foi convidado. "Não recebi convite escrito, telefônico ou eletrônico. Não soube deste almoço", conta Gros. No discurso que fez na festa, o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, desprezou a postura apartidária que lhe cabe como dirigente de uma empresa com 500 mil acionistas e eleitores de todos os partidos políticos para alfinetar o governo anterior. "Queriam fatiar a Petrobrás para depois privatizá-la", criticou. Francisco Gros desmente. "Nunca recebi nenhuma orientação para fatiar e vender a Petrobrás. Ao contrário, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou carta ao Congresso afirmando claramente não ser nenhuma intenção de seu governo vender a Petrobrás."

*Suely Caldas é jornalista E-mail: sucaldas@estado.com.br

O trabalho na China CELSO MING

OESP

A China é o país que mais cresce no mundo, entre 9% e 10% ao ano nos últimos quatro anos.

Uma das principais razões desse sucesso é a de que apresenta um dos mais baixos custos de mão-de-obra do planeta. É o que leva as grandes empresas a migrar para lá. O fator China está achatando os salários no mercado internacional. Cada produto chinês consumido no resto do mundo ajuda a fechar empregos e reduzir salários fora da China.

Amanhã, o Brasil comemora o Dia do Trabalhador. É uma boa hora para conferir as regras trabalhistas chinesas. Mais cedo ou mais tarde podem afetar o seu salário e o seu emprego.

A legislação trabalhista chinesa é de 1994 e se soma às exigências das leis das províncias. Mas essas leis são só referência. A vida real tem sido mais forte do que ela. Por exemplo: a jornada de trabalho prevista é de 40 horas semanais, mas, na prática, pode passar das 60 horas. O salário mínimo, previsto em lei, só é respeitado nos grandes centros urbanos, onde é de cerca de US$ 70. O professor José Pastore, especialista em questões trabalhistas, calcula que, do 1,3 bilhão de habitantes chineses, apenas cerca de 300 milhões ganham salário mínimo. Só para comparar: o salário mínimo é de quase US$ 170 no Brasil e passa dos US$ 800 nos Estados Unidos.

O advogado Rodrigo Maciel, do escritório Veirano Advogados, um dos membros do Conselho Empresarial Brasil-China, informa que, em geral, as multinacionais instaladas na China observam as leis trabalhistas, mas a maioria das empresas chinesas não paga o mínimo e é comum o empregador atrasar por meses o pagamento do salário.

Os direitos previstos na lei são poucos, o que concorre para o baixo custo trabalhista na China. O professor Pastore tem insistido que, na média, um trabalhador brasileiro custa para seu patrão o salário que recebe diária ou mensalmente mais outros 103% em encargos, férias, descanso remunerado, etc. Pelo mesmo critério de cálculo, na China esse custo adicional é de 57%. Lá, as férias são bem mais curtas, de 15 dias, não há o equivalente a décimo terceiro salário, nem ao FGTS, nem ao INSS.

Como observa o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, as empresas são obrigadas a fazer contribuições à seguridade social. Devem pagar 20% do salário do funcionário para aposentadoria; 10% para assistência médica pública e para fundo de habitação; 0,8% para auxílio-maternidade e para acidente de trabalho; e 1,5% para seguro-desemprego. Dispensar um empregado também é difícil. "Há 20 anos o chinês podia ser demitido a qualquer momento. Hoje, a demissão é processo complicado."

Engana-se quem pensa que há motivos para revolta. Apesar dos baixos salários, o trabalhador chinês tem um poder de compra relativamente elevado. Alimentação, moradia, saúde básica e ensino elementar são gratuitos ou subsidiados. Quase todas as empresas dão moradia e refeição aos funcionários. Os juros básicos estão à altura dos 5% ao ano. "A juventude chinesa, mesmo trabalhando em condições desumanas, parece satisfeita", explica Pastore. Os focos de protesto estão no interior rural.

Mas a questão da forte competitividade chinesa é mais complexa. Como alertam o diretor da Prática Chinesa da KPMG, Hsieh Yuan, e o advogado Rodrigo Maciel, os baixos custos trabalhistas dão vantagem óbvia ao produto chinês no mercado internacional, mas já não é correto afirmar que a competitividade da China é forte só porque os custos trabalhistas são baixos. Fatores como infra-estrutura eficiente, baixo custo do capital e o mercado interno gigantesco têm cada vez mais importância.

ming@estado.com.br 

FH coordenará idéias de Alckmin DORA KRAMER

OESP

dkramer@estadao.com.br

O convite formal para registro externo será feito nos próximos dias pelo presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, mas o acerto já está feito na cúpula tucana: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vai ser o homem das idéias na campanha de Geraldo Alckmin, vai coordenar o programa de governo.

Com isso, FH sai da linha direta de tiro do PT, nos dois sentidos: como estilingue e também como vidraça. Ele não estará na tropa que dará combate direto ao presidente Luiz Inácio da Silva. Na versão difundida pelos tucanos, para não "se nivelar"; na realidade, para não dar ao PT a arma da confrontação permanente e explícita entre os governos Lula e Fernando Henrique.

Menos que temor da comparação dos dados, o que move o PSDB é o propósito de evitar que o candidato em si deixe de ser o protagonista da eleição e que Lula, no lugar de enfrentar quem de fato pleiteia a Presidência da República, consiga transformar a campanha num embate entre presente e passado.

O tucanato quer falar de futuro, mas principalmente quer fugir da armadilha de ver a campanha de 2006 transformada numa reedição da de 2002, um cenário em que Lula teria mais condições de pedir ao eleitorado a renovação da esperança na mudança.

Nas avaliações internas que sustentaram a decisão de fazer de Fernando Henrique o grande mentor do conteúdo das propostas de Alckmin pesaram dois fatores: primeiro, a constatação de que o governo FH não deixou saudade e isso fica evidente nos baixos índices de preferência registrados nas pesquisas quando se apresenta o nome do ex-presidente. O PSDB acha injusto, mas não vai brigar com os fatos. O segundo, a decisão de aproveitar de Fernando Henrique o que ele tem de melhor a oferecer, substância intelectual e capacidade de formulação.

Desse modo, o PSDB não deixa de fora da cena a sua figura mais proeminente, mas também o preserva de ações agressivas, obviamente desgastantes para um ex-presidente da República. FH vai falar, e bastante, durante a campanha, mas de uma maneira que não o exponha ao bate-boca.

De acordo com a interpretação do tucanato, quando o ex-presidente exercita seus dotes analíticos com sofisticação, ele tira o PT do sério e leva Lula a reações impulsivas e irritadiças. Mas precisará fazer isso sem ceder à tentação de exibições excessivas de erudição, pois soam arrogantes e tendem a provocar solidariedade ao adversário atacado.

Fernando Henrique seria, em resumo, na idéia do PSDB, não um lutador pronto para briga de vale-tudo, mas um provocador sutil, investido da autoridade de coordenador-geral do debate das idéias contidas no programa de governo com o qual os tucanos pretendem voltar ao poder.

Em guarda

Briga de verdade com o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, diz que não quer. Mas uma farpa na forma de troco por ter sido alvo de insinuação pública de que estaria fazendo corpo mole na campanha de Geraldo Alckmin, Aécio faz questão de atirar na carótida do pefelista.

"Quem agride os outros para aparecer, sinaliza carência de outros atributos políticos. Não é o caso de César Maia, uma grande liderança no Sudeste. Aliás, se quiser vir a Minas ajudar na minha reeleição, ficarei grato em me beneficiar de sua popularidade por aqui."

O governador não tem nenhuma dúvida sobre a formalização da aliança entre PSDB e PFL e marca até a data do enlace: "Final de maio." Acha que César Maia ataca os tucanos à revelia da direção do PFL porque perdeu a condição de interlocutor privilegiado na montagem da aliança desde que não aceitou seu candidato ao governo do Rio e viu o PSDB lançar Eduardo Paes.

"Ficou sem chão agora e no ar quanto ao futuro, saiu do eixo, deixou de ser importante", resume.

Aécio Neves não aceita, de aliados nem de companheiros de partido, a alusão a um suposto, e proposital, distanciamento da campanha de Alckmin em função de seus planos - que, mineiramente, não assume - de ser candidato a presidente em 2010. Estaria, nessa versão, pouquíssimo interessado em ver eleito agora um oponente interno com direito a reeleição.

"Se isso fosse verdade eu não teria me empenhado na candidatura de José Serra ao governo de São Paulo porque, uma vez eleito, será o mais forte candidato do partido em 2010 a presidente."

Contra Alckmin? Ou o governador de Minas não tem tanta certeza assim na eleição do tucano agora?

Nem uma coisa nem outra. Aécio é daqueles que acreditam que o eleito agora não concorrerá a um segundo mandato. Seja por força de acordo interno no PSDB, seja por mudança na Constituição extinguindo o direito à reeleição.

Para demonstrar seu empenho na campanha, Aécio promete nesta semana reunir 800 prefeitos durante visita de Alckmin a Minas. E quer mais: sediar em seu Estado a convenção que oficializará a candidatura do PSDB. "Não sendo em São Paulo, pode ser em qualquer lugar. Em Minas seria o ideal."

A esquerda no poder Ives Gandra da Silva Martins

OESP

As ideologias conformam a maneira de pensar dos que a elas aderem. Seus militantes são, quase sempre, fanáticos seguidores dos pseudovalores nelas contidos. Comumente, a ideologia é a negação da "verdade real", pela adoção de uma "verdade ideal", cujo ponto de chegada exigiria algo diferente do que a natureza humana é capaz de produzir.

Por esta razão, as ideologias são de fácil defesa e de impossível implementação, porque dependem, exclusivamente, do "homem ideal" e, como dizia, Montesquieu, o homem não é confiável no poder. Desta convicção do mestre francês é que surgiu a mais bem concebida teoria da partição de poderes desde a Antiguidade clássica. Atenas já conhecera tal forma de partilha. O mestre francês, todavia, a partir das lições de Locke, concebeu, tendo em vista a fragilidade de seus detentores, uma teoria que permitia ao "poder controlar o poder".

Lord Acton, notável por sua variada experiência investigatória e reflexiva, com mais realismo, declarou que "o poder corrompe sempre e o poder absoluto corrompe absolutamente".

Isto porque quem deseja o poder deseja, mais do que servir ao povo, servir-se a si mesmo. Luta, desesperadamente, para mantê-lo e apenas se houver sobras orçamentárias é que passa a servir à sociedade, por "efeito colateral".

Das diversas ideologias, de longe as múltiplas facetas da esquerda exteriorizam uma utopia admirável e uma realidade degradante. Aqueles que as têm defendido, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, tendem a regimes de exceção, à confusão do dinheiro público com o privado, a perseguir os que pensam diferentemente, inclusive com eliminação dos adversários, e a não promover o verdadeiro bem social (patrocinam um medíocre assistencialismo), mas o bem para si mesmos. A Rússia de Stalin, a Cuba de Fidel, a Romênia de Ceausescu, a Hungria, a antiga Checoslováquia, a Alemanha Oriental e muitos outros países viveram a ascensão da esquerda, a ditadura, o assassinato institucionalizado, com o intuito de manobrar o poder, com fuzilamentos sem julgamento de adversários e uma brutal eliminação de liberdades, do respeito a direitos fundamentais, tudo coberto por uma fantástica propaganda oficial, para anestesiar a consciência popular.

É que, para a esquerda, os fins justificam os meios, mas, como os meios são os únicos instrumentos de que dispõem, no tempo, se transformam nos próprios fins.

No Brasil, a esquerda assumiu o poder. Não entro a discutir o assassinato não esclarecido de Celso Daniel, nem todos os eventos que o circundam. Não discuto também o assassinato do prefeito de Campinas. Caberá ao Ministério Público e à Justiça deslindarem o que efetivamente ocorreu. Não faço julgamentos precipitados.

O que me parece, todavia, de necessária reflexão é que, desde que o presidente Lula assumiu, há uma notável tentativa de calar a sociedade, felizmente, pelos anticorpos que a democracia brasileira já adquiriu, fracassada, até o presente.

Enumero, apenas, para caber dentro do espaço do presente artigo, algumas delas:

Calar os jornalistas por meio do Conselho Federal de Jornalismo, vinculado ao governo, que censuraria as matérias consideradas de risco para a estabilidade do governo;

Calar os artistas por meio da Ancinav, entidade que "reorientaria" a produção artística nacional no campo audiovisual;

Calar os advogados, mediante proposta de que, sempre que tivessem conhecimento, em função de sua profissão, de fatos presumivelmente delituosos, que denunciassem seus clientes;

Controlar a sociedade pela aplicação da quebra do sigilo bancário sem autorização da Justiça, por leis e atos complacentes, que vão muito além da - a meu ver - inconstitucional Lei Complementar 105/01;

Concentrar numa única pessoa todos os poderes arrecadatórios da Fazenda e da Previdência Social, instituindo-se a Super-Receita, entidade a ser criada nos moldes das pirâmides dirigentes dos regimes totalitários;

Tolerância máxima com o "estupro" da Constituição praticado diariamente pelo MST.

E poderia enumerar muitas outras demonstrações de que, na prática utilizada pela esquerda no poder, todos os fins que deseja são justificados pelos meios que utiliza, éticos ou não éticos.

A aceitação pelo governo Lula de um modelo econômico tido por membros do próprio PT como neoliberal é, de rigor, apenas um modelo de transição para o verdadeiro regime que deseja implantar, num segundo mandato. Se este ocorrer, Chávez, mais do que os empresários, Fidel Castro, mais do que o povo, Stédile e MST, mais do que os operadores do Direito, serão ouvidos por Lula. Como o Brasil, graças ao peso do empreguismo oficial de correligionários e aos custos administrativos acima da inflação de seu governo, tem progredido pouco, num período de estupenda expansão mundial, não excluo que, aos primeiros sinais de uma reversão econômica global, os bodes expiatórios apareçam para justificar os fracassos, e deverão ser aqueles que seu partido considera "a elite brasileira".

Como o barco do Brasil navega por força do "efeito maré" da economia global - apesar de mais pesado do que os outros -, será o primeiro a afundar quando o "efeito maré" acabar. E nesse momento, se reeleito o presidente Lula, estou convencido de que a caça às bruxas poderá começar, pois, segundo a esquerda, o governo não erra nunca e quem deve pagar por seus erros é sempre a sociedade. Tocqueville dizia que, "quando o passado não ilumina o futuro, o espírito vive em trevas". Se não compreendermos as lições do passado, as trevas em que vivemos preencherão o futuro.


O avanço do retrocesso Gaudêncio Torquato

OESP


Caiu a ficha. Lula sonha ser o pai do novo social-nacionalismo brasileiro. Premeditado ou não, o gesto de sujar as mãos de óleo, como fez Getúlio Vargas, que comandou a campanha "o petróleo é nosso", no início dos anos 1950, revela que o verniz populista do passado continua brilhando na cabeça do ex-sindicalista presidente. Os últimos acenos presidenciais foram ricos da simbologia varguista. Basta ver Lula atirando loas em direção ao MST e invectivas contra fazendeiros, que chamou de caloteiros em discurso no Rio Grande do Sul. Em seu primeiro governo, o ditador deu força aos trabalhadores rurais, incorporando-os à organização sindical. No segundo governo, Vargas incorporou os trabalhadores urbanos à política, nomeando sindicalistas para a direção de institutos, a ponto de ser acusado de querer instalar a República sindicalista. Já o metalúrgico que chegou à Presidência depois de anos dizendo que a CLT era o AI-5 dos trabalhadores patrocina, hoje, um dos mais sorrateiros ensaios para endurecer a legislação trabalhista, sujeitando-a aos caprichos de sindicalistas que tomaram conta da estrutura encarregada de administrar as relações do trabalho.

A sinalização mais clara nesse sentido é um projeto polêmico sobre a terceirização de serviços que o Ministério do Trabalho prepara para pôr em discussão no âmbito das centrais sindicais, que passam a ser reconhecidas oficialmente pelo governo. Como se sabe, o universo produtivo encontrou nos serviços terceirizados a ferramenta apropriada para alcançar as metas de produtividade e qualidade a custos compatíveis. No Brasil, esse campo é regulamentado pela Lei 6.019/74, que trata do trabalho temporário, e pelo Enunciado 331/93 do Tribunal Superior do Trabalho, que define atividade-meio e atividade-fim das empresas. O governo FHC, dando vazão à tendência de descompressão das relações de trabalho, que se observa em todos os quadrantes mundiais, deu ele mesmo o exemplo, enxugando a estrutura administrativa com o corte de 8,6% do número de servidores ativos (47 mil postos a menos). O governo Lula recompôs a base com a criação de 40 mil cargos.

O que está por trás disso? A pergunta inquieta o empresariado. A sensação é de que o País caminha na contramão da tendência de desregulamentação do emprego. Nos EUA e no Reino Unido, com o emprego menos regulamentado e impostos mais baixos, o desemprego é menor. O receio é que o Brasil queira imitar a França, onde uma generosa legislação trabalhista é responsável pela estagnação da economia e por uma taxa de desemprego que ultrapassa a casa dos 40% para os jovens de 18 a 25 anos das grandes cidades. Mas há casos exemplares na Europa, como o da Espanha, onde uma radical flexibilização da legislação trabalhista fez cair a taxa de desemprego, que há dez anos era de 25%, para os atuais 8%, abaixo da média européia. Essa política se ampara na idéia de que para diminuir o desemprego urge dividir o emprego existente entre o maior número de trabalhadores. Dessa forma, é melhor mais pessoas trabalhando e ganhando menos do que menos pessoas trabalhando e ganhando mais. A palavra flexibilizar, porém, deixou o dicionário petista desde que as amarras sindicais ao Estado passaram a encher os cofres.

A meta petista-lulista de resgatar o Estado paquidérmico tem que ver com a visão vertical de ocupação do poder. Nesse ponto, vale lembrar a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de que uma "sofisticada quadrilha" a serviço do PT estaria operando a máquina do Estado. Parece lógico aduzir que o ardor com que parcela do sindicalismo avança sobre a máquina gera suspeita de que a meta de partidarização do Estado continua acesa. Além do programa de desterceirização e das reformas sindical e trabalhista, cuja discussão será interrompida pelo embate eleitoral, o pacote na área trabalhista abrigaria, ainda, o combate duro a programas de formação do jovem, a partir do estágio, modalidade educacional inserida na Constituição, mas considerada como meio de precarização do trabalho na ótica de membros do Ministério Público do Trabalho. Como se sabe, o programa Primeiro Emprego do governo Lula fracassou. Cumpriu apenas 0,55% da meta de atingir 780 mil jovens em três anos. Daí não se entender por que o governo, em vez de fomentar, dá combate a formas já consagradas para inserir o jovem no mercado de trabalho.

Até parece que, perto de concluir o mandato, Lula se esforça para vestir o macacão de metalúrgico. Se a vã filosofia não explica, talvez a sábia psicologia mostre as razões para a profunda imersão de seu governo no corporativismo sindicalista. Poderia ser, por exemplo, uma forma de purgar os pecados de que é acusado, entre eles o de adotar um modelo neoliberal mais rígido que o de seu antecessor. Poderia ser, ainda, uma estratégia para se reaproximar de blocos que dele se apartaram. Ou simplesmente a tática getulista de falar para as massas, ignorando o meio da sociedade e as instituições. Seja qual for a intenção presidencial, o fato é que a encenação litúrgica em torno desse social-nacionalismo de proveta não passará batida pelo crivo de núcleos com assento na mesa de decisão, inclusive o setor político.

Lula é um comunicador capaz de expressar sandices sem passar recibo e cometer gafes sem perder o rebolado. Como mágico, junta contrários, água e óleo, pontos e contrapontos, avanço e retrocesso, modelo econômico liberal e modelo trabalhista/sindicalista autoritário. Até aí, tudo bem. Mas brincadeira tem limites. Se a foto das mãos lambuzadas de óleo tentou sugerir subliminarmente às massas que foi dom Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano, que descobriu o petróleo no Brasil, outra imagem foi sublinhada, desta feita pelos internautas. Ao lado da ilustração, um texto maldoso falando sobre a ameaça de "mais quatro anos de mãos sujas".

Quem com óleo brinca com óleo será queimado.



Temos um modelo CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO



Depois de quase 80 anos, atingimos a auto-suficiência em petróleo. Esse processo começou em 1938, com os investimentos nacionais no setor, e com a criação da Petrobras, há 50 anos.

Começou no regime autoritário, nacionalista, desenvolvimentista e trabalhista de Vargas. Continuou na ditadura e na democracia, enfrentou modelos desenvolvimentistas, reformistas e neoliberais, passou por 14 presidentes. A auto-suficiência chegou porque o Brasil persistiu.

Lamentavelmente, esse projeto nacional não se repete em outras áreas. Depois de mais de 100 anos de República, comemoramos avanços pequenos, insuficientes, muito menores do que os de outros países. Diferentemente do petróleo, vamos comemorando ficar para trás em relação ao resto do mundo.

Festejamos o fato de termos um brasileiro a bordo de uma nave russa, quando a China já lançou astronautas em suas próprias naves, os indianos se preparam para fazê-lo em breve, e outros países avançam nas pesquisas espaciais. Consideramos uma vitória termos um passageiro que comprou sua viagem, em uma nave cuja tecnologia desconhecemos, sem que tenhamos qualquer projeto para dominá-la. Não temos uma meta de auto-suficiência espacial, e aquilo que começamos há 30 anos, quando provavelmente estávamos na frente da China, não teve continuação.

Investimos na produção de ciência e tecnologia em institutos e universidades, mas de forma instável, desordenada, sem metas. Como resultado, demos passos menores do que outros países, onde existe continuidade e há metas a serem atingidas. Não somos auto-suficientes em ciência e tecnologia porque reduzimos o investimento no setor, e o apoio aos centros de pesquisas.

Comemoramos cada vez que adultos concluem seus cursos de alfabetização, mas abandonamos o projeto de erradicação do analfabetismo, iniciado em 2003. Ficou o velho trabalho paulatino de alfabetizar, sem uma meta de auto-suficiência. Chegamos a extinguir a Secretaria de Erradicação do Analfabetismo. É como se a Petrobras fosse extinta e o Brasil se preocupasse apenas em perfurar poços.

O Brasil comemora o aumento no número de matrículas, mas não busca a auto-suficiência de todas as crianças freqüentando as aulas em horário integral, e concluindo um ensino médio de qualidade. Não perseguimos metas de educação como fizemos com o petróleo.

Celebramos a expansão do Bolsa Família, quando, na verdade, seu tamanho excessivo é uma prova de fracasso social, já que a auto-suficiência do programa seria que cada vez menos pessoas precisassem dele. O programa não assegura às famílias sua auto-suficiência, que não virá da renda, mas sim da educação de suas crianças. Pior, em vez de mantermos o programa dos governos anteriores, como foi feito com a Petrobras, alteramos seus objetivos educacionais, desarticulamos a vinculação com o MEC.

Recentemente, o governo comemorou o novo salário mínimo, mas sem uma meta de recuperar seu valor, visando à auto-suficiência das famílias que vivem com ele.

Nos anos 70, demos um salto tecnológico com o uso do álcool combustível, para enfrentar a alta do preço do petróleo. Quando o preço baixou, o projeto foi reduzido, deixamos de lutar pela auto-suficiência em combustível renovável. Até mesmo as comemorações pela auto-suficiência do petróleo ignoram o fato de que ela é provisória, porque maior produção significa esgotamento mais rápido das reservas.

A auto-suficiência do petróleo merece ser comemorada, e mais, deve ser entendida e copiada. Entendida como resultado de um projeto de longo prazo, e copiada para outros setores da sociedade, da economia, da infra-estrutura. Podemos ser auto-suficientes na abolição da pobreza, na redução da desigualdade, da elevação do salário mínimo, na implantação de um sistema universal de saúde, na qualidade da educação para todas as nossas crianças.

Basta que as metas sejam definidas, que a sociedade as considere como auto-suficiências, e que os líderes dêem continuação aos programas de um governo para o outro. Como fizemos com a Petrobras.
CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).

Miriam Leitão Sem cerimônia

O GLOBO



O que espanta não é o ex-governador Garotinho ter como financiadores de campanha empresas com laranjas, sedes de fachada e que, além de tudo, são fornecedoras do governo de sua mulher. O espantoso é fazer isso agora. É muita certeza de que nada lhe acontecerá. E não acontecerá mesmo, porque a lei eleitoral não pune quem não é, oficialmente, candidato.

A esperteza permitida pela omissão da lei é esta: a Justiça Eleitoral só aceita uma investigação por abuso de poder econômico, financiamento irregular ou qualquer outro desvio quando o acusado está na condição de candidato. Neste momento, nada cabe. Tudo isso pode vir a ser considerado se ele vier, de fato, a ser candidato.

Na ausência da lei, o presidente Lula faz o que bem entende com a máquina pública. Ele pode ser apanhado apenas por propaganda extemporânea e existe até uma denúncia sendo analisada no TSE, mas o contribuinte não tem qualquer proteção contra o uso dos recursos públicos em favor de um candidato no período da pré-campanha. É por isso que finge estar ainda analisando as condições ideais, o PT finge que há ainda essa dúvida, mesmo sem ter jamais cogitado ter qualquer candidato alternativo. Só na sexta-feira, no encontro nacional do PT, partido e candidato começaram a admitir o que todos já sabem. Faz bem o ministro Tarso Genro que não toma parte na enganação geral.

Quem é presidente tem direito a tudo. Amanhã, segunda-feira, por exemplo, Lula falará em cadeia de rádio o que lhe convier. Televisões, jornais e até emissoras de rádio passarão o dia reproduzindo suas declarações, como se elas fossem fruto de apuração jornalística ou entrevista; uma informação, e não publicidade gratuita. Lula raramente, nestes quase quatro anos de governo, deu entrevistas. Não gosta do contraditório. Prefere o monólogo. Quem pode culpá-lo, se a estratégia dá certo? Se os monólogos são amplamente divulgados e ele não precisa enfrentar o constrangimento de uma pergunta inesperada?

A enorme vitrine dada, pelas circunstâncias, ao presidente-candidato-não-declarado ainda não é o suficiente. Os governantes, que concorrem a um segundo mandato ou querem favorecer seus candidatos à sucessão, têm ainda a vantagem das verbas publicitárias. Para que fazer propaganda dos governos com o nosso dinheiro? Eles argumentam que não é exatamente propaganda. É informação ao povo. Mentira deslavada e há dez mil formas de provar que é propaganda. E enganosa. Não há nada pior do que saber que nosso dinheiro é usado contra nós. Mas temos que conviver com esse desconforto nas esferas federal, estadual e municipal.

Os políticos brasileiros estão escolhendo um caminho perigoso: o de achar que tudo o que foi visto e sofrido pelo eleitor brasileiro não deixou marcas. Parecem convencidos de que o malfeito de um abona o malfeito do outro e assim sucessivamente até estarem todos absolvidos de suas faltas.

Era de se esperar que alguns políticos fossem refrear seus atos. Não por um acesso ocasional de honestidade, mas por instinto de sobrevivência. A vasta rede de corrupção montada no governo, no Congresso e nos partidos abalou a confiança do eleitor na força do voto, minou a imagem dos políticos em geral e espalhou desesperança principalmente entre os jovens. Dos brasileiros que já atingiram a idade de votar, 43,3 milhões têm 28 anos ou menos: não haviam nascido, ou estavam nascendo, quando foi revogado o AI-5. Esta geração tem paciência mais curta com os erros dos políticos, não está disposta a agüentar qualquer desaforo para manter a democracia. É natural que sejam como são, mas eles são o futuro da democracia. Os políticos deveriam temê-los.

Indiferentes aos riscos, certos políticos fazem coisas como o que vimos nos últimos dias. Fingem gastar com gasolina o equivalente a 431 idas à lua; um político cassado usa um avião fretado por um escritório de fachada; um partido aceita doações de empresas que têm como laranja um presidiário, que funcionam em sede falsa e que receberam milhões como prestadoras de serviço do governo deste mesmo partido. O que exatamente os políticos querem nos dizer com a escalada da desfaçatez?

A única resposta do Congresso ao mais vasto escândalo da nossa época foram três cassações, uma advertência verbal à deputada-dançarina e mudanças cosméticas na forma de fazer a propaganda eleitoral. Além de tímidas, embutiam um truque: as cenas da CPI podem ser consideradas imagens externas ou não? Se forem entendidas como externas, serão proibidas, para alívio do governo. Mas nada disso valerá para a atual campanha. Equivocadas ou não, propostas como proibição de externas ou de divulgação de pesquisa nos 15 dias anteriores à eleição são, antes de tudo, alteração feita durante o ano eleitoral. O TSE provavelmente vai se inclinar por não reconhecer sua validade este ano.

A Ordem dos Advogados vai decidir nos próximos dias se entra ou não com um pedido de impeachment contra o presidente Lula. Se aceitar, estará elevando ainda mais a temperatura de um ano conturbado, porque o pedido será encaminhado à Câmara dos Deputados, que dará a licença ou não. Se a OAB não aprovar o pedido, estará dando uma arma que será usada pelo governo na campanha; uma espécie de absolvição prévia.

A sem-cerimônia com que atuam alguns políticos, repetindo as mesmas práticas, refazendo os mesmos dutos, defendendo-se com os mesmos argumentos surrados — tudo é conspiração dos banqueiros, tudo é culpa da mídia, blá, blá, blá — só nos autoriza a concluir que eles perderam o senso, o tino, o juízo. A vergonha já é coisa revogada.

Vamos colaborar JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO


Empenhado em me dedicar à solucionática, em vez da problemática, tenho pensado muito em nós, como povo. É indiscutível que, com a nossa existência, como já tive oportunidade de escrever, atrapalhamos bastante o governo. Dizem que Calígula, o famoso imperador romano que nomeou seu cavalo senador (hoje não fazemos mais isso, desmando de tirano degenerado; hoje elegemos mesmo), expressou o desejo de que seu povo tivesse um só pescoço, para que ele pudesse cortá-lo logo de uma vez e, assim, resolver as chateações que ele lhe causava. Imagino que alguns dos nossos governantes se sintam de forma parecida, porque realmente "este país" ficaria bem melhor sem o povo, que só serve para reclamar e estragar as estatísticas deles.

Contudo, não quis o bom Deus dar-nos um só pescoço, de maneira que persistimos em abusar da paciência de nossos extenuados governantes. Chegamos a comentar, muito caluniosamente, que somos governados por uma quadrilha e os maldosos ainda acrescentam que essa é mais uma manifestação do complexo de inferioridade brasileiro, pois não seria uma quadrilha só, coisa de pobre, mas diversas quadrilhas de escol. É de desanimar qualquer um. Vê-se defeito em tudo e o próprio presidente, em observações notáveis para quem não ouviu nem sabe de nada, já se queixou várias vezes "deste país" ou, melhor dizendo, de características que ele enxerga (sim, carecem de fundamento os boatos de que ele sempre enxergou e ouviu mal, isso é só quando tem corrupto por perto, porque a alergia dele a esses maus elementos é tal que lhe causa surdez, miopia, astigmatismo, vista cansada e catarata) "neste país".

Agora tem gente se queixando de que os deputados usam notas frias. Antigamente era bandidagem, mas atualmente não. Se fosse, os deputados não estariam fazendo tanto uso delas. Há quem insinue que, além de falsários, são ladrões. Aonde chegaremos com esse moralismo pequeno-burguês? Nós os forçamos a essa situação e, quando eles recorrem ao antigamente reprovável expediente de fajutar notas fiscais, ficamos achando que são ladrões, assim como são seus cúmplices os encarregados de soltar o dinheiro, que não verificam as notas, e os emissores destas, que não hesitam em delinqüir. Tudo errado, tudo errado, nós é que os obrigamos a agir assim. Como em qualquer lugar do mundo, deputado tem assessor de graça, casa de graça, viagem de graça, correio de graça e mais não sei quantas coisas de graça, para segurar a merreca que lhe pagamos, suando numa semana de dois ou três dias e pegando uma grana batalhada em convocações extraordinárias e benefícios que sequer sabemos quais são, porque deputado é assim por natureza, muito discreto.

Proponho, em primeiro lugar, que o imposto de renda seja logo elevado para 50 por cento de tudo o que ganhamos, não compreendidos aí os ricos (dinheiro não traz felicidade, não sei se vocês já ouviram isso, pobre não compreende que o homem feliz é o que não tem camisa), bancos e outros que não pagam imposto de renda. É mais do que justo, meio a meio. Na verdade, eles deviam pegar mais um pouco do que esses míseros cinqüentinha, mas estamos num governo popular, que não vai atacar a bolsa do assalariado e suporta o prejuízo com resignação, ainda tendo de aturar as queixas. Quando a Câmara organizar, o que imagino que já deve estar sendo articulado, uma Comissão Parlamentar de Observação da Copa do Mundo, composta de deputados livremente eleitos por voto secreto e seus familiares, eis que a tensão de passar uma Copa longe da família pode provocar estresse, vamos demonstrar a eles nossa gratidão e nosso reconhecimento. Vamos propor recesso remunerado para a Copa e que não um mas todos os deputados desfrutem do benefício, claro que sem exageros, limitando-se as diárias, por exemplo, a uns dois mil euros, que nem dão para pagar a estada num hotel na Alemanha à altura deles.

Enquanto isso, nosso presidente faz novo sacrifício, ficando por aqui mesmo, até porque tem a campanha a cuidar e poderá observar a Copa nos 1.200 telões de plasma que o Alvorada deverá adquirir após cuidadosa licitação pública. Legislar não será problema com a ausência dos deputados, porque ele já está habituado a exercer essa função com as Medidas Provisórias. Além do mais, já conhece bem a Europa e sua família acaba de obter passaportes italianos, com a conseqüência de que, sendo casado com uma italiana, ele talvez vire italiano, quiçá uma boa para ele, pois poderá candidatar-se lá e ser o melhor governante que a Itália já teve desde Otávio Augusto. Espero apenas que a Primeira Família não tenha votado no Berlusconi e aposto que, se já tem passaporte italiano, o presidente tampouco votou nele.

Quanto a nós, o povo, inventariemos nossas bênçãos, em vez de continuar com as lamúrias de sempre. O melhor presidente que "este país" já teve (atenção: já ensinei aqui, mas ensino de novo, no interesse da brasileirada que vai à Copa: "Nosso Guia", em alemão, é "Unser Führer" , não sei se pega muito bem por lá hoje em dia, é melhor deixar para puxar o saco do Homem em português mesmo) declarou maravilhado que o Brasil está perto da perfeição em matéria de saúde. Como não tínhamos notado isso, a que ponto chega nossa ingratidão, não notando a evidência diante dos olhos dele e desmentida pela mentiralhada do povo e da imprensa inimiga da pátria? E a auto-suficiência do petróleo não nos diz nada? Ela seria atingida de qualquer forma, mas ninguém notou o lance magistral que a antecipou para agora. Crescendo a taxas ridículas, a economia brasileira manteve baixa a demanda de petróleo. Sintam a originalidade. Tivemos um crescimento mixuruca em nome de um ideal mais nobre, a auto-suficiência em petróleo. Não crescemos, mas a saúde pública é exemplar e somos auto-suficientes em petróleo, nunca estaremos satisfeitos?
JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

Merval Pereira O moralismo de Baudrillard

O GLOBO

BAKU. A derrubada das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, sempre foi uma espécie de metáfora preferida do filósofo francês Jean Baudrillard para atacar a hegemonia americana no mundo moderno. Na palestra que fez no seminário da Academia da Latinidade no Azerbaijão, Baudrillard alongou-se na análise daqueles acontecimentos que, para ele, continuam "desestabilizando todo o universo politico ou geopolítico da globalização". É também à globalização que Baudrillard atribui a crise em que ele acredita se perde a espécie humana, que "passa por um momento de pânico face à superexposição à felicidade e a esta matriz extravagante de mundo", diz o filósofo francês.

A análise de Baudrillard sobre o atual estado da civilização moderna é pessimista e ácida, recheada de um moralismo radical. Baudrillard chama a atenção para o fato de que, diante da crise de recurso naturais, as teorias econômicas estão revendo seus conceitos quanto à possibilidade de um crescimento infinito. "Mas não existe a mesma posição diante de outro postulado, o de que o homem tem uma disponibilidade infinita à felicidade e à alegria". Para ele, ninguém pode agüentar "essa excrescência, essa proliferação ao infinito, inclusive a da espécie, com seus 6 bilhões de seres humanos".

Ele vê uma situação paradoxal no fato de que "a hiperrealização dos desejos, mesmo antes que eles tenham tempo de surgir, seja a verdadeira maldição". Baudrillard diz que desde o início da civilização o gênero humano aspira acima de suas possibilidades, por uma rapidez de liberação que o leva além de si mesmo. "A aventura espacial é nada menos que metáfora extrema dessa evasão fora de seu território mental".

Essa distorção provoca, segundo ele, uma "espécie de depressão crescente, uma descompensação não por um ideal inacessível, mas por uma forma de gratificação excessiva".

Tudo se comporta na tensão entre o desejo e sua realização, entre as necessidades e sua satisfação. "Hoje, a realização imediata suplanta de longe a possibilidade de alegria de um ser humano normal", adverte Baudrillard.

E é nesse ponto, segundo Baudrillard, que se coloca a verdadeira fratura, não social, mas simbólica: diante do surgimento de uma realidade integral que absorve todas as veleidades de sonho ou de revolta. Baudrillard alista nessa ordem os "desesperos" do homem moderno:

- O desespero de ter tudo;

- O desespero de ser ninguém;

- O desespero de ser todo mundo.

E, com fina ironia, ele faz essa relação usando a língua inglesa, como a indicar que esses "desesperos" do homem moderno decorrem de uma civilização dominada pela hegemonia dos Estados Unidos. Pegando os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos como exemplos de "acontecimentos-bandidos" que vêm desafiando a humanidade, como as doenças interplanetárias, Baudrillard diz que daquele dia, o aterrorizante não é apenas a destruição material das torres do World Trade Center em Nova York, mas o acontecimento de alguma coisa que, sendo inconcebível como realidade, não faz parte mais da ficção.

Na definição do filósofo francês, a ficção dos filmes-catástrofes faz parte de nosso sistema imunológico, nos protege da realidade através de seu papel imaginário, absorve nossos fantasmas. Mas o atentado fez se transformarem em realidade todos os nossos fantasmas, tal como um sonho, como a sublimação do desejo.

A realidade só existe na medida em que podemos interferir sobre ela, diz Baudrillard, mas se surge alguma coisa que não podemos modificar, mesmo na imaginação, e que escapa a toda representação, ela simplesmente nos expulsa. Para o filósofo francês, é impossível saber o que aconteceria se apenas uma das torres fosse destruída: "A morte de uma só pode levar à more da outra. Por contágio simbólico", afirma Baudrillard.

Também seria impossível destrui-las por explosão, a partir da base, segundo a topologia normal, pelas razões técnicas corretas, diz Baudrillard, lembrando que o atentado de 1996 fracassou. "Elas não faziam parte desse espaço", afirma Baudrillard, para quem essa é uma analogia à hegemonia, que também não pode ser combatida dentro do espaço tradicional do equilíbrio de forças e da violência.

"Esse foi o golpe de gênio dos terroristas, que encontraram, para além do confronto tradicional, dentro dessa nova dimensão territorial, uma resposta à altura dessa nova força". Baudrillard diz que não é à toa que o resultado máximo obtido pelos terroristas, com meios pobres usados nesse atentado, deixa as pessoas admiradas.

"A extrema originalidade desse ato simbólico foi não apenas perverter as tecnologias mais avançadas, pegando-as ao contrário, mas adivinhar as possibilidades de um outro espaço estratégico". Em vez do choque frontal, um duelo assimétrico, que implicaria, acima da confrontação de forças, uma mudança das regras do jogo, segundo Baudrillard.

Um duelo que, com seu impacto oblíquo, tem um pouco de arte marcial, que se aproveita da força do adversário para contra-atacar com sua própria energia.

***


Depois de quase duas semanas acompanhando no Azerbaijão o seminário "Cultura da diferença na Eurásia", a convite da Academia da Latinidade, entro de férias. Volto a escrever a coluna na terça-feira 16 de maio.

sábado, abril 29, 2006

Em breve, toda a turma reunida novamente

blog noblat


Por ampla maioria, os delegados ao Encontro Nacional do PT em São Paulo acabam de conferir a Lula o que ele lhes pediu ontem: liberdade incondicional para se aliar com quem quiser nas próximas eleições.

 

Isso significa: sacrificar o PT nas eleições estaduais para atrair o apoio de outros partidos na eleição presidencial.

 

Talvez seja um pouco demais imaginar Roberto Jefferson no palanque de campanha de Lula - afinal, foi ele que rompeu com a lei mafiosa do silêncio e que estragou tudo.

 

Mas Severino Cavalcanti (PP-PE), ex-presidente da Câmara, estará lá, sim, com toda certeza - por que não? Waldemar Costa Neto, presidente do PL, aquele que renunciou para não ser cassado, também.

 

Assim como José Janene (PP-PR), se a saúde permitir. E todos os mensaleiros absolvidos pela Câmara - afinal, gente, eles foram processados, julgados, absolvidos e ponto final. São inocentes, inocentes para todos os efeitos - e não se fala mais disso.

 

José Dirceu..., esse nem se fala. Estará no palanque que ajuda a montar viajando por aí incansável, de Caracas a Juiz de Fora. Outro dia foi aplaudido por alunos de uma universidade carioca. Deu autógrafos. Virou um pop star. Com méritos. 

 

Sim, eu ía esquecendo de mencionar Palocci - ah, quanta saudade Lula sente dele, quanta falta ele faz ao país.

 

É fato que a economia não saiu dos trilhos, nem sairá. E que Lula não é maluco para romper compromissos assumidos em 2002 com os verdadeiros donos do poder.

 

Mas todos estávamos acostumados com a cara boa de Palocci, não é mesmo? Com aquela serenidade admirável, aquela extraordinária capacidade de mentir como se dissesse a mais pura verdade...

 

Bem, mas Palocci deverá ser candidato a deputado federal para ganhar imunidade e escapar de processos em instâncias inferiores da Justiça. E nessa condição, terá todo o direito de subir no palanque de Lula. Esperem para ver: será ovacionado.

 

Não posso garantir que o "nosso Delúbio" estará lá também. Mas se estiver será com discrição, talvez para segurar às escondidas a cigarrilha do chefe. No caso, o "chefe" é Lula.

 

Enfim, a turma se prepara para se reunir novamente, trabalhar junta novamente e - se Deus quiser - garantir a Lula mais quatro anos de governo.

 

Quanto ao PT, esqueça. Não se pode querer tudo ao mesmo tempo - a vitória de Lula e o resgate de um sonho que foi pelo ralo.

 

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. (Ô Genoino, cadê você? Eu vim aqui só prá te ver...)

Enviada por: Ricardo Noblat

The Crony Fairy By Paul Krugman


 
    The New York Times

    Friday 28 April 2006

    The U.S. government is being stalked by an invisible bandit, the Crony Fairy, who visits key agencies by dead of night, snatches away qualified people and replaces them with unqualified political appointees. There's no way to catch or stop the Crony Fairy, so our only hope is to change the agencies' names. That way she might get confused, and leave our government able to function.

    That, at least, is how I interpret the report on responses to Hurricane Katrina that was just released by the Senate Committee on Homeland Security and Governmental Affairs.

    The report points out that the Federal Emergency Management Agency "had been operating at a more than 15 percent staff-vacancy rate for over a year before Katrina struck" - that means many of the people who knew what they were doing had left. And it adds that "FEMA's senior political appointees ... had little or no prior relevant emergency-management experience."

    But the report says nothing about what caused the qualified people to leave and who appointed unqualified people to take their place. There's no hint that, say, President Bush might have had any role. So those political appointees must have been installed by the Crony Fairy.

    Rather than trying to fix FEMA, the report calls for replacing it with a new organization, the National Preparedness and Response Agency. As far as I can tell, the new agency would have exactly the same responsibilities as FEMA. But "senior N.P.R.A. officials would be selected from the ranks of professionals with experience in crisis management." I guess it's impossible to select qualified people to run FEMA; if you try, the Crony Fairy will spirit them away and replace them with Michael Brown. But she might not know her way to N.P.R.A.

    O.K., enough sarcasm. Let's talk about the history of FEMA.

    In the early 1990's, FEMA's reputation was as bad as it is today. It was a dumping ground for political cronies, headed by a man whose only apparent qualification for the job was that he was a close friend of the first President Bush's chief of staff. FEMA's response to Hurricane Andrew in 1992 perfectly foreshadowed Katrina: the agency took three days to arrive on the scene, and when it did, it proved utterly incompetent.

    Many people thought that FEMA was a lost cause. But Bill Clinton proved them wrong. He appointed qualified people to lead the agency and gave them leeway to hire other qualified people, and within a year FEMA's morale and performance had soared. For the rest of the Clinton years, FEMA was among the most highly regarded agencies in the federal government.

    What happened to that reputation? The answer, of course, is that the second President Bush returned to his father's practices. Once again, FEMA became a dumping ground for cronies, and many of the good people who had come in during the Clinton years left. It took only a few years to transform one of the best agencies in the U.S. government into what Senator Susan Collins calls "a shambles and beyond repair."

    In other words, the Crony Fairy is named George W. Bush.

    So what's the point of creating a new agency to replace FEMA? The history of FEMA and other agencies during the Clinton years shows that a president who is serious about governing can rebuild effective government without renaming the boxes on the organizational chart.

    On the other hand, the history of the Bush administration, from the botched reconstruction of Iraq to the botched start-up of the prescription drug program, shows that a president who isn't serious about governing, who prizes loyalty and personal connections over competence, can quickly reduce the government of the world's most powerful nation to third-world levels of ineffectiveness.

    And bear in mind that Mr. Bush's pattern of cronyism didn't change after Katrina. For example, he appointed Julie Myers, the inexperienced niece of Gen. Richard Myers, to head Immigration and Customs Enforcement - an agency that, like FEMA, is supposed to protect us against terrorism as well as other threats. Even at the C.I.A., the administration seems more interested in purging Democrats than in improving the quality of intelligence.

    So let's skip the name change for FEMA, O.K.? The United States will regain effective government if and when it gets a president who cares more about serving the nation than about rewarding his friends and scoring political points. That's at least a thousand days away. Meanwhile, don't count on FEMA, or on any other government agency, to do its job.

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