Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 17, 2006

Metrô - uma greve contra o povo

ESTADO

Roberto Macedo

A greve que afetou o Metrô paulistano na terça-feira atingiu amplo espectro do povo da cidade, usuários ou não. Pelo critério de renda, prejudicou de ricos a pobres. Pelo critério de ocupação, causou danos a patrões, empregados, profissionais liberais e a outros que atuam por conta própria. Os grevistas e seu sindicato foram tão longe que prejudicaram a si mesmos, tamanha a repercussão negativa do movimento.

Os mais afetados foram os mais pobres ou de menor qualificação profissional, porque mais dependentes de transportes coletivos. Quem tem automóvel se atrasou, mas quem usa ônibus teve de se espremer juntamente com os que tiveram violentado seu direto de usar o Metrô, e que buscaram essa alternativa, quando disponível. Vi ônibus lotadíssimos, num desconforto imposto por outros cidadãos, e incabível numa democracia onde a direitos também devem caber obrigações e responsabilidades.

A greve foi decidida por uma minoria de metroviários numa assembléia de seu sindicato, no qual pontificam diretores que militam em partidos que se dizem defensores da "classe trabalhadora" (PCdoB, PT, PSOL, PSTU e PSB). Esse conceito se firmou nos primórdios da Revolução Industrial, sob influência da realidade de então, em que a distinção de classe emergia da grande homogeneidade desse grupo. Em geral, ele era constituído de assalariados de baixo nível educacional e de qualificação, de setores que ostentavam más condições de trabalho, como o horário excessivo e o ambiente insalubre, como na indústria têxtil, na siderurgia e na mineração. Predominavam também os conflitos entre patrões e empregados.

Na sociedade moderna os trabalhadores são um grupo muito heterogêneo, com conflitos de interesse também dentro dele, como nessa greve em que uns poucos prejudicaram os demais, e também os não-assalariados. Esse é um dos equívocos básicos desses partidos, que, a pretexto de defender uma classe difusamente definida, acham válido qualquer movimento em favor de um de seus vários segmentos, mesmo que em prejuízo dos demais e do bem comum da sociedade que todos integram.

Nesse caso, o pretexto foi criar obstáculos contra a Linha 4, em fase de contratação, cuja gestão será entregue à iniciativa privada. Nas linhas existentes, os metroviários são funcionários de uma estatal e nesse caso seu sindicato atuou com base em hipóteses, entre elas:

1) A nova linha terá menos trabalhadores por quilômetro de linha;

2) receberão menos que os das linhas atuais;

3) a qualidade dos serviços será prejudicada;

4) a tarifa será maior, pelo objetivo de lucro da concessionária e pelas cláusulas contratuais de reajuste corretivo da inflação;

5) será aberto um precedente para conceder toda a rede do Metrô à gestão privada.

Se pensarmos no interesse público, todos esses argumentos são falaciosos:

1) Sabe-se que hoje há um excesso de trabalhadores e, se a nova linha demonstrar ser possível trabalhar com menos, isso traria reflexos positivos para a produtividade, a tarifa e a capacidade de investimento do Metrô;

2) a remuneração na Linha 4 poderá ser menor ou maior, e, se menor, demonstraria que o Metrô paga salários acima do mercado para trabalhadores equivalentes;

3) a qualidade deverá ser, no mínimo, a mesma ou até maior, pois não interessa a uma empresa privada pôr em risco o seu empreendimento, ainda mais num caso em que haverá comparação com a gestão estatal;

4) o valor da tarifa poderá ser maior ou menor, dependendo do subsídio que o governo der à tarifa;

5) concessão de a toda a rede à iniciativa privada não seria necessariamente um mal, e teria de ser examinada avaliando-se também os méritos e deméritos do sistema atual, que não é isento destes, em particular o excesso de funcionários.

Para quem prefere ver para crer, uma das maiores vantagens na gestão da Linha 4 sob esse regime de concessão será criar uma competição de desempenho entre ele e o sistema estatal.

Quanto à paralisação em si, foi abusiva na sua motivação e na tática, pois o protesto poderia ter sido feito de outras formas. E, mesmo adotada essa, de maneira menos selvagem, com interrupção parcial e fora dos horários de pico.

Interessante, pelo contraste, foi a reação dos dois principais candidatos ao governo do Estado, o dono do Metrô. À nova administração estadual que virá da eleição deste ano caberá tocar a Linha 4 e lidar com os metroviários. Sem vacilar, José Serra condenou a greve, criticou sua motivação, apontou os transtornos que trouxe e defendeu o sistema de concessão que o Metrô quer adotar. Aloizio Mercadante disse que a causa é justa, criticou o "erro tático" dos metroviários, viu na concessão um modelo "desequilibrado" e defendeu a idéia de que o assunto fosse deixado para o próximo governo. Ou seja, ainda que de outro tipo, mais uma paralisação.

Mas aconteceu, e o que fazer? Os jornais anunciaram multa aplicada pela Justiça do Trabalho, no valor de R$ 100 mil, insignificante diante dos prejuízos causados e passível de recursos. Só de receita o Metrô disse que perdeu R$ 3 milhões. E houve todo o prejuízo da população, que, em tese, o sindicato responsável deveria indenizar. Vi autoridades a falar de ações, inclusive penais, voltadas para punir o abuso, mas estou numa fase em que, de tanto ver triunfar a impunidade, dou razão a um amigo jornalista que, após meio século no ramo, se diz convencido de que no Brasil "pode acontecer o que acontecer que não acontece nada".

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