Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 13, 2006

Para inibir os sanguessugas Maílson da Nóbrega

ESTADO

Para coibir a repetição do escândalo dos sanguessugas, o mais extenso e estruturado esquema de corrupção da história do País, fala-se em uma reforma política, incluindo a disparatada proposta de uma assembléia constituinte. Dificilmente a saída será por aí.

 

A reforma política é vista como solução milagrosa contra o mensalão, os estratagemas para abocanhar recursos públicos, a compra de parlamentares e o troca-troca de partidos. Os crédulos acham que ela é a "mãe das reformas". Como quase tudo no Brasil, uma lei resolveria mazelas para lá de centenárias. Não é assim.

 

Antes de propugnar a reforma política para enfrentar a corrupção no sistema político, os seus defensores poderiam estudar a moderna teoria dos incentivos. Entre as boas fontes está o livro "The theory of incentives: the principal-agent model", de Jean-Jacques Laffont e David Martimort.

 

Ali se verá que o ser humano pode ser influenciado por uma estrutura adequada de incentivos (não os fiscais, obviamente), que o estimule ao trabalho árduo, a estudar, a poupar, a investir, a cuidar bem do dinheiro público, a fazer escolhas que aumentam o bem-estar e assim por diante. Comportamentos que reduzem o bem-estar, como o da corrupção, podem ser inibidos. Como diz o economista americano Steve Landsburg, a teoria econômica "pode ser resumida em quatro palavras: pessoas reagem a incentivos. O resto é detalhe".

 

É possível conceber instituições para criar incentivos a comportamentos desejados, mas nada indica que uma reforma política mudaria o modo de ser de políticos desonestos, pois não eliminaria os incentivos perversos que hoje os induzem à corrupção. Por exemplo, uma regra de fidelidade partidária não teria evitado a ação dos sanguessugas.
 

Em 1994, a CPI dos chamados "anões do Orçamento" resultou na cassação de vários deputados. Imaginava-se que a punição exemplar nos livraria de episódios semelhantes, mas os sanguessugas mostraram o contrário. Isso porque os incentivos perversos a tais comportamentos permaneceram intocados.

 

Dois são esses incentivos: (1) as emendas parlamentares para destinar recursos a Estados e municípios e (2) a impunidade. Uma prova da influência desta última é o recebimento da propina na própria conta dos envolvidos, de parentes e de assessores. 
 

O incentivo da impunidade dificilmente será eliminado nos próximos anos, a não ser que os culpados mofem uns bons anos na cadeia, o que não aconteceu com os anões. Por isso, passado o impacto da exposição à mídia dos então envolvidos, ressurgiram as práticas corruptas no Orçamento.

 

Caberia examinar, pois, formas de eliminar o primeiro incentivo.

A idéia de substituir as emendas individuais pelas de partidos ou bancadas estaduais não resolveria o problema. Já aprendemos que o sistema pode operar em quadrilha. A saída eficaz seria proibir emendas para apoiar atividades de competência de Estados e municípios, como praças de esporte, coretos, calçamento de ruas, postos de saúde e ambulâncias.

 

A Lei de Responsabilidade Fiscal é um exemplo de como uma medida radical desse tipo funciona. Antes, a União costumava salvar Estados e municípios da falência financeira provocada por administradores irresponsáveis, o que constituía um incentivo a esse tipo de comportamento e ao desvio de recursos públicos. Os ministros da Fazenda e do Planejamento resistiam, mas acabavam cedendo às pressões políticas.

 

A lei proibiu a União de conceder empréstimos a outros entes da Federação. Extinto o incentivo perverso, desapareceu o problema. Não se ouviu mais falar de quebra de Estado ou município. Criou-se ainda o incentivo para que os bancos se tornassem prudentes nos créditos a esses entes, pois agora podem perder o dinheiro. No passado, contavam com uma garantia implícita do governo federal.
 

A Constituição de 1988 transferiu montes de dinheiro da União para Estados e municípios. A idéia era eliminar sua dependência de recursos federais, o que não aconteceu. Ficou o hábito de pedir dinheiro a Brasília. Daí as emendas, para as quais a rigor não deveria haver justificativa. Agora, mais do que nunca, é a hora de proibi-las quando a favor de governos subnacionais.

 

Óbvio, a proibição de destinar recursos a esses governos se estenderia à União. Os convênios também têm sido fonte de corrupção.


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