Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 17, 2008

Visão de Malan Miriam Leitão

O ex-ministro Pedro Malan enfrentou tudo isso que está lá. Nos seus oito anos de ministro da Fazenda houve crise bancária, intervenção do governo no mercado financeiro e disparada do câmbio. Malan avalia que o Brasil está bem, que a crise no mundo irá até 2010, que a intervenção do Estado na economia é temporária. Acha que é “administrável” os problemas das empresas com o câmbio.

Para Malan, o que está havendo nos Estados Unidos e na Europa não é o início de uma nova era de estatização no mundo.

— É uma intervenção temporária.
Não é o abandono da postura liberal que tem séculos de tradição. É uma circunstância excepcional, que exige medidas excepcionais que foram tomadas, mas a capitalização dos nove grandes bancos americanos, ao custo de US$ 125 bilhões, é um empréstimo, ao custo de 5% ao ano, por 3 anos. Depois, o custo sobe para 9%. É uma maneira de deixar claro que esses bancos vão ter que recomprar essas ações ou vendê-las no mercado para outros. Essa é a intenção de americanos, ingleses e europeus.
Não passa pela cabeça de nenhum deles que eles vão ser proprietários, controladores e gestores de instituições financeiras privadas.
A Europa e os EUA não vão se deixar levar por aventuras e experimentos.
O Proer no Brasil, segundo ele, teve origem diferente.

— Primeiro, nós tínhamos 30 bancos estaduais, comerciais, reduzidos hoje a 5 ou 6.
Eram bancos envolvidos na atividade política, coisas incompatíveis.
Eram grandes bancos que pertenciam aos estados e que emprestavam mais de 80% dos seus ativos para o próprio estado ou empresas estaduais. Os devedores não pagavam ou pagavam um pedacinho, jogavam o resto para o longo prazo. Os empréstimos pareciam bons, e não eram.
Segundo, os bancos privados, com a estabilização, perderam de forma abrupta a receita inflacionária. Nós começamos a avisá-los, antes, de que acreditávamos que a inflação desabaria e preparamos os bancos federais para esse problema.
A operação isolou os bancos com problemas, que foram absorvidos por outros.

— Nós conseguimos, com enorme custo político e enfrentando uma barulhentíssima oposição, sanear o sistema bancário brasileiro, que hoje é um grande ativo que nós temos. E, ironia, outro dia eu vi o nosso presidente, na televisão, oferecendo ao companheiro Bush o Proer brasileiro, tecnologia nossa para lidar com problemas bancários. É uma ironia à luz da violentíssima oposição política, econômica e jurídica que foi feita à época, alegando que não tinha nenhuma justificativa.
Quem fez o Proer hoje responde a processos na Justiça.
Entrevistei Malan no “Espaço aberto”, da Globonews — repete hoje às 8h30m e às 15h30m. Ele explicou que o mundo está vivendo o fim de um ciclo. Um ciclo extraordinariamente forte e poderoso de crescimento econômico no mundo todo.

— Parafraseando Winston Churchill e, em parte, o nosso presidente: nunca tantos governos e empresas tiveram acesso ao mercado internacional de capitais, com tantos instrumentos de dívidas, tantas fontes de oferta, tanta facilidade, em tão largos volumes. Esse ciclo terminou. Agora nós estamos num ajuste, o que é natural, mas também é a pior crise que o mundo enfrenta desde os anos 30.
A crise nasceu dos excessos, explicou ele, com empréstimos concedidos a pessoas sem condições de arcar com as prestações e que, com a queda dos preços dos imóveis, ficaram com dívidas maiores que o patrimônio.
Empréstimos que foram empacotados, divididos em pedaços, misturados a outros e revendidos.
Perguntei se o que provocou isso não foi o excesso do liberalismo, a idéia americana de auto-regulação do mercado. Ele disse que, em parte, sim. E em parte por um período muito longo de taxas de juros muito baixas, o que levou os bancos a procurarem ativos de alto retorno.

— Eles saíram atrás de “material radioativo”, como diziam.
Malan disse que agora nascerá um novo padrão de regulação e fiscalização, mas, para ele, o Fed e o Tesouro americano erraram ao não socorrer o Lehman Brothers.

— Foi um erro. Os bancos de investimento não estavam submetidos à supervisão do Fed. Mesmo assim, ele colocou US$ 29 bilhões, dia 15 de março, para permitir que o JP Morgan absorvesse o Bear Stearns. Outro dia me dei ao trabalho de reler a detalhada descrição que o presidente do Fed de Nova York e Ben Bernanke fizeram das razões que os levaram a não deixar o Bear Stearns falir. Se você trocar ali o nome Bear Stearns por Lehman Brothers seria o mesmo tipo de argumento.
Tanto é assim que o pânico se instaurou no mercado depois disso.
O Brasil deveria continuar seguindo a linha que mantém há 15 anos.

— Deve continuar se mostrando cada vez mais confiável e previsível e controlar o orçamento. Essa é a hora de serenidade e visão de médio prazo.
Ele é contra a aprovação do Fundo Soberano, porque acha que o fundo faz sentido em países com superávits fiscais e de balanço de pagamentos.
Acha que a crise das exportadoras com as opções cambiais é “administrável” e que a liberação de compulsórios levará algum tempo para chegar na ponta da concessão de crédito. Mas lembra que não se pode cometer um erro: achar que a crise não nos atinge.

oglobo.com.br/miriamleitao
e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br

COM LEONARDO ZANELLI

Arquivo do blog