Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 10, 2006

Celso Ming - As amarras do camelo





O Estado de S. Paulo
10/8/2006

Confie em Alá, mas amarre bem o seu camelo - aconselha um velho ditado árabe.
Para o ex-ministro Delfim Netto, a impressionante melhora das contas externas da economia brasileira foi um "presente de Deus". Admitamos que tenha sido. Mas teria essa fé inquebrantável melhorado a vida brasileira se a política econômica, deste governo e do anterior, não tivesse cuidado também da firmeza das amarras? Tantas outras chuvas de maná caíram do céu e não foram aproveitadas...
Ontem o prêmio de risco Brasil caiu a seu menor nível histórico: 208 pontos. Prêmio de risco é a remuneração extra que o investidor estrangeiro exige para ficar com um título de dívida externa que inclua risco de calote. Por aí se vê que, quanto mais baixa a percepção de risco do título, menor o prêmio cobrado.
O pico do prêmio de risco Brasil aconteceu em setembro de 2002, às vésperas das eleições que conduziram o então candidato Lula à Presidência. Foi quando esse prêmio chegou a 2.443 pontos. Esse número indicava que o credor só se predispunha a ficar com um título da dívida brasileira se lhe fossem pagos 24,43 pontos porcentuais acima do rendimento proporcionado pelo T-Bond de 30 anos, de emissão do Tesouro americano, o título mais confiável do mundo. Isso dava algo ao redor dos 28% ao ano.
Se está agora nos 208 pontos, o prêmio de risco é de 2,08 pontos porcentuais ao ano acima do rendimento do T-Bond, que vai oscilando em torno dos 5% ao ano.
Só para comparar, confira os prêmios de risco cobrados de outros países emergentes: Argentina, 318; Colômbia, 178; Egito, 97; Equador, 474; México, 115; Marrocos, 91; Panamá, 188; Peru, 133; Polônia, 63; Rússia, 105; Turquia, 158; e Venezuela, 189.
O prêmio de risco não é o único indicador do estado de saúde das contas externas brasileiras.
Ele se expressa também pela queda da relação dívida externa líquida e exportações, que era de 3,6 em 1999 e deve fechar este ano por volta de 0,6. Outro indicador é o forte superávit em conta corrente que era negativo em 1999 e será positivo neste ano, por volta dos US$ 44 bilhões. É preciso reconhecer que um punhado de fatores externos favoráveis, que nada tiveram com a atuação do governo brasileiro, criou as condições para que isso acontecesse. Eis alguns deles: o forte crescimento da economia mundial; o surgimento de um novo pólo de desenvolvimento no mundo, que inclui China, Índia, Coréia do Sul, Rússia e mais alguns asiáticos; a difusão de Tecnologia da Informação, que comprimiu os custos de produção; e o bem-sucedido arranjo simbiótico entre Estados Unidos e China que tem garantido cobertura para os dois grandes rombos da economia americana (o déficit externo e o déficit orçamentário).
Mas, para além das boas graças de Alá, foi posta em prática uma complexa operação amarracamelo. Desde 1999, o governo tratou de garantir um superávit primário que agora é de 4,25% ao ano (R$ 90 bilhões) para abater a dívida interna. A dívida pública, que já ultrapassou os 60% do PIB, hoje está por volta de 50%; entre 2003 e maio de 2006, Tesouro e Banco Central compraram US$ 45,4 bilhões em moeda estrangeira no câmbio interno; de devedor líquido, o Brasil passou a emprestador líquido de dólares para os países ricos, especialmente para os Estados Unidos. Isso não é suficiente, mas não é pouco.
Muito vai sendo dito a respeito do risco de enormes trombadas na economia mundial: estouros calamitosos de bolhas; aterrissagens desastradas; petróleo a mais de US$ 100 por barril; juros básicos americanos no 8º andar; novos atentados terroristas; revide a eventual estouro de bomba iraniana; e coisas assim, do final dos tempos.
Tudo isso seria praga mandada do céu e não mais presente.
Mas uma coisa é passar por essas calamidades com o camelo solto e outra, totalmente diferente, com o camelo bem amarrado. 

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