Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 01, 2005

PAULO RABELLO DE CASTRO O Rio que morre

O GLOBO



O Rio que conhecíamos está morrendo. O Rio capital da cordialidade, sede de belezas naturais, lugar de encontro de personalidades estrangeiras, mito de brasileiros de todos os recantos, esse já era.

Como cariocas e fluminenses, continuamos reagindo, entre espantados e indignados, com a tragédia que se abateu por aqui. Não foi tsunami, furacão nem terremoto, mas certamente foi uma seqüência catastrófica de políticos, maus administradores, que aprofundaram, sobre o nosso Rio de Janeiro, as influências negativas das "décadas perdidas" da economia nacional e o casamento "na polícia", realizado em 1975, entre Guanabara e o interior do Estado.

O vagalhão de mediocridade que atingiu o Rio e nos engolfou, sem escapatória para a grande maioria dos moradores, é a onda do retrocesso econômico e institucional, que ceifou principalmente os mais pobres, a começar pela baixada fluminense, deixando milhões de cidadãos permanentemente sem emprego nos municípios do grande Rio e nas favelas metropolitanas. Que o digam as filas de pedido de emprego na Comlurb!

Tem jeito? Um grupo de inconformados, temos nos dedicado a buscar alternativas. Óbvio que todas as possíveis opções de saída da crise carioca e fluminense passam pela consciência coletiva, pela indignação e pela vontade de colaborar. Essas, creio que não faltarão. Os cidadãos já despertaram, há muito, embora poucos cidadãos acreditem ser possível fazer algo de prático.

Cidades e regiões do mundo já estagnaram, mas depois ressurgiram, ao impulso de decisões provocadas por viradas políticas e de uma clara estratégia de recuperação.

Essas duas condições ainda nos faltam. Mas podemos superá-las. As eleições gerais de 2006 estão aí de novo. O referendo do "não" demonstrou que é possível dar uma resposta diferente da convencional, porque o cidadão, quando vota, pensa e, se pensa, pode surpreender pelo voto. Mas é preciso surgir alternativas de voto realmente diferenciadas: um governador ou uma governadora de fato à altura da história e do potencial deste estado; uma bancada federal capaz de ser, pelo menos, unida pelo Rio (que hoje não existe); um senador que faça mais do que apenas comparecer a sessões e patrocinar pedidos de concessão de rádios no interior.

O Rio — cidade e estado — tem solução, sim, se resgatar seu "padrão mundial". Esta é a sua vocação. O conceito é apenas um: nascemos para ser os melhores. Portanto, se não conseguirmos o padrão de melhor, acabaremos resvalando para o que há de pior. É o que somos hoje. PIB caindo na cidade, desemprego grassando, um estado extrativista, vivendo às custas da exploração do petróleo.

Mas temos aqui a permanência (ainda) de empresas, de pessoas e de eventos de "padrão mundial". O principal é o próprio carnaval, que ainda não conseguiram desorganizar. Temos sedes de empresas de padrão mundial, como Petrobras, Organizações Globo e CVRD (por enquanto). Poucas, é bem verdade, que não saíram para São Paulo ou qualquer outra praça. Aqui vivem também, apesar de tudo, cientistas, artistas e desportistas, financistas, cineastas, compositores, escritores, médicos e juristas, de padrão mundial. Gente que é recebida com respeito e admirada onde quer que chegue, em qualquer universidade ou centro econômico, cultural ou esportivo do planeta.

O conceito da transformação do Rio está em buscar uma nova arquitetura social baseada na inclusão efetiva e eficaz, que começa pela titulação fundiária, e completa urbanização do seu espaço humano, pois é com todos os cariocas e fluminenses que precisamos resgatar o nosso padrão mundial. A arquitetura econômica dessa transformação é possível e viável desde que um choque de gestão ocorra no estado, a começar pela ordem pública, que precede ao reordenamento urbano amplo.

A redenção do Rio também é, ou deve passar a ser, uma questão federal. Os níveis de retrocesso econômico experimentados pela cidade e pela baixada deveriam ser objeto de providências específicas e urgentes de quem vier a ser o próximo presidente da República em 2007. Duas ou três decisões federais (apenas!) serão suficientes para repor o Rio no "ranking" das dez áreas metropolitanas de maior interesse do planeta.

Operar o resgate desse padrão mundial para o Rio é o dever de todos que lamentamos, hoje, nossa queda livre. Devemos isso a nós mesmos. E aos que virão depois de nós.


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