Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 01, 2006

Miriam Leitão Contornar a pedra



   paneco@oglobo.com.br



Os juros vão cair hoje ao seu mais baixo nível em dez anos. Mas continuarão sendo os mais altos juros reais do mundo. Isso somado — a nossa menor taxa em dez anos e a mais alta taxa real do mundo — já mostra que o Brasil tem um problema crônico com taxa de juros que não admite simplificações. A campanha eleitoral nem de longe passa por esse problema.

Felizmente, perdemos um campeonato: o dos juros nominais. A Turquia teve aumento de juros. A turbulência dos mercados financeiros internacionais pegou a Turquia com um enorme rombo nas contas correntes. O Brasil tem superávit em conta corrente. A taxa turca foi para 17,25%, a nossa continuou caindo e eles nos passaram. Só que a inflação deles é bem maior que a nossa. A inflação brasileira veio caindo nos últimos meses. Por isso, apesar da queda de 4,5 pontos percentuais na taxa de juros desde agosto do ano passado, a taxa real continua sendo acima de 10%.

Juros servem perfeitamente para as demagogias e soluções mágicas. Toda a oposição critica a alta taxa, os mais radicais propõem soluções instantâneas, e quem está no governo fica sempre constrangido de falar do assunto. A candidata do PSOL está prometendo que, no dia seguinte à posse, vai chamar o presidente do Banco Central e mandá-lo reduzir os juros para 6%. Deveria se perguntar se é assim tão simples; por que será que ninguém pensou nisso antes. O candidato Geraldo Alckmin vai criticar os juros e prometer reduzi-los, mas terá de explicar por que o PSDB não fez isso. O presidente Lula vai argumentar que mesmo alta é a mais baixa taxa em dez anos.

Discutir seriamente o problema ninguém vai. É mais simples a explicação de que tudo é culpa do Banco Central. Os juros brasileiros são tão altos que denunciam que, por mais que as aparências enganem, alguma coisa vai muito mal na economia brasileira.

O primeiro ponto de distorção é que quem paga essa taxa de juros é o governo. Os grandes empresários e grandes fazendeiros pagam menos que isso nos seus empréstimos no BNDES e no Banco do Brasil. O empresário que for a outro banco que não o BNDES pagará muito mais. O tomador pessoa física tem juros que chegam aos três dígitos por ano.

O segundo ponto de distorção é a maldade circular: porque a dívida é alta, os juros não caem; porque os juros não caem, a dívida permanece alta. Para que o dilema se resolva, o governo vem mantendo altos superávits primários, na esperança de reduzir a relação dívida/PIB. Tudo o que tem conseguido é mantê-la em torno de 50%. Mas, em vez de fazer o superávit controlando despesas, o governo tem aumentado as despesas e a carga tributária.

Esse é o equilíbrio instável da economia brasileira: o governo aumenta a carga tributária para cobrir as despesas crescentes e ainda alimentar o superávit primário que vai manter a relação dívida/PIB estável. A médio prazo, esse tipo de arranjo é insustentável.

O Brasil nunca poderá dizer que a economia está estabilizada inteiramente enquanto carregar a marca da excepcionalidade que essa taxa de juros informa. Por isso terá de fazer o caminho contrário: cortar gastos para aumentar o superávit primário e derrubar a dívida/PIB e reduzir a carga tributária para permitir mais investimento.

A solução Alckmin não foi explicitada ainda. A solução Heloísa Helena é tão simples quanto equivocada. Um decreto presidencial derrubando a taxa de juros não precisará nem ser feito: antes disso, a dívida acaba. Haveria um movimento de fuga da dívida de tal ordem que levaria a economia ao colapso. A solução Lula tem sido deixar tudo como está e aumentar os gastos de forma irresponsável para ganhar a eleição e depois ver como é que fica.

Os dados da reportagem de José Casado publicada no GLOBO no domingo não deixam dúvidas. A austeridade fiscal foi abandonada pelo objetivo de ganhar a eleição. Além do aumento de gastos com pessoal, o governo liberou, no primeiro semestre, gastos de investimentos que são o dobro do total gasto no mesmo período do ano passado. Aprovou aumentos de salários e de gastos correntes que vão pesar no orçamento nos próximos governos. Ele ainda apresenta o número de superávit primário para garantir que é um governo austero. Mas está aumentando despesas.

Os juros cairão hoje por vários motivos: a inflação está baixa, a previsão de bancos e consultorias está em 3,77% para o ano de 2006; a turbulência financeira internacional diminuiu, ainda que a tensão política tenha aumentado; o dólar está baixo demais; o Brasil teve melhora da sua avaliação de risco por três empresas classificadoras.

Com todas essas razões, o Banco Central só não derrubará os juros se rasgar o manual de metas de inflação. A taxa deve continuar caindo nas próximas reuniões. Antes, alguns analistas achavam que, muito perto das eleições, não cairia. Mas hoje a folga é tanta, que ela pode continuar caindo apesar das eleições.

A grande dúvida permanece: quando o Brasil terá juros normais? Eles têm sido uma pedra no nosso caminho há muito tempo. Os governos não têm tido disposição de enfrentar todos os problemas e, pelo nível da campanha eleitoral, não será ainda desta vez.

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