Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 23, 2006

Celso Ming - Gravidez de baixo risco

O Estado de S. Paulo
23/6/2006

Os mais recentes medidores de inflação estão estrábicos: apontam para
direções opostas.

Terça-feira, o Índice de Preços ao Consumidor, da Fipe, apresentou
para o período de quatro semanas terminado no dia 10 uma queda de
0,50%. No mesmo dia, o Índice Geral de Preços (IGP-10), da Fundação
Getúlio Vargas, para o mesmo período, um avanço de 0,57%. Ontem, a
segunda prévia do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), que
engloba o período de 21 de maio a 10 de junho, apontou variação
positiva de 0,56%.

A que atribuir essa divergência e até que ponto dá para sustentar a
aposta de que a inflação de 2006 está convergindo para a meta do ano,
que é 4,5%?

Convém repisar que esses números não medem a mesma coisa. O IPC da
Fipe restringe-se à inflação na cidade de São Paulo e, ainda assim,
mede a evolução dos preços da cesta de consumo da população que ganha
entre 1 e 20 salários mínimos. O IGP, da Fundação Getúlio Vargas, é
um índice nacional e nele entra com peso alto, de 60%, o
comportamento dos preços no atacado.

Vê-se que os preços no atacado estão avançando enquanto os preços no
varejo (custo de vida) dão marcha à ré. No mercado atacadista, os
preços estão subindo por três principais razões. Uma delas é a de
que, a partir da primeira semana de maio, o dólar teve uma razoável
reação no câmbio interno. Fechou a 5 de maio na cotação mínima de R$
2,0550 e, de lá para cá, empurrado pela turbulência internacional,
saltou para os R$ 2,2350, seu fechamento ontem: valorização de 8,8%.
Essa esticada contribuiu para o aumento dos preços em reais dos
produtos importados, especialmente dos metais.

Aí está a segunda pressão. O subgrupo formado pelas matérias-primas
metalúrgicas subiu 3,3% em maio e teve, apenas ele, impacto de 0,4
ponto porcentual no Índice de Preços no Atacado.

Pode-se acrescentar uma terceira pressão, ainda a ser confirmada: a
maior velocidade da atividade econômica (mais crescimento do PIB),
que pode estar aumentando a procura de matérias-primas e produtos
intermediários, puxando os preços.

A questão seguinte é saber até que ponto esse avanço do IGP não
contaminará os preços do medidor mais importante, que é o Índice de
Preços ao Consumidor - Amplo, o IPCA, usado para conferir se a
inflação está dentro da meta. A pergunta se justifica pelo "efeito
gravidez".

Um aumento dos preços no atacadista tende a ser repassado, no momento
seguinte, ao varejo. À medida que refizer seus estoques e passar a
pagar mais a seu fornecedor, o comerciante tende a remarcar seus
preços ao consumidor. É por isso que alguns economistas dizem que a
inflação no atacado está grávida de preços no varejo.

É provável alguma transferência dessa alta para o mercado de consumo,
mas, desta vez, trata-se de gravidez de baixo risco. Primeiro, porque
o principal impulsionador dos preços no atacado perde pressão. As
cotações do dólar estão agora à altura dos R$ 2,23 ou R$ 2,25 e não
devem ter impulso para mais.

Em segundo lugar, o mercado está convencido de que a inflação deste
ano ficará na meta, como mostram os levantamentos do Banco Central.
Quando está convencido de que a inflação não vai passar do ponto, o
formador de preços é o último a remarcar suas tabelas acima desse
ponto, porque sabe que corre o risco de perder participação de
mercado para o concorrente.

ming@estado.com.br

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