Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 02, 2006

Villas-Bôas Corrêa O governo abre o cofre

no mínimo

02.06.2006 | Se fosse possível levar a sério o que o presidente-
candidato diz nesta fase em que briga com a evidência nas repetidas
desculpas de que ainda não decidiu se disputará a reeleição, o PT
estaria em polvorosa com o pito, recheado da ameaça do “vou para casa
com índices de aprovação confortáveis”, caso o partido em crise não
se acerte com o PMDB, o novo aliado perfeito para o acasalamento não
apenas na caça ao voto, mas no exercício do bis do mandato.

A história do encontro de Lula com lideranças petistas é contada, com
riqueza de detalhes, pelo repórter Josias de Souza, no seu blog na
“Folha de S.Paulo”. E a pouca importância que os repreendidos como
meninos de escola deram ao puxão de orelha do chefe explica o
silêncio que preservou o bate-papo por duas semanas.

Todo o enredo dos acertos entre Lula e o PMDB cabe no ensaio que
salta por cima da troca de desaforos do passado recente impulsionado
pela recíproca necessidade da barganha em dois tempos.

Lula está firme na liderança das pesquisas, favorito disparado e
favorecido pela anemia do candidato oposicionista, o ex-governador
Geraldo Alckmin, que patina em percentuais medíocres. Mas voto nunca
é demais para a gula insaciável de candidato. E, na mesa da barganha,
os interesses se encaixam como peças de jogo de armar. O PT purga,
com o lombo ferido, a desmoralização dos escândalos do mensalão e do
caixa dois, que destroçaram a antiga direção, jogando no limbo os
quadros de comando como José Dirceu, o ex-presidente José Genoino, o
hoje famoso, isto é, mal-afamado tesoureiro Delúbio Soares e toda uma
equipe caída em desgraça, e tenta sair do sufoco sacudindo a lama que
também respingou no governo.

Como ilustra a breve crônica do partido, Lula sempre carregou a
legenda nas costas, com votação que arrastava o PT e distribuía
mandatos parlamentares. Agora, a avaliação das probabilidades
eleitorais é pessimista: não mais de três governadores – do Piauí,
Sergipe e Acre – e considerável corte nas bancadas do Senado e da
Câmara.

Portanto, o partido que deixe de pieguice, bote a cabeça no lugar e
abra espaço, como Lula pediu, para o apoio aos candidatos a
governador do PMDB.

Do mais ele está cuidando com o habitual desembaraço. No encontro com
o ex-governador e desafeto Orestes Quércia, trocaram afagos que
sepultam ofensas do passado. A vice-presidência foi oferecida na
bandeja ao adversário com quem, em tempos idos e vividos, travou o
edificante duelo de agravos, iniciado por Quércia ao cutucar na
moleira da inexperiência administrativa do torneiro mecânico: “Ele
nunca dirigiu nada, nem carrinho de pipoca”. A resposta subiu à
ofensa: “Pelo menos eu não roubava a pipoca”.

Mas ofensas trocadas deslizam na pele dura de profissionais da
política como a sujeira da corrupção sumiu nos esgotos do Palácio do
Planalto sem que o presidente tivesse a curiosidade de saber a origem
da catinga e das fortunas que financiaram a mais rica campanha da
história do país.

Ninharias de fofocas de intrigantes. O apoio do PMDB à candidatura de
Lula, depois da edificante reconciliação entre o candidato e Quércia,
na verdade pouco altera a bagunça eleitoral. O PMDB aposta no futuro
e coleciona promessas. Mas sempre clareia a escuridão dos conchavos
debaixo do pano. Em cada estado, o interesse dos candidatos a
governador, puxadores naturais de voto da legenda, passará ao largo
dos alinhavos de cúpula.

A candidatura própria do PMDB é capítulo encerrado ao compasso de
forró de gafieira.

O presidente-candidato não perde tempo. No derradeiro mês em que o
rombo na legislação eleitoral – escancarados pelo mais odiado
inimigo, o antecessor FHC – facilita o uso da máquina governamental
no disfarce da campanha ostensiva e em tempo integral, Lula cuida de
ajeitar a herança maldita para o abençoado uso em proveito próprio.

Com a escassa experiência da praga da reeleição e mesmo com os
descontos da fase vexaminosa que estamos suportando, causa espanto o
desembaraço com que o governo abre o cofre e compromete as reservas
dos êxitos econômicos para a afobada distribuição de favores e o
atendimento de promessas de campanha esquecidas durante três anos e
meio, com a generosidade de perdulário e a mais leviana impudência.

Os barnabés abandonados às traças durante os dois últimos governos
implacáveis, depois de engambelados por migalhas, assistem à
distribuição de fatias do bolo às categorias favorecidas pelos
critérios da improvisação. Os militares recebem o agrado de 10%.
Cerca de 100 mil professores universitários e de colégios federais
receberão mais alguns reais.

Até o fim do mês, o balcão funcionará a pleno vapor. Quem quiser e
puder que entre na fila.

O tempo é curto.

Depois da bonança, mais quatro anos de castigo.

Arquivo do blog