Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 07, 2006

O charme obscuro Denis Lerrer Rosenfield Estado



Sonhar é belo, menosprezar um pesadelo é perigoso. Sonhar com a Cidade de Deus como sendo passível de realização na Terra acompanhou os melhores anseios da humanidade. Contudo as suas tentativas de concretização, por quem se diz representante da palavra divina, levaram aos maiores pesadelos da humanidade.

Reveladora, neste sentido, é a entrevista concedida ao Estado (30/7, A13) pela senadora Heloísa Helena, pois, em nome de um elogio ao “socialismo” enquanto “declaração de amor à humanidade”, ela simplesmente resgatou as velhas concepções que conduziram a um dos maiores desastres humanos da História, o comunismo implantado na União Soviética. Significativo foi o reconhecimento de sua filiação à IV Internacional, internacional trotskista, que orienta e serve de ponto de referência às suas ações. Normalmente muito loquaz, a senadora, instada pelo jornalista Paulo Moreira Leite, após reconhecer que a formação de seu partido foi apoiada pela IV Internacional, recusou-se a responder sobre os detalhes dessa relação. À pergunta “por quê?”, contestou simplesmente: “Porque não.” Questionada novamente, “mas não seria mais transparente?”, sua resposta foi: “Não vou dizer.” Por que, na verdade, uma tal resistência? Seria a apresentação dessas razões algo que poderia desfazer o sonho e mostrar que a tão apregoada novidade do socialismo seria nada mais que uma repetição do que já se tentou em tantos momentos da História do século 20, com resultados desastrosos em todos os lugares? Apesar de trotskistas e stalinistas se terem digladiado durante um certo período, eles são nada mais que cara e coroa de uma mesma moeda, a que nos vende o sonho e nos entrega o pesadelo, sem viagem de retorno.

Ilustrativo, neste aspecto, nessa mesma entrevista, foi seu resgate de uma máxima de Marx que seria considerada de per si evidente: “De cada um conforme suas capacidades, para cada um conforme suas necessidades.” Vejamos sua aplicabilidade. Tomemos o seguinte exemplo. Dois indivíduos, de mesma idade, levam sua vida segundo as escolhas que vão fazendo. Um é uma pessoa estudiosa, trabalhadora, que decide levar uma vida regrada, sem maiores luxos. Sua preocupação maior é com sua profissão. Opta, inclusive, por não constituir uma família, conduzindo a sua existência pela obediência a esse preceito. Suas relações amorosas seguem, assim, o princípio da não-procriação, com utilização dos mais variados meios de contracepção. Dada a sua persistência, consegue amealhar uma sólida fortuna, que lhe confere uma condição bastante boa de bem-estar material.

O outro é uma pessoa que desconsidera os estudos, achando que o melhor que teria a fazer seria dedicar-se aos amores os mais variados, ao sabor das circunstâncias e sem nenhuma preocupação relativa à contracepção. Trabalho, para ele, é um mal que deveria ser evitado na medida do possível. O resultado dessa opção é que a sua vida é financeiramente precária, não conseguindo poupar muito dinheiro. Depois de vários casos amorosos, tem filhos de diferentes relações. Quando, afinal, se consegue estabilizar, o faz com uma prole com precárias condições de vida. Sua última mulher compartilhava as suas opções de amor ilimitado ao prazer e de desprezo ao trabalho e aos seus frutos.

Duas vidas foram conduzidas segundo os preceitos por cada um escolhidos. O resultado social de ambas é muito diferente. Para quem olha de fora, pareceria que o mais trabalhador teria usurpado daquele carente os bens que deveria ter. Os mais afoitos certamente responsabilizarão o lucro e as perversões do capitalismo por essa disparidade social. O socialismo surgiria aqui como a bandeira da redenção que possibilitaria salvar pessoas que foram reduzidas a essa situação. A responsabilidade, evidentemente, não seria daqueles que, no caso, preferiram não trabalhar ou assumir responsabilidades, mas daqueles que teriam feito uma outra opção, pelo trabalho e pela responsabilidade. Numa curiosa inversão, os que poupam e fazem o País crescer se tornam pessoas que devem ser desapropriadas dos seus bens, enquanto os que se recusam a trabalhar vêm a ser os destinatários desses bens. Surge, assim, um Estado que tudo pode e tudo sabe, como se estivesse se apropriando dos atributos divinos da onipotência e da onisciência. O resultado é o sufocamento da sociedade, a abolição da propriedade privada, a supressão do Estado de Direito e a destruição da democracia representativa como aquele regime que assegura “a dominação da burguesia”.

Para os mais incrédulos, sugiro que leiam o programa do PSOL, onde essas idéias são explicitadas. O sonho adquire lá a linguagem do marxismo vulgar, do tipo de manual que formava a mente dos crentes políticos do século 20. Lá se encontram expressões e propostas como as seguintes:

Em vez da “ruptura necessária” do PT, temos agora a “ruptura sistêmica”, que levaria à “superação do capitalismo” e à implantação de uma sociedade socialista.

“Uma alternativa global para o país deve ser construída via um intenso processo de acumulação de forças e somente pode ser conquistada com um enfrentamento revolucionário contra a ordem capitalista estabelecida”, ou seja, deveriam ser criadas as condições objetivas para a instauração desse projeto, o que passa pela instabilidade institucional e pelo desrespeito sistemático à propriedade privada.

Sob essa ótica, ações como as do MST e do MLST estariam plenamente justificadas por serem os instrumentos de realização desse “socialismo bíblico”, cantado pela Comissão Pastoral da Terra e louvado pela Teologia da Libertação.

A equação, do ponto de vista “moral”, é a de que o capitalismo é igual à barbárie, pois, ao estar condicionado “exclusivamente ao lucro, ameaça a existência de qualquer forma de vida”.

Muitas “idéias” estão ainda por vir. Cuidado com a pretensa novidade!

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