Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 04, 2006

(Des)construindo a saúde LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA



Artigo -
Folha de S. Paulo
4/8/2006

EM QUALQUER ramo da atividade profissional, pública ou privada, experiência e competência são quesitos fundamentais. Na área da saúde, que lida com vidas, o rigor deve ser ainda maior, já que não há espaço para experiências ou aventuras.
O Brasil possui um dos sistemas de saúde mais democráticos do mundo, garantindo acesso a qualquer cidadão, gratuitamente, sem restrições. O SUS (Sistema Único de Saúde) foi planejado por um grupo de sanitaristas que tinham como ideal promover universalidade, eqüidade e integralidade dos serviços à população.

Acumulam-se os erros de um governo marcado por denúncias de irregularidades e desvios financeiros na condução da área da saúde

Esse sistema, ainda em fase de construção e consolidação, já apresenta resultados positivos indiscutíveis, reconhecidos internacionalmente, como é o caso dos programas de combate à Aids, referência para a OMS (Organização Mundial da Saúde), e de imunização em massa.
As conquistas da saúde brasileira se traduzem em números, como a redução da mortalidade infantil, a erradicação da poliomielite e a diminuição da incidência das doenças infecto-contagiosas, como o sarampo, ainda presente na Europa. Não é só: o Brasil é o segundo maior transplantador de órgãos do mundo, atrás dos EUA, e 90% dos transplantes são pelo SUS.
Pesquisa feita em 2003 pela OMS em 71 países comprovava a boa avaliação do sistema brasileiro pelos usuários. Dos entrevistados, 97% disseram ter recebido a devida assistência do SUS; 86% dos pacientes obtiveram todos os medicamentos prescritos.
Amanhã, em mais um Dia Nacional da Saúde, forçoso é reconhecer que o muito já feito ainda não é suficiente, e que alguns aspectos do SUS carecem de revisão imediata, correções e redefinição de prioridades. Preocupa-nos constantes equívocos gerenciais do governo federal, na atual gestão, que vem enfraquecendo alicerces da saúde pública e desconstruindo políticas e programas exitosos.
Não parece ser prioridade da União o fundamental aporte de recursos financeiros à área da saúde. Tanto que houve tentativa de remanejamento de R$ 2,1 bilhões do orçamento da Saúde de 2006 para outras áreas. A participação proporcional do governo federal no financiamento do SUS vem caindo ano a ano, na comparação com os investimentos de Estados e municípios. E a regulamentação da emenda constitucional nº 29, bandeira de todos os partidos para garantir a aplicação de recursos mínimos em saúde, foi barrada pelo atual governo.
No Ministério da Saúde, equívocos sucessivos. A começar pela assistência farmacêutica. A atual gestão, em vez de ampliar o financiamento de medicamentos, centrou esforços na Farmácia Popular, vendendo remédios com desconto, o que contraria o próprio princípio de direito universal à saúde do SUS. O programa é insustentável e caro para o governo, já que, para cada unidade de remédio vendido, gasta-se até 18 vezes o valor desembolsado em licitações para programas de distribuição gratuita.
O premiado programa de Aids brasileiro corre risco de colapso. Não houve empenho por novas quebras de patentes nem incentivos à produção nacional de genéricos que permitissem redução de custos com importações. Os custos estratosféricos podem tornar o programa insustentável. Na área de prevenção e promoção da saúde, quase nenhum avanço. O combate ao consumo excessivo de álcool, com restrição da propaganda de bebidas e outras medidas fundamentais, não saiu do papel.
O Ministério da Saúde também rompeu com o bem-sucedido programa de mutirões de cirurgia, criando um sistema burocrático que causou perplexidade na população e a reação dos médicos. O governo recuou, mas a lentidão para retomar os procedimentos é notória. No Estado de São Paulo, cerca de 80 mil pessoas aguardam autorização do ministério para serem submetidas a cirurgias.
Atrasos no envio de vacinas aos Estados, remessas irregulares dos medicamentos contra HIV, falhas ao distribuir preservativos e kits para diagnóstico laboratorial da dengue, falta de empenho na cobrança do ressarcimento dos planos de saúde ao SUS. Acumulam-se os erros de um governo marcado por denúncias de irregularidades e desvios financeiros na condução da saúde. "Vampiros", "sanguessugas" e demais parasitas têm devastado recursos da saúde em um governo que não consegue ou não quer estancar a roubalheira instalada no setor. Não dá mais. É preciso, no mínimo, seriedade e bom senso no trato das questões que impactam diretamente a saúde e a qualidade de vida de todos brasileiros.

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA , 53, médico sanitarista, é secretário de Saúde do Estado de São Paulo

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