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O Estado de S. Paulo |
18/11/2005 |
Afinal, aconteceu o que se temia. Os opositores do ministro Palocci dentro do governo acabaram botando fogo no circo. A última gota foi a proposta de ajuste fiscal a longo prazo feita pelos ministros do Planejamento e da Fazenda. O que é irônico é que, na fatídica entrevista ao Estado (9/11) em que explicitou a real extensão de sua oposição à política econômica do governo, a ministra Dilma Rousseff tenha alegado que a proposta de ajuste fiscal não só era "bastante rudimentar", como pressupunha mudanças que não foram "combinadas com os russos" (apud Mané Garrincha). São alegações que trazem à mente a trajetória um tanto peculiar que teve a ministra no atual governo. Rememorá-la ajuda a entender com mais clareza o conflito que acabou ocorrendo. Dilma Rousseff participou do governo Lula desde o início como ministra de Minas e Energia. O grande desafio da pasta que lhe coube era o aprimoramento da política relativa ao setor elétrico. A ministra tinha pela frente a oportunidade de extrair lições dos muitos erros do governo passado nessa área e reconceber o setor elétrico em bases mais sólidas. O que se viu, contudo, em meados de 2003, foi o anúncio de uma proposta de reforma do setor elétrico que não era mais do que um descosido amontoado de visões preconceituosas e "pontos inegociáveis", ao arrepio de princípios econômicos elementares. A proposta não era apenas rudimentar. Era simplesmente inepta. E deixou o setor elétrico alarmado. Em questões regulatórias, desenhar incentivos que equivalham a "combinar com os russos" é absolutamente fundamental. E a verdade é que os "russos" ficaram horrorizados. Ao longo dos últimos dois anos, foi necessário conjugar muita habilidade e grande esforço de convencimento, para familiarizar a ministra com a realidade do setor elétrico e persuadi-la a deixar de lado pelo menos os aspectos mais impensados da proposta que apresentara. Mais uma vez, o País se viu convertido em gigantesco e dispendioso navio-escola. O desafio passou a ser transformar a proposta xucra de 2003 em algo que pudesse ter chance remota de funcionar, ainda que insatisfatoriamente. Foi o que afinal se fez. Mas, tendo nascido torta, a proposta torta ficou. É especialmente lamentável que, diante de ampla gama de arranjos possíveis, que iam de pouca a muita presença do Estado, o governo tenha deixado de lado estratégias mais parcimoniosas no uso de recursos públicos e optado por um modelo para o setor elétrico que reserva ao Estado o papel central. Papel que na verdade vem ganhando importância a cada dia, à medida que o modelo mostra falhas de concepção. Para as dificuldades que vão surgindo, a resposta do governo tem sido quase sempre a mesma. Aumentar o bombeamento de recursos públicos e paraestatais. O BNDES viu-se agora obrigado a elevar ainda mais o porcentual financiável de novos investimentos no setor, a alongar em muito o prazo do financiamento concedido e a oferecer taxas de juros ainda mais favoráveis do que as habituais. E, há poucas semanas, o governo resolveu que, para diminuir riscos na decolagem do modelo, o mais prudente era bombear recursos dos fundos de pensão para os leilões de energia. A verdade é que o novo modelo sobrecarrega desnecessariamente o setor público com a arregimentação dos recursos necessários para fazer face aos pesados encargos de investimento no setor elétrico. De onde mesmo o Estado vai extrair tais recursos não se sabe. E, se afinal conseguir extraí-los, vai fatalmente deixar desguarnecidas outras áreas importantes nas quais de fato desempenha papel insubstituível. A visão que presidiu a concepção do modelo do setor elétrico, que pressupõe um Estado que tudo pode e tudo banca, denota percepção pouco lúcida da dura realidade das contas públicas no País. Foi essa visão fantasiosa que a ministra Dilma Rousseff levou para a Casa Civil. Não é surpreendente, portanto, que tenha reagido tão mal ao choque de realidade do diagnóstico mais do que correto que os ministros Bernardo e Palocci vêm fazendo do quadro fiscal, que aponta para a inexorabilidade de um ajuste de longo prazo. Há poucas semanas, a ministra sugeriu que seria preferível ter inflação de 15% ao ano e mais recursos para investimentos. O escapismo do devaneio já era sinal do que estava por vir. *Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, novembro 18, 2005
Choque de realidade - Rogério L. F. Werneck
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