Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 01, 2005

SERGIO BESSERMAN À espera de D. Sebastião

O GLOBO


Dom Sebastião está vivo. Ele não vai voltar um dia, ele volta todos os dias nos corações e mentes dos brasileiros. O sebastianismo está sempre presente e assume desde as formas mais toscas às mais sofisticadas.

Dom Sebastião pode retornar do Norte da África, como um El Cid redivivo, na imaginação de uma camponesa inculta do interior de Portugal, pode aparecer como um presidente "pai dos pobres", como Vargas; como um líder que se apresenta como proprietário de uma máquina do tempo, capaz de fazer cinqüenta anos em cinco, como JK; como caçador do mal personificado em "marajás", como Collor; como um homem do povo que incorpore a alma gêmea do sebastianismo, o milenarismo, e consiga vender (ainda que por tempo limitado) o final dos tempos maus e o início de uma nova era onde só há vacas gordas, como Lula.

As elites brasileiras podem rir dessas encarnações personificadas, mas são tão ou ainda mais aditas ao sebastianismo, em formas mais ilusórias e elaboradas.

O Dom Sebastião mais freqüente de nossas elites, mesmo as mais intelectualizadas, é a política econômica. Algum dia chegará a política econômica correta (dos bons economistas), ou vinculada aos setores produtivos (e não aos financeiros), ou voltadas para os interesses populares (e não para os ricos), e assim por diante, ao gosto do freguês. Quando ela chegar, todos os problemas nacionais e sociais começarão a ser resolvidos.

É claro que a política econômica pode ser melhor ou pior e que sempre será objeto de luta por interesses concretos. Mas, em primeiro lugar, não há almoço grátis: mudanças que tragam benefícios também ocasionarão custos. Trata-se de definir estratégias. Em segundo lugar, é apenas a política econômica, que opera dentro de limites estreitos, mais ainda em tempos de economia globalizada.

A sociologia alemã criou a expressão "poder decrescente do título eleitoral". O eleitor alemão, na década de sessenta, ao votar, decidia muitas coisas. Hoje, grande parte das decisões não está mais no espaço político do território alemão e, ao votar, ele decide sobre muito menos assuntos. E assim é em todos os países, mais ainda nos em desenvolvimento.

Como economista, é claro que tenho opiniões e ponderações às políticas econômicas do ex-ministro e meu professor Pedro Malan ou do ministro Palocci e as considero importantes. A política econômica será sempre objeto de debate e conflitos. Mas mudança de "modelo" operada estritamente dentro das fronteiras nacionais, sinceramente, é assunto de revista de moda e não o Santo Graal da sociedade brasileira.

As hostes do Partido dos Trabalhadores que acreditam em uma mudança na política econômica como o caminho para a recuperação de atributos que prezam, como a de partido de esquerda, transformador e, incrível, mas presente em várias manifestações registradas pela imprensa, como a forma de recuperar a imagem de partido ético, estão tendo um pensamento, digamos, rudimentar.

Dom Sebastião não vai voltar e nós, brasileiros, precisamos deixar que ele descanse em paz. Nossos graves problemas são produtos de nossa história e a transformação da sociedade brasileira, especialmente a redução da desigualdade, depende de muito conhecimento, trabalho e mobilização política. Não há milagre nem atalhos. Há a história e seus caminhos, no Brasil e no mundo.


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