Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

Armado e perigoso




VEJA

Para demonstrar força, Chávez
compra até aviões supersônicos
e anuncia que vai cassar a concessão
das emissoras de TV da Venezuela


Ruth Costas

 

AFP
Chávez testa um fuzil numa feira militar em Caracas: encomenda de 100 000 AK 103 russos

A imprensa é uma das poucas instituições venezuelanas fora do controle direto de Hugo Chávez – mas por pouco tempo. Na semana passada, o coronel-presidente anunciou que as emissoras de televisão críticas a seu governo não terão as concessões renovadas. "Não podemos continuar a permitir que um pequeno grupo de pessoas use um espaço de transmissão que é do Estado", explicou Chávez. O predicado "é do Estado", na visão autoritária do coronel, deve ser entendido como uso exclusivo do presidente da República e seus coligados. Como as concessões da maioria dos canais vencem no próximo ano, a decisão equivale a cassar o direito de a oposição aparecer na televisão.

A estratégia de amordaçar a imprensa, adotada por Chávez, é uma das linhas que demarcam as diferenças políticas entre Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva. Encurralado no palácio durante meses pela exposição sistemática dos esquemas de corrupção dentro de seu governo, Lula em nenhum momento sugeriu a possibilidade de privar os brasileiros do direito à livre expressão. É verdade que, em momento desastrado, ele tentou expulsar o correspondente do jornal The New York Times. Agiu assim por se considerar pessoalmente injuriado. Na Venezuela, por enquanto, não há censura direta, e os jornais e as emissoras de TV em teoria podem criticar o presidente. Mas o cerco está se fechando. Uma reforma recente no Código Penal aumentou as multas e sanções para os chamados "delitos de opinião" – basicamente, "difamar" ou "injuriar" membros do governo. Uma ofensa ao presidente da República pode resultar numa condenação a quarenta meses de prisão. Desde o ano passado, a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão, apelidada de "lei da mordaça" pela oposição, instituiu um órgão estatal para fiscalizar a programação das emissoras. Os critérios de avaliação são tão subjetivos que na prática permitem ao governo decidir de forma despótica o que deve ou não ir ao ar.

 

Indranil Mukherjee/AFP
SUKHOI 30
Autonomia: 3000 km
Velocidade: 2500 km/h
Armamento: 8 toneladas de mísseis e bombas
Preço: 34 milhões de dólares
Origem: Rússia

No Brasil, uma situação dessas é impensável. A sociedade brasileira é mais madura, as instituições são mais sólidas e o presidente Lula não tem em seu DNA político nem em sua história o impulso de censor. Em público, Lula mantém com Chávez relações cordiais – às vezes até cordiais demais –, mas nos bastidores funciona como um freio às investidas do venezuelano na região. Frear o avanço de Chávez sobre a liberdade de expressão na própria Venezuela é mais complicado. Não só por causa do controle que ele exerce sobre todas as esferas do Estado, mas também porque ele está mergulhado numa guerra interna contra a oposição, cujos porta-vozes são as rádios e televisões do país. É também para essa guerra que Chávez está se armando militarmente, apesar de ele insistir em que seu único objetivo é defender a Venezuela de um ataque americano.

Para piorar, o anúncio de que as emissoras terão as concessões cassadas foi feito durante uma exposição militar em que Chávez confirmou a construção de uma fábrica para produzir fuzis Kalashnikov na Venezuela e a compra de 24 caças russos Sukhoi 30 – avançados jatos de interceptação e ataque capazes de voar a 2.500 quilômetros por hora e carregar 8 toneladas de mísseis e bombas inteligentes. "O recado que ele quis passar é claro: agora que eu estou bem armado, pretendo avançar no pouco espaço que a oposição ainda tem para respirar na Venezuela", disse a VEJA o espanhol Marcelino Bisbal, professor da Universidade Andrés Bello, em Caracas. A ambição militarista é outra diferença entre os dois presidentes. Lula acredita na diplomacia e na integração entre os países. Chávez dá palpite nos assuntos internos dos países vizinhos, financia aventureiros e tenta criar governos-clones por toda parte, como fez na Bolívia. Desde que começou a modernizar sua frota militar, ele já gastou mais de 3 bilhões de dólares, dinheiro que retirou dos lucros obtidos com a venda de petróleo. As compras incluem aviões cargueiros da Espanha, radares da Ucrânia e 36 blindados brasileiros, equipados com canhões que podem disparar até 1.000 tiros por minuto. Os quatro primeiros Sukhoi 30 do lote de supersônicos encomendados pela Venezuela chegarão ao país em dezembro. São os mais poderosos aviões de combate do continente. Capazes de percorrer até 3.000 quilômetros sem a necessidade de reabastecer, os aviões poderiam ser usados para atacar todos os países vizinhos, a região do Caribe e até Miami, na costa sul dos Estados Unidos, o que aumenta o risco de instabilidade que o governo Chávez representa para o continente. Os aviões fazem parte de um acordo de 5,5 bilhões de dólares negociado com a Rússia, que também prevê a compra de quinze helicópteros e 100.000 fuzis de assalto AK 103, dos quais 30.000 já chegaram ao país. "A estratégia de Chavez é fazer ameaças e fomentar o medo para garantir que poderá continuar a estender seu poder", afirma Bisbal. "Ao menos a compra dessas armas chama a atenção do mundo para o avanço galopante do autoritarismo por aqui."

Arquivo do blog