D e acordo com informações do próprio Movimento dos Sem-Terra (MST), no mesmo dia em que um de seus maiores líderes, José Rainha Junior, era condenado, junto com três companheiros, a 10 anos de prisão em regime fechado, por crime de incêndio, furto e danos, praticado em 2000, na Fazenda Santana da Alcídia, em Teodoro Sampaio, encontrava-se ele em Brasília, organizando a visita que o presidente Lula deverá fazer ao Pontal do Paranapanema em novembro. Eis aí um fato bem emblemático das ligações de um governo com uma organização sem existência legal - portanto, ilegal ou clandestina - que sistematicamente agrega às suas práticas de esbulho possessório uma lista extensa de outros delitos, como destruição de propriedades alheias, matança de animais, incêndios, furtos, cárcere privado vitimando trabalhadores de fazendas, destruição e saques de cabines de pedágio, lesões corporais e até assassinato, impostos aos que resistem a seus atos de violência.
Acresce que até o dinheiro público que é repassado a essa entidade ilegal, por meio de convênios celebrados com associações "legais" que as representam - caso da Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária do Brasil (Concrab) e a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) -, tem sido desviado de suas finalidades, como atestou o Tribunal de Contas da União (TCU), que mandou tais associações devolverem R$ 14,9 milhões, usados irregularmente. Foram assinados 74 convênios para a liberação desses recursos. Conforme auditoria do TCU, divulgada pelo presidente da CPI da Terra, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), o TCU pediu explicações a autoridades das áreas em que foram apuradas irregularidades, como Tarso Genro, ex-ministro da Educação, Holf Hackbart, presidente do Incra, e José Fritsch, que foi titular do já extinto Ministério da Pesca.
Um dinheiro que tinha sido liberado para ações nas áreas de educação, saúde, pesquisa e reforma agrária serviu para o MST promover encontros, seminários e publicação de cartilhas. E, como exemplo de desvio, o Tribunal cita um convênio celebrado entre o Ministério da Cultura e a Anca, que resultou no pagamento à associação de R$ 43.200,00, por 4.320 CDs que seriam distribuídos em comemoração dos 20 anos do MST. "Contudo, verificou-se que os CDs já estavam prontos antes da assinatura do convênio" - aponta o relatório.
Qualquer organização ilegal, capaz de tornar-se um fator de desordem pública e de submissão da sociedade aos efeitos do sistemático desrespeito à lei, só pode prosperar se encontrar, de um lado, apoio, e, de outro, impunidade. O MST, cujas operações violentas são condenadas pela população que apóia a política de reforma agrária, tem recebido apoio do governo - menos do que desejava na forma de distribuição de terras, mas generoso em doações de dinheiro - de entidades religiosas como a CNBB e de Organizações Não-Governamentais nacionais e internacionais. Por outro lado, os emessetistas e assemelhados sempre se beneficiaram da lentidão judicial, que nunca logrou pôr cobro à sua trajetória delinqüencial, de tempos em tempos exacerbada por amplas e sincronizadas operações de invasões, em quase todas as regiões do País, especialmente as mais produtivas. Neste sentido traz alento tanto a cobrança do TCU como as condenações judiciais, determinadas pelo juiz Maurício Ferreira Fontes, de Rainha e seus companheiros Sérgio Pantaleão, Clédson Mendes e Márcio Barreto.
É claro que a sentença condenatória pode dar margem a recursos ao Tribunal de Justiça e instâncias superiores. E, caso os condenados não obtenham decisões que lhes sejam favoráveis, é certo que procurarão fazer grandes mobilizações, "campanhas de denúncias do Brasil ao exterior" e coisas equivalentes. É claro, no entanto, que, no nível de evolução do Estado Democrático de Direito que atingimos, é inadmissível que pressões desse tipo façam reverter a exigência judicial de estrita obediência à lei. Afinal de contas, além da separação, independência e harmonia entre os Poderes de Estado, a Democracia também exige a insubmissão destes a pressões espúrias de qualquer natureza.