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Aproxima-se o dia em que acabará o dinheiro farto. E aí haverá ranger
de dentes. É o que predizem os profetas. Até que ponto têm razão?
Os últimos quatro anos foram de abundância. De outubro de 2001 a
março de 2005, os juros básicos definidos pelo Federal Reserve (Fed,
banco central dos Estados Unidos) ficaram abaixo dos 3% ao ano. Como
a inflação anual sobre o dólar ficou entre 2,5% e 3,0%, dizia-se que
os juros reais (descontada a desvalorização do capital pela inflação)
ficariam muito próximos de zero. Juro baixo é o mesmo que fartura de
dinheiro. Foi o que permitiu a expansão do crédito e o surgimento de
bolhas especulativas, como a do mercado imobiliário norte-americano.
A economia brasileira tirou proveito da abundância. Ficou mais fácil
obter recursos externos; o aumento do consumo nos países ricos e do
comércio mundial empurraram as exportações brasileiras e as cotações
do dólar ficaram achatadas; o governo antecipou o pagamento da dívida
externa; o Banco Central juntou US$ 62 bilhões em reservas; e a queda
do dólar ajudou mais do que os juros a derrubar a inflação.
Até recentemente, o dólar abundante não produziu inflação nos Estados
Unidos, por algumas razões. Aqui vão duas: o crescente emprego de
Tecnologia da Informação, que reduziu custos de produção e elevou a
produtividade; e a agressividade comercial chinesa, que ofereceu
produtos bem mais baratos.
A novidade foi a alta do petróleo, que encareceu a energia e aumentou
os custos. A inflação do primeiro trimestre nos Estados Unidos,
recalculada para 12 meses, é de 5,3% e projeções apontam para 2006
uma inflação não inferior a 3,6%. Para conter a inflação, os juros
contra o dólar, hoje nos 5,0% ao ano, devem subir mais. Os outros
grandes bancos centrais estão dançando a mesma música. É o
estreitamento da liquidez.
Na semana passada, o presidente do Fed, Ben Bernanke, deu dois
recados: confiem na capacidade do Fed de combater a inflação; e não
exagerem o surto inflacionário porque isso causa mais inflação. A
primeira afirmação sugere que não faltará firmeza no combate à
inflação; a outra, que não necessariamente Bernanke será atendido e
mais inflação tenha de ser combatida com mais juros (mais
estreitamento de liquidez).
Do ponto de vista da economia brasileira, em princípio, juros mais
altos lá fora implicam alta do dólar no câmbio interno e mais
inflação aqui dentro.
Ficam mais perguntas do que respostas: quais serão as proporções da
escassez de dinheiro? Quanto os juros subirão lá fora acima do
patamar atual? Não estão pintando a tempestade com cores mais
carregadas do que será de fato? A acreditar em Bernanke, estão, sim.
Mas como saber? Mesmo 230 anos depois de Adam Smith e A riqueza das
nações, a globalização e o emprego de tecnologia estão empurrando a
economia mundial a mares não mapeados. É esperar para ver.
A saída seria levar mais a sério o combate à gastança para controlar
a dívida. Mas não há sinais de que o governo Lula esteja convencido
disso.