JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES
A relação do Brasil com os países vizinhos não é mais a mesma. O episódio recente no Equador, com a expulsão da Odebrecht e a ameaça do presidente Rafael Correa de não pagar um empréstimo do BNDES, constitui mais um capítulo turbulento da diplomacia regional e sublinha uma interrogação cada vez mais freqüente: existe, no âmbito do atual governo brasileiro, uma estratégia política para lidar com esse tipo de situação na América do Sul? Até agora, a principal reação do governo brasileiro foi a de considerar a decisão de Correa como uma jogada política para enfrentar o referendo constitucional da semana passada.
Trata-se de uma postura contemporizadora, mas que não reduz a magnitude do problema. Afinal, os atritos com Bolívia e Paraguai também tiveram motivações político-eleitorais e os interesses brasileiros seguem ameaçados.
Essa cautela, na verdade, emana do princípio de não intervenção nos negócios internos de outros países. O governo brasileiro mantém esse princípio como pedra angular de sua diplomacia, o que tem ajudado a reduzir a desconfiança dos vizinhos, freqüentemente ameaçados pela dimensão do Brasil.
A viabilidade desse princípio, contudo, dependia de uma falta de integração real entre as economias sul-americanas ou de baixo ativismo político de seus governos. O episódio no Equador e as crises na Bolívia e no Paraguai, todavia, lembram que esse não é mais o caso.
A interligação entre as economias regionais está se ampliando e existe uma profunda assimetria entre os parceiros.
A economia brasileira é muito maior do que a de seus vizinhos problemáticos e vai ficar ainda maior. Qualquer processo de integração, portanto, tornará a presença brasileira nesses países mais influente e visível como alvo político.
Além de amenizar as desconfianças históricas, o Brasil tem agora interesses concretos a defender nesses países. Na esteira do aumento do fluxo comercial e de investimentos, portanto, emerge a demanda por um instrumento mais sofisticado para o exercício de influência ou de força por parte do Brasil.
A definição desse instrumento gera todo tipo de discussão e resistência.
A despeito da retórica favorável, a diplomacia brasileira, por exemplo, resiste em fortalecer institucionalmente os organismos regionais, que pouco têm a oferecer em momentos de crise e, muitas vezes, acabam por servir de plataforma política para líderes mais populistas.
Ademais, a própria crença em organismos regionais como solução para crises pode comprovar-se insuficiente ou até mesmo equivocada por parte do governo brasileiro. A fórmula européia de equilíbrio de poder, que prevaleceu nas relações entre as principais potências daquele continente no século XIX e no pós-guerra, não se aplica facilmente à América do Sul. A assimetria por aqui é tamanha e o único equilíbrio de poder possível seria uma composição dos países hispânicos contra o Brasil.
Outro instrumento ao alcance do Brasil seria uma maior capacitação militar, desde a compra de armamentos ao deslocamento de efetivos militares para a Amazônia, por exemplo. Um tema polêmico que não encontra muita ressonância junto aos principais partidos e a setores do governo Lula. O Plano de Defesa, que atualmente está sendo desenvolvido pelo governo, aliás, poderia sinalizar uma nova estratégia do país no continente e representa uma oportunidade interessante até para o desenvolvimento da indústria bélica no país. As resistências políticas e financeiras para implementá-lo, contudo, são significativas.
Diante dessa realidade, a política externa do atual governo não parece adequada para lidar com os desafios da região.
Uma postura passiva limita o poder de influência do país, seja bilateralmente, seja por meio dos foros regionais, e abre espaço para o surgimento de outras lideranças no continente. Isso é um risco para o Brasil.
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES é cientista político. E-mail: castroneves@analisepolitica.com.